sábado, 1 de julho de 2017
terça-feira, 27 de junho de 2017
“Zabriskie Point”: jornada no deserto
36º 25’ N 116ª 48’ O. Estas são as coordenadas
geográficas que assinalam a localização do “Zabriskie Point” no globo
terrestre. Um lugarzinho perdido no mapa, no meio do Parque Nacional do Vale da
Morte, no deserto da Califórnia. O terreno árido é resultado de um lago que
secou há milhões de anos. Uma região onde a vida é um desafio constante da
natureza.
Este é o cenário que inspirou a única experiência
de Michelangelo Antonioni em terras norte-americanas. Zabriskie Point (1970)
foi realizado num período de grande evidência do diretor, quando o nome de
Antonioni se consolidava como um cineasta com livre trânsito internacional, além
da condição de apenas um realizador de cinema de arte europeu. Seu trabalho
anterior, primeiro em língua inglesa, foi Blow-Up
– Depois Daquele Beijo (1966), e o seguinte foi O Passageiro – Profissão: Repórter (1975).
Os emblemáticos tempos de passagem da década de 60
para os 70 estão na essência da narrativa de Zabriskie Point. Período de lutas pelos direitos civis, emancipação
dos negros, contracultura, guerra do Vietnã, movimento hippie, psicodelia e rock,
muito rock. O filme de Antonioni já inicia conflagrado, no olho do furacão. Na
sequência de abertura, em estilo documental, somos jogados no meio de uma
assembleia de universitários no campus discutindo sobre a iminente greve e as
ações do grupo no enfrentamento contra a repressão policial. Logo identificamos
entre os universitários o protagonista da história. O jovem Mark (Mark
Frechette) parece alheio e distante da veemência dos discursos revolucionários
de seus colegas. Ao se manifestar em público pela primeira e única vez na
reunião revela sua verdadeira natureza de independência. Declara em alto e bom
tom: “Estou disposto a morrer (pela causa). Mas não de tédio”. E sai da sala de
forma teatral e dramática, para espanto dos estudantes pela clara exibição de
individualismo.
Ao participar de um confronto da policia com um
grupo de grevistas, Mark é testemunha da morte de um policial de Los Angeles.
Por estar portando uma arma, Mark foge do local para não ser acusado de
homicídio. Sem destino, sem mapa, sem bússola e sem dinheiro no bolso, decide, num
impulso, roubar um pequeno avião e seguir sem rumo em direção ao deserto.
A outra protagonista da história é Daria (Daria
Halprin), secretária de um poderoso empresário (Rod Taylor) que planeja
construir um mega empreendimento residencial em pleno deserto de Mojave. Ao
fazer uma viagem de carro por este mesmo deserto, para encontrar-se com seu
chefe (e talvez amante, pode-se supor pelo contexto), Daria decide dar uma
parada numa cidadezinha no meio do caminho para visitar um amigo. Durante a viagem
Daria percebe no céu um pequeno aviãozinho que começa a dar voos rasantes sobre
seu carro. Nestas coordenadas do deserto as histórias dos dois personagens
errantes se cruzam e os destinos de ambos mudam de rota.
A escolha do deserto como cenário faz todo sentido
se considerarmos que Michelangelo Antonioni é um cineasta reconhecido pelo
pleno domínio da mise-en-scène nas
geografias dos espaços cênicos que representa em suas obras. Em Zabriskie Point o diretor expõe o
ambiente urbano da metrópole, com sua sufocante profusão de placas, painéis,
outdoors e publicidade, em contraste com a paisagem desolada e plácida do
deserto, espécie de paraíso (ainda) intocado pela civilização. Neste aspecto, o
ambiente representa a própria natureza interior dos personagens que promovem
uma fuga para, por fim, encontrar-se em si mesmo. Há sim algo de
existencialista nesta jornada de descoberta. Um sonho utópico perseguido que
não se completa. Fica apenas a desilusão.
Michelangelo Antonioni se posicionava como um
intelectual marxista, no entanto, contradizendo este discurso, seus filmes
invariavelmente tratavam de uma elite burguesa com seus problemas típicos,
longe da dura realidade de um trabalhador proletário. Ainda assim, não resta
dúvida que Zabriskie Point é um filme
explicitamente anticapitalista, de contestação ao establishment e à manutenção
do status quo da ordem ideológica, política e econômica instalada. Há, porém,
uma fragilidade nesta abordagem um tanto idealizada que manifesta uma
indulgência demasiada com os movimentos jovens, plenos de contestação, mas
vazios nas alternativas que sugerem como opção.
