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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Som da Liberdade: resgate heroico

 

Desde o período de produção, passando pela divulgação até o lançamento, a polêmica está intimamente ligada ao filme Som da Liberdade (Sound of freedom). Finalizada em 2018, a produção seria lançada por uma subsidiária da 20th Century Fox. Mas os planos foram alterados quando a Disney adquiriu a Fox. A produção ficou arquivada por cinco anos. O filme só ganhou uma oportunidade de lançamento quando a pequena distribuidora Angel Studios adquiriu os direitos da obra. As acusações que sempre rondaram a produção é de que se trataria de um filme com perfil radicalmente direitista.

Elogios de Donald Trump, Elon Musk e Mel Gibson (envolvido na produção) colocaram mais lenha na fogueira. A tentativa de boicote e cancelamento só contribuíram para acender o interesse. O resultado, contrariando expectativas, é um inesperado sucesso de bilheteria no mercado norte-americano, com tendência a repetir o êxito no mercado latino-americano. Estabelecida esta premissa, vamos nos ater aqui exclusivamente à apreciação da obra em si como realização cinematográfica, abstendo este contexto externo.


Há, além de tudo isso, um ponto que parece inequívoco, acima de qualquer discussão: o tema central de Som da Liberdade é por demais importante para ser considerado algo secundário e irrelevante. O sequestro de crianças para serem utilizadas como escravas sexuais por pedófilos do submundo, que se escondem nas sombras da deep web, é o pano de fundo onde se desenrola este misto de drama, ação e biografia dirigido pelo mexicano Alejandro Monteverde.

O aspecto biográfico fica por conta da recriação da jornada real de Tim Ballard (interpretado com convicção religiosa por Jim Caviezel), um agente federal dos Estados Unidos que atua na identificação e captura de pedófilos em território norte-americano. Insatisfeito com o sucesso relativo das suas ações, decide empreender uma missão solitária para combater o tráfico infantil. Desliga-se do governo e parte para em busca de uma criança sequestrada e levada por criminosos para a Colômbia. Sozinho, clandestino, sem apoio das forças policiais dos EUA e infiltrado em terra estranha, Tim parte para uma perigosa operação de resgate.


Baseado em fatos, Som da Liberdade claramente romantiza e ficcionaliza em demasia a história de Tim Ballard. A santificação do personagem glorifica seus atos, a ponto de transformá-lo em herói ungido por uma missão divina. A interpretação messiânica de Jim Caviezel, ainda e sempre marcado pelo recall de A Paixão de Cristo (2004), transforma um personagem real, de carne e osso, em uma entidade justiceira martirizada pela culpa.

Apesar da origem latina do realizador Alejandro Monteverde, o filme não supera os clichês latinos tão usuais em produções sob o olhar de Hollywood. O indefectível filtro amarelo, que solariza tudo, e as cores quentes estão presentes. Todos os personagens secundários, quando a ação se passa na Colômbia, são fortemente marcados pelos mais rasteiros estereótipos de caráter, estética e comportamento, tantas vezes associados às populações que vivem na Linha e abaixo da Linha do Equador.


Como já citado, a temática de Som da Liberdade é seu grande e inequívoco mérito, a ponto de suplantar as virtudes da realização cinematográfica. Um assunto por demais doloroso, mas que deve ganhar luzes para que haja um combate realmente efetivo. Infelizmente a realização pesa muito a mão no caráter emocional e faz uso excessivo de recursos de manipulação da emoção do espectador: música, frases de efeito, atos heroicos. Reconheça-se, no entanto, que se trata de uma produção de grande impacto, que dificilmente deixará a plateia indiferente. A sensação final de incomodo é real e palpável, ficando ainda mais evidente após o recado de Jim Caviezel (o ator, fora do personagem), ao término dos créditos finais.


Eliminando – como se fosse possível - o componente alegadamente verídico da trama e o discurso político/moral que imprime do início ao fim, Som da Liberdade poderia ser considerado apenas uma aventura de resgate convencional, na linha, por exemplo, de Lágrimas do Sol (2003), estrelado por Bruce Willis em missão humanitária clandestina na selva nigeriana.

Assista ao trailer: Som da Liberdade


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul

Contato: janeladatela@gmail.com