sexta-feira, 9 de junho de 2017

“A Múmia”: mal renascido


O cinema definitivamente não deixa as múmias em paz. Figura recorrente na literatura fantástica, as múmias ressurgem nos filmes com frequência, desde o clássico da Universal lançado em 1932, com Boris Karloff, que estabeleceu as características finais do ícone do terror que faz parte do nosso inconsciente coletivo. Uma leva recente com o tema aconteceu no início dos anos 2000, com dois filmes estrelados pela “Múmia”, o primeiro deles com Brendan Fraser e Rachel Weisz. Passados 17 anos, a mesma Universal decide que era hora de ressuscitar o monstro para apavorar as novas gerações. Porém, com a ajuda de um astro de primeira grandeza, Tom Cruise, para garantir as bilheterias. Mas, algo deu muito errado. O retorno foi desastroso. Como uma maldição, a produção sofreu as consequências malignas de invocar impunemente os mortos.

A Múmia (The Mummy), primeira produção da Dark Universe, nova divisão da Universal responsável pelos “filmes de monstro” que vem por aí, foi dirigido pelo realizador novato Alex Kurtzman (este foi seu segundo longa), mais conhecido pelos roteiros de sucessos como Missão Impossível 3; Star Trek; Transformers e Cowboys & Aliens. Consta que ele está finalizando o roteiro do remake de A Noiva de Frankenstein, a ser lançado em 2019, com Javier Bardem no elenco.


Nesta releitura da Múmia, uma espécie de reboot, a produção atualizou o mito e se adaptou aos gostos e expectativas das plateias mais jovens, acostumadas aos filmes de ação e super-heróis. O filme é justamente isto: uma tentativa de reciclar velhos ícones e apresentá-los como “novidade”.

A história de A Múmia inicia séculos atrás, no Antigo Egito, quando a princesa Ahmanet (Sofia Boutella) invoca o deus da morte, Set, para tomar o trono de seu pai. Descoberta a trama, ela é mumificada, amaldiçoada e sepultada numa tumba na Mesopotâmia (atual Iraque), a milhas de distância de sua terra natal, o Egito. Nos dias atuais, no século XXI, a tumba é descoberta por acaso por uma dupla de soldados das Forças Especiais do exército norte-americano, Nick Morton (Tom Cruise) e Chris Vail (Jake Johnson), especializados em explorar tesouros e relíquias históricas. Na exploração da tumba eles contam com a ajuda da pesquisadora Jenny Halsey (Annabelle Wallis). Ao resgatarem o ataúde que contém a múmia de Ahmanet, o mal desperta e a maldição milenar se cumpre.


A Múmia parece sofrer de um defeito de origem, sem conserto. A ambição do projeto foi fatal para sua plena realização. O longa parece a todo o momento querer abraçar o mundo, incluindo o conceito da convergência, que mistura influências, referências e reciclagem de ideias alheias. Originalidade passou a léguas de distância. Bebendo na mesma fonte de Indiana Jones, com alguns toques das aventuras do professor Robert Langdon (da criação de Dan Brown, “O Código Da Vinci”), a aventura resulta confusa e dispersiva. Dá-se inclusive ao luxo de desperdiçar a presença de um astro do porte de Russell Crowe, completamente deslocado no papel de um cientista / pesquisador chamado Dr. Henry Jekyll, que não disse a que veio. Bem, ninguém se chama Jekyll impunemente, sem sugerir a existência de um certo Sr. Hyde, referência direta da obra clássica de Robert Louis Stevenson.

Tom Cruise sendo mais Tom Cruise do que nunca, e correndo em cena como sempre, não agrega elementos ao personagem que possam tirá-lo de sua condição rasa de um mero tipo unidimensional, sem vida, sem nuances, sem fragilidades. Mesmo um Indiana Jones, para ficarmos numa referência já citada, se apresenta como um personagem crível, dotado de cinismo e zonas de sombra em sua personalidade. Portanto, a desculpa de que se trata meramente de uma aventura não justifica o desleixo da abordagem. Em A Múmia temos mais do mesmo, beirando ao esgotamento de uma fórmula que já não tem mais nada a oferecer ao espectador. Por outro lado, a companheira de Tom Cruise nas aventuras, Annabelle Wallis (do terror Annabelle e do recente Rei Arthur), traz algum sopro de renovação que vislumbra uma perspectiva de futuro. Annabelle é uma atriz promissora, à beira do estrelato.


Indeciso em sua proposta, A Múmia abandona o clima de terror, que insinuava em seus movimentos iniciais, para se atirar no terreno fácil da aventura inconsequente. Claramente a produção foi desenvolvida para sustentar mais uma franquia para Tom Cruise, já “dono” das séries Missão Impossível e Jack Reacher (e Top Gun que vem aí), mas os resultados alcançados parecem ter sepultado o projeto para a eternidade sob toneladas de areia do deserto. Mas, como todas as lendas ensinam, as múmias sempre ressuscitam para assombrar.

Assista o trailer: A Múmia

Jorge Ghiorzi

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