Realizado há mais 45 anos, com a ambição de
retratar um período peculiar da sociedade norte-americana, Zabriskie Point por vezes soa por demais datado e preso a um estilo
“hiponga”, típico daquele momento. Mas não há como negar, porém, que o olhar
europeu (estrangeiro) de Antonioni foi suficientemente bem sucedido para
transmitir o espírito da América naquele início de década. Ainda que não tenha
sido bem recebido no lançamento, ficando aquém das expectativas nas
bilheterias, o longa-metragem foi reavaliado ao longo do tempo e hoje pode ser
classificado como um dos melhores trabalhos de Michelangelo Antonioni.
Pelo menos duas sequências icônicas de Zabriskie Point passaram para a
história. A primeira delas é a sessão de amor coletivo em pleno deserto com
vários casais transando em meio às areias, um símbolo do sexo livre em conexão
com as forças da natureza. A outra sequência de destaque, ainda hoje
impactante, é a explosão final, metáfora do desejado fim do consumismo
capitalista. De beleza plástica excepcional, a sequência ganha ares de pintura pop art a lá Andy Warhol ou Jackson
Pollock. Com direito a uma hipnótica trilha sonora composta pelo Pink Floyd.
Na época do lançamento mundial Zabriskie Point foi censurado no Brasil pela explosiva mistura de
política, contestação, corpos nus e sexo livre.
Assista o trailer: Zabriskie
Point
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia”
do DVD Magazine em novembro de 2016)
Jorge Ghiorzi
sexta-feira, 23 de junho de 2017
segunda-feira, 19 de junho de 2017
“O Ano do Dragão”: violência em Chinatown
O recente (2016) falecimento de Michael Cimino,
além de lamentável em si, atraiu a atenção para a filmografia do realizador que
andava com prestígio em baixa na indústria. Ainda que tenha sido homenageado
pelo Festival de Veneza em 2012, a verdade é que Cimino rumava para uma forçada
aposentadoria por não conseguir desenvolver novos projetos pessoais. Agora, com
a filmografia definitivamente fechada, seus trabalhos voltam a ser reavaliados
e relançados, atestando o valor de uma obra que estava à espera de um novo
olhar.
Ao falar-se de Michael Cimino as primeiras
lembranças que vem à mente são justamente o seu ápice, o drama de guerra
vencedor do Oscar, O Franco Atirador
(1978), e o equivocadamente alegado maior fracasso (apenas comercial, a bem da
verdade), o portentoso western épico O
Portal do Paraíso (1980). As duas produções surgiram em sequência, fato que
apenas confirma a oscilação na carreira do realizador. Considerando este fato, é
perfeitamente compreensível a expectativa que rondava o filme seguinte, O Ano
do Dragão (Year of the Dragon, 1985), lançado após Cimino lamber por
cinco anos as feridas deixadas pela dolorosa experiência de O Portal do Paraíso.
Recontar, ainda que alegoricamente, a história da
formação da América, é uma ambição que perpassa alguns filmes do diretor. A
conquista de territórios, os primórdios do capitalismo e a integração dos
imigrantes europeus são pano de fundo em O
Portal do Paraíso. Os fantasmas do conflito do Vietnã que assombram a sociedade
norte-americana estão em O Franco
Atirador. O submundo e a corrupção das Máfias que construíram fortunas e
moldaram o poder dos EUA aparecem em O
Ano do Dragão, e também em O
Siciliano (1987), ainda que este transcorra na Itália.
Baseando em um livro de Robert Daley (que também
escreveu o livro que deu origem ao filme O
Príncipe de Cidade, de Sidney Lumet), O
Ano do Dragão tem roteiro do próprio Cimino em parceria com Oliver Stone. O
filme se passa na Chinatown de Nova Iorque, berço da máfia chinesa que opera
nos EUA comandando o tráfico de ópio, matéria prima da heroína. Para expandir
seus negócios os chineses entram em conflito com os italianos (carcamanos). A
disputa por territórios deflagra uma guerra, acaba com o equilíbrio de forças e
rompe o acordo de paz, coniventemente aceito pelas corruptas forças policiais
da região.
É neste cenário que entra em cena o capitão da
polícia Stanley White (Mickey Rourke) transferido do Brooklyn para Chinatown
com o encargo de cuidar da crescente violência no bairro. O policial avança o
sinal e vai fundo na missão. Não concordando com o faz de conta da polícia, que
prefere deixar tudo como está para ver como fica, White decide, contra o desejo
de seus superiores, fazer uma guerra pessoal assumindo o papel de justiceiro
incorruptível. Nesta obsessão o policial compra briga com o Sistema, destrói
seu casamento, acaba com suas poucas amizades e manipula a imprensa, através da
sedução de uma repórter de TV.
