O cinema definitivamente não deixa as múmias em
paz. Figura recorrente na literatura fantástica, as múmias ressurgem nos filmes
com frequência, desde o clássico da Universal lançado em 1932, com Boris
Karloff, que estabeleceu as características finais do ícone do terror que faz
parte do nosso inconsciente coletivo. Uma leva recente com o tema aconteceu no
início dos anos 2000, com dois filmes estrelados pela “Múmia”, o primeiro deles
com Brendan Fraser e Rachel Weisz. Passados 17 anos, a mesma Universal decide
que era hora de ressuscitar o monstro para apavorar as novas gerações. Porém,
com a ajuda de um astro de primeira grandeza, Tom Cruise, para garantir as bilheterias.
Mas, algo deu muito errado. O retorno foi desastroso. Como uma maldição, a
produção sofreu as consequências malignas de invocar impunemente os mortos.
A Múmia
(The Mummy), primeira produção da Dark Universe, nova divisão da Universal
responsável pelos “filmes de monstro” que vem por aí, foi dirigido pelo
realizador novato Alex Kurtzman (este foi seu segundo longa), mais conhecido
pelos roteiros de sucessos como Missão
Impossível 3; Star Trek; Transformers e Cowboys & Aliens. Consta que ele está finalizando o roteiro do
remake de A Noiva de Frankenstein, a
ser lançado em 2019, com Javier Bardem no elenco.
Nesta releitura da Múmia, uma espécie de reboot, a
produção atualizou o mito e se adaptou aos gostos e expectativas das plateias mais
jovens, acostumadas aos filmes de ação e super-heróis. O filme é justamente
isto: uma tentativa de reciclar velhos ícones e apresentá-los como “novidade”.
A história de A
Múmia inicia séculos atrás, no Antigo Egito, quando a princesa Ahmanet
(Sofia Boutella) invoca o deus da morte, Set, para tomar o trono de seu pai.
Descoberta a trama, ela é mumificada, amaldiçoada e sepultada numa tumba na
Mesopotâmia (atual Iraque), a milhas de distância de sua terra natal, o Egito. Nos dias
atuais, no século XXI, a tumba é descoberta por acaso por uma dupla de soldados
das Forças Especiais do exército norte-americano, Nick Morton (Tom Cruise) e Chris Vail (Jake Johnson),
especializados em explorar tesouros e relíquias históricas. Na exploração da
tumba eles contam com a ajuda da pesquisadora Jenny Halsey (Annabelle Wallis).
Ao resgatarem o ataúde que contém a múmia de Ahmanet, o mal desperta e a
maldição milenar se cumpre.
A
Múmia parece sofrer de um defeito
de origem, sem conserto. A ambição do projeto foi fatal para sua plena
realização. O longa parece a todo o momento querer abraçar o mundo, incluindo o
conceito da convergência, que mistura influências, referências e reciclagem de
ideias alheias. Originalidade passou a léguas de distância. Bebendo na mesma
fonte de Indiana Jones, com alguns toques das aventuras do professor Robert
Langdon (da criação de Dan Brown, “O Código Da Vinci”), a aventura resulta
confusa e dispersiva. Dá-se inclusive ao luxo de desperdiçar a presença de um
astro do porte de Russell Crowe, completamente deslocado no papel de um
cientista / pesquisador chamado Dr. Henry Jekyll, que não disse a que veio.
Bem, ninguém se chama Jekyll impunemente, sem sugerir a existência de um certo
Sr. Hyde, referência direta da obra clássica de Robert Louis Stevenson.
Tom Cruise sendo mais Tom Cruise do que nunca, e correndo
em cena como sempre, não agrega elementos ao personagem que possam tirá-lo de
sua condição rasa de um mero tipo unidimensional, sem vida, sem nuances, sem
fragilidades. Mesmo um Indiana Jones, para ficarmos numa referência já citada,
se apresenta como um personagem crível, dotado de cinismo e zonas de sombra em
sua personalidade. Portanto, a desculpa de que se trata meramente de uma
aventura não justifica o desleixo da abordagem. Em A Múmia temos mais do mesmo, beirando ao esgotamento de uma fórmula
que já não tem mais nada a oferecer ao espectador. Por outro lado, a
companheira de Tom Cruise nas aventuras, Annabelle Wallis (do terror Annabelle e do recente Rei Arthur), traz algum sopro de
renovação que vislumbra uma perspectiva de futuro. Annabelle é uma atriz promissora,
à beira do estrelato.
Indeciso em sua proposta, A Múmia abandona o clima de terror, que insinuava em seus
movimentos iniciais, para se atirar no terreno fácil da aventura inconsequente.
Claramente a produção foi desenvolvida para sustentar mais uma franquia para
Tom Cruise, já “dono” das séries Missão
Impossível e Jack Reacher (e Top Gun que vem aí), mas os resultados
alcançados parecem ter sepultado o projeto para a eternidade sob toneladas de
areia do deserto. Mas, como todas as lendas ensinam, as múmias sempre
ressuscitam para assombrar.
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