Impulsivo, arrogante e extremamente vaidoso, o
personagem Stanley White é de origem polonesa, o que o coloca também como um
imigrante na América, assim como os chineses e os italianos aos quais persegue
em sua saga punitiva. Há um forte componente de discriminação racial nas
atitudes do policial, um estigma, aliás, que sempre perseguiu o próprio diretor
Michael Cimino, particularmente após O
Franco Atirador, onde tratava os asiáticos de forma maniqueísta.
Os desempenhos em O Ano do Dragão são pontos fracos no resultado final. Mickey Rourke
está por demais caricato e constantemente beira ao overacting. John Lone não está particularmente bem com o líder da
máfia chinesa. Mas o desastre maior está no papel da repórter de TV Tracy Tzu,
fundamental para a narrativa. Ariene Koizumi, por vezes creditada apenas como
Ariane, atriz norte-americana de origem japonesa, não dá conta da complexidade
da personagem e coloca a perder todas as nuances da relação sadomasoquista que
desenvolve com Stanley White.
Tenso e explosivo como outros trabalhos do
realizador, em O Ano do Dragão
Michael Cimino não se furta e até se regozija com a exposição explícita de
sangue e as consequências das balas em corpos e crânios. Uma destas explosões
de violência é a sequência do tiroteio na casa noturna, que revela uma ótima
decupagem e montagem dinâmica. Sequência, aliás, que nos remete a outra, muito
semelhante, em Scarface, dirigido por
Brian De Palma três anos antes. Coincidência? Plágio “involuntário”? Quem sabe.
Mas vale lembrar que o mesmo Oliver Stone foi roteirista dos dois filmes.
Assista o trailer: O
Ano do Dragão
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD
Magazine em novembro de 2016)
quinta-feira, 15 de junho de 2017
terça-feira, 13 de junho de 2017
"Daqui a Cem Anos": um futuro possível
Todo filme de ficção científica que se preze
invariavelmente apresenta altas doses de ambição. Explorar as possibilidades
infinitas de um futuro possível é um arriscado, nem por isto menos estimulante,
exercício de pretensão. É justamente a imponderabilidade do tempo futuro que
estimula a imaginação dos escritores do gênero. Dentre eles o nome de H. G.
Wells se destaca. Não só pela qualidade da obra, mas pelo fato de ser um dos
autores mais adaptados pelo cinema. Livros, contos e novelas de Wells são fonte
de inspiração de filmes desde 1919, com uma primeira versão de The First Men in the Moon, até hoje,
incluindo uma anunciada nova adaptação de O
Homem Invisível, a ser lançada em 2018, com Johnny Depp no elenco.
Umas das primeiras obras de H. G. Wells utilizadas
no cinema foi Daqui a Cem Anos (Things to Come, 1936), longa-metragem dirigido
por William Cameron Menzies (Os Invasores
de Marte), um reconhecido Diretor de Arte que eventualmente se arriscava na
direção de filmes. Neste trabalho Menzies contou com uma colaboração de luxo. O
próprio Wells foi autor do roteiro, uma experiência única na sua carreira. O
filme foi baseado no livro “The Shape of Things to Come”, publicado em 1933,
que faz uma crônica da civilização humana até o ano de 2106.
Daqui
a Cem Anos, apesar do que diz o título
brasileiro, não conta a história de um século. Mas apenas 96 anos (!).
Explica-se: a narrativa inicia em 1940 e encerra em 2036. Aqui, já temos uma
peculiaridade. A história do filme tem seu ponto de partida apenas quatro anos
à frente da época em que foi realizado (1936). No mundo real, a Guerra Mundial
era uma possibilidade real naquele momento histórico, que, infelizmente, acabou
por se confirmar em 1939. Este mesmo clima de ameaça à paz dá o tom inicial do
filme, que se passa na fictícia “Everytown”, claramente inspirada em Londres. A
cidade vive a iminência do início da Guerra, que já havia eclodido na Europa, mas
tenta esquecer temporariamente os problemas para viver os dias de alegria que
antecedem o Natal de 1940. Nesta sociedade organizada e próspera, a crença nos
valores da família e a fé inabalável nas possibilidades da ciência garantem a
prosperidade. Esta é a visão de mundo do personagem central, John Cabal
(Raymond Massey). Segundo seu entendimento, somente uma guerra seria capaz de
romper aquele equilíbrio social. E ela vem, com todo seu poder de destruição e
desagregação familiar. Vidas sucumbem, esperanças morrem e a cidade de
“Everytown” se transforma em ruínas após duas décadas de conflito.
Corte. Somos jogados no futuro, no ano de 1966. A
guerra acabou. Mas as cidades e suas populações foram duramente castigadas. Os
recursos e a prosperidade são coisas do passado. A nova realidade impõe um
cenário de miséria, fome e destruição. Quase uma volta ao tempo das cavernas.
Uma das mais nefastas consequências da guerra foi a temível “Doença dos
Errantes” que leva as pessoas a ficarem vagando sem rumo (zumbis?). Os
contaminados eram abatidos a tiro, sem compaixão. A peste extermina metade da
população.
Mais um pulo no tempo. Estamos em 1970. A “peste”
foi erradicada. A civilização começa a dar sinais de estar saindo da época das
trevas. No entanto, naquela nova sociedade rural que começa a se formar, ainda
não há a noção de Estado e Governo. No vácuo de poder logo o instinto de
dominação dos homens se manifesta com o surgimento de um pequeno tirano local que
domina com mão de ferro a região de “Everytown”, transformada num pequeno reino
particular. Porém tudo muda com o retorno de John Cabal à cidade, após lutar no
front de batalha da guerra. Ele vem com ideias progressistas, ainda com a fé
inabalável nos poderes transformadores da ciência e da tecnologia. Dá-se então
o inevitável embate entre a barbárie (o tirano) e a civilização (o
progressista), e o mundo mergulha na nova ordem mundial que promete tempos de
prosperidade.
Uma última viagem no tempo. Vamos parar em 2036, no
admirável mundo novo, altamente tecnológico, onde todas as necessidades
materiais do homem estão supridas. Mas, nem tudo
é um mar de rosas. Em certo momento um dos personagens diz: “Progresso não é
viver. É a preparação para viver”. Não há mais desafios pessoais, a ciência
dá todas as respostas. A questão de fundo é: Será este o mundo que realmente
desejamos?
Daqui
a Cem Anos é uma típica alegoria
progressista que já foi tema de muitas histórias de H. G. Welles. Há, porém, um
componente adicional: o humanismo. Além do grande e ambicioso painel histórico
que a história retrata, não foram deixados de lado os pequenos dramas pessoais
que movem as grandes revoluções. A utopia das sociedades perfeitas e mundos
idealizados é tema de fundo das primeiras obras de ficção científica produzidas
nos anos iniciais do século 20. E Daqui a
Cem Anos é um inestimável exemplo do que de melhor já se fez no gênero.
Vale lembrar que ele surge apenas uma década após a obra-prima Metrópolis, de Fritz Lang, com a qual,
aliás, possui alguns pontos de contato pela abordagem do totalitarismo nas
sociedades altamente tecnológicas.
Em termos eminentemente artísticos o filme de William
Cameron Menzies é um espetáculo à parte por sua deslumbrante cenografia
(lembrando, o filme é de 1936, em preto-e-branco), elaborados sets e eficientes
trucagens de maquetes. Como exercício de especulação de possibilidades
científicas, Daqui a Cem Anos traz
muitos acertos em termos de imaginação de tecnologias que surgiriam no futuro.
O filme apresenta pioneiras TVs planas, telas de LED, tablet, celular de pulso,
projeção holográfica e uso regular de helicóptero como transporte civil (que
era apenas um projeto em desenvolvimento naquela época).
Daqui
a Cem Anos faz parte da coleção
“Clássicos Sci-Fi – Volume 3”, lançamento da Versátil Home Vídeo.
Assista o trailer: Daqui
a Cem Anos
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD
Magazine em outubro de 2016)
sexta-feira, 9 de junho de 2017
“A Múmia”: mal renascido
O cinema definitivamente não deixa as múmias em
paz. Figura recorrente na literatura fantástica, as múmias ressurgem nos filmes
com frequência, desde o clássico da Universal lançado em 1932, com Boris
Karloff, que estabeleceu as características finais do ícone do terror que faz
parte do nosso inconsciente coletivo. Uma leva recente com o tema aconteceu no
início dos anos 2000, com dois filmes estrelados pela “Múmia”, o primeiro deles
com Brendan Fraser e Rachel Weisz. Passados 17 anos, a mesma Universal decide
que era hora de ressuscitar o monstro para apavorar as novas gerações. Porém,
com a ajuda de um astro de primeira grandeza, Tom Cruise, para garantir as bilheterias.
Mas, algo deu muito errado. O retorno foi desastroso. Como uma maldição, a
produção sofreu as consequências malignas de invocar impunemente os mortos.
A Múmia
(The Mummy), primeira produção da Dark Universe, nova divisão da Universal
responsável pelos “filmes de monstro” que vem por aí, foi dirigido pelo
realizador novato Alex Kurtzman (este foi seu segundo longa), mais conhecido
pelos roteiros de sucessos como Missão
Impossível 3; Star Trek; Transformers e Cowboys & Aliens. Consta que ele está finalizando o roteiro do
remake de A Noiva de Frankenstein, a
ser lançado em 2019, com Javier Bardem no elenco.
Nesta releitura da Múmia, uma espécie de reboot, a
produção atualizou o mito e se adaptou aos gostos e expectativas das plateias mais
jovens, acostumadas aos filmes de ação e super-heróis. O filme é justamente
isto: uma tentativa de reciclar velhos ícones e apresentá-los como “novidade”.
A história de A
Múmia inicia séculos atrás, no Antigo Egito, quando a princesa Ahmanet
(Sofia Boutella) invoca o deus da morte, Set, para tomar o trono de seu pai.
Descoberta a trama, ela é mumificada, amaldiçoada e sepultada numa tumba na
Mesopotâmia (atual Iraque), a milhas de distância de sua terra natal, o Egito. Nos dias
atuais, no século XXI, a tumba é descoberta por acaso por uma dupla de soldados
das Forças Especiais do exército norte-americano, Nick Morton (Tom Cruise) e Chris Vail (Jake Johnson),
especializados em explorar tesouros e relíquias históricas. Na exploração da
tumba eles contam com a ajuda da pesquisadora Jenny Halsey (Annabelle Wallis).
Ao resgatarem o ataúde que contém a múmia de Ahmanet, o mal desperta e a
maldição milenar se cumpre.
A
Múmia parece sofrer de um defeito
de origem, sem conserto. A ambição do projeto foi fatal para sua plena
realização. O longa parece a todo o momento querer abraçar o mundo, incluindo o
conceito da convergência, que mistura influências, referências e reciclagem de
ideias alheias. Originalidade passou a léguas de distância. Bebendo na mesma
fonte de Indiana Jones, com alguns toques das aventuras do professor Robert
Langdon (da criação de Dan Brown, “O Código Da Vinci”), a aventura resulta
confusa e dispersiva. Dá-se inclusive ao luxo de desperdiçar a presença de um
astro do porte de Russell Crowe, completamente deslocado no papel de um
cientista / pesquisador chamado Dr. Henry Jekyll, que não disse a que veio.
Bem, ninguém se chama Jekyll impunemente, sem sugerir a existência de um certo
Sr. Hyde, referência direta da obra clássica de Robert Louis Stevenson.
Tom Cruise sendo mais Tom Cruise do que nunca, e correndo
em cena como sempre, não agrega elementos ao personagem que possam tirá-lo de
sua condição rasa de um mero tipo unidimensional, sem vida, sem nuances, sem
fragilidades. Mesmo um Indiana Jones, para ficarmos numa referência já citada,
se apresenta como um personagem crível, dotado de cinismo e zonas de sombra em
sua personalidade. Portanto, a desculpa de que se trata meramente de uma
aventura não justifica o desleixo da abordagem. Em A Múmia temos mais do mesmo, beirando ao esgotamento de uma fórmula
que já não tem mais nada a oferecer ao espectador. Por outro lado, a
companheira de Tom Cruise nas aventuras, Annabelle Wallis (do terror Annabelle e do recente Rei Arthur), traz algum sopro de
renovação que vislumbra uma perspectiva de futuro. Annabelle é uma atriz promissora,
à beira do estrelato.
Indeciso em sua proposta, A Múmia abandona o clima de terror, que insinuava em seus
movimentos iniciais, para se atirar no terreno fácil da aventura inconsequente.
Claramente a produção foi desenvolvida para sustentar mais uma franquia para
Tom Cruise, já “dono” das séries Missão
Impossível e Jack Reacher (e Top Gun que vem aí), mas os resultados
alcançados parecem ter sepultado o projeto para a eternidade sob toneladas de
areia do deserto. Mas, como todas as lendas ensinam, as múmias sempre
ressuscitam para assombrar.
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