quinta-feira, 20 de julho de 2017
sábado, 15 de julho de 2017
“O Espírito da Colmeia”: quando a fantasia constrói o real
Era uma vez. Assim iniciam as fábulas, os contos de
fadas e as histórias infantis. A frase remete imediatamente a fatos ocorridos
no passado. Reais ou imaginados. Mas certamente fantasiosos. É neste registro
narrativo que transcorre O Espírito da Colmeia (El espiritu
de la colmena, 1973), de Victor Erice, o estimado cult do cinema espanhol dos anos 70. Alegórico e simbólico, o filme
se passa na Espanha no ano de 1940. Naquele momento a Europa estava conflagrada
pela Segunda Guerra Mundial, e o país, em particular, vivia as consequências do
fim da Guerra Civil espanhola, que durou três anos e instaurou o regime
fascista de Francisco Franco.
Assim como O Labirinto
do Fauno, o filme de Victor Erice também ecoa o terror do período do
general Franco. Menos explícito do que o filme de Guillermo Del Toro, O Espírito da Colmeia envereda por um
caminho mais imagético e trabalha essencialmente com a sugestão de repressão
daquele período político de supressão dos direitos civis.
A ação se passa num pequeno vilarejo no interior da
Espanha. O termo “ação” talvez não seja exatamente adequado no caso, pois a
vida pacata do povoado segue uma rotina de poucas novidades. Os únicos contatos
com o mundo exterior são o trem que chega diariamente à pequena estação local, e
o cinema ambulante que eventualmente visita a cidade e traz um pouco de
diversão lúdica para os moradores. As portas do imaginário coletivo são abertas
para a comunidade quando o clássico Frankenstein
(1931), de James Whale, é projetado no cineminha improvisado do povoado. Na
sessão a plateia é formada por adultos e menores de idade, sem distinção. O
filme impressiona de maneira especial duas pequenas crianças, Ana (Ana Torrent)
e sua irmã, poucos anos mais velha, Isabel (Isabel Telleria). A experiência
desperta dúvidas na pequena Ana. Ela questiona a irmã, querendo saber por que o
“monstro” de Frankenstein matou a garotinha (sequência do lago) e porque a
própria criatura foi morta depois pela população. Isabel responde que é tudo falso,
um truque do filme, que aquilo que assistiram não é verdadeiro. E conta, para
espanto da irmã, a história fantasiosa de um “espírito” de verdade que se
esconde num poço numa área distante da vila. A história estimula a imaginação
da pequena Ana, que passa a visitar o poço em busca do seu “Frankenstein”.
A narrativa muda de rumo quando um elemento do
mundo real invade o universo fantasioso criado na mente da garota. No caso, a
chegada de um soldado desertor que se esconde próximo ao poço. Para Ana, aquele
homem é a corporificação do espírito que povoa sua imaginação, o seu
“Frankenstein” construído por seu desejo. Passa então a cuidar do soldado,
levando alimentos e roupas em segredo, inclusive da própria família. Ana cuida
do seu monstro secreto como se fosse seu “Frankenstein” de estimação,
desenvolvendo com ele uma relação que mescla sentimentos de estranhamento,
fascínio e sedução. Por fim, a descoberta do pequeno segredo dos dois deflagra
o desfecho da narrativa.
A dedicação de Ana a seu amigo secreto expressa, de
certa forma, uma reação ao ambiente familiar pouco amoroso, onde seus pais
vivem uma relação fria e distante. O pai, Fernando (Fernando Fernán Gómez), é
um apicultor, que nas horas vagas escreve textos poéticos sobre a vida das
abelhas. A mãe, Teresa (Teresa Gimpera), é uma mulher um tanto melancólica que
escreve cartas para um desconhecido, que podemos supor que seja um amante ou
amor perdido do passado. Não há praticamente nenhuma interação entre Fernando e
Teresa. A volta deles o mundo das filhas pulsa de desejos, descobertas, medos e
fantasias. A casa da família representa metaforicamente uma colmeia de abelhas,
onde cada membro representa seu papel social submetido a uma hierarquia
estabelecida para uma vida sem surpresas nem sobressaltos. Não por acaso, os
vidros das portas e janelas da casa tem o formato hexagonal, semelhante aos
favos de mel.
O olhar inocente da criança protagonista reordena o
mundo percebido. A fantasia molda a dureza da realidade. A descoberta dos fatos
da vida, de modo especial a morte, revelam uma realidade transformadora. A
entrada em cena do soldado / “espírito”, e sua representação como figura
adulta, alheia ao mundo (re)conhecido, reconfigura a arquitetura mental da
pequena Ana. A colmeia está em desequilíbrio.
Há um clima de tensão e mistério no ar. A
narrativa, lenta e silenciosa, de poucos diálogos, explora primordialmente o
desconhecido, sob a ótica das crianças. Ao abrir mão de um realismo pleno, o
filme de Victor Erice entrega uma narrativa que assume o tom sobrenatural em
diversas passagens. Especialmente no final de forte caráter poético.
O “monstro”, ou espírito, é uma representação
simbólica da situação política vivida pela Espanha naquele período. A jornada
de descoberta da pequena Ana é uma metáfora para a sociedade sufocada no
enfrentamento aos desmandos da ditadura liderada por Franco. Então, Franquismo
é igual a Frankenstein. A sonoridade das palavras só auxilia na associação dos
significados.
Nos aspectos puramente técnicos e artísticos o
filme é um primor. Desde a doce e um tanto climática música de Luis de Pablo,
passando pelo roteiro enxuto do próprio Victor Erice, em parceria com Ángel
Férnandez Santos, até a bela fotografia de Luis Cuadrado, em tons âmbar, a cor
do mel, O Espírito da Colmeia é um
espetáculo que deleita o cinéfilo mais atento.
Assista o trailer: O Espírito da Colmeia
Jorge Ghiorzi
terça-feira, 11 de julho de 2017
quinta-feira, 6 de julho de 2017
“Homem-Aranha: De Volta ao Lar”: um novo recomeço
Uma boa notícia para os fãs. O Aranha não morreu,
apesar das recentes experiências desastrosas. Apenas mudou de casa e agora retorna
vivo, firme e forte. Para quem não está ligando os pontos desta teia, vale
lembrar. O personagem Homem-Aranha, nos quadrinhos, pertence à Marvel. Mas no
cinema o herói dava expediente na Sony, que detinha os direitos para a telona.
Nesta fase de exílio o Homem-Aranha protagonizou cinco filmes. Uma primeira
trilogia dirigida por Sam Raimi e estrelada por Tobey Maguire (2002, 2004 e 2007)
e outros dois filmes protagonizados por Andrew Garfield (2012 e 2014).
Era chegada a hora de retornar ao lar. A estreia nesta
nova fase ocorreu no ano passado com uma pequena participação do novo
Homem-Aranha em Capitão América: Guerra
Civil, onde, a convite do Homem de Ferro, integrou o grupo dos Vingadores.
Agora, finalmente ganha seu filme solo com a marca inconfundível da Marvel. Homem-Aranha:
De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming) é na verdade uma sequência direta
daquele filme do Capitão América. Porém, desta vez o foco é inteiramente
direcionado ao personagem alter-ego de Peter Parker. Se antes ele foi um mero
coadjuvante, nesta nova produção ele ganha vida própria e assume definitivamente
o protagonismo no universo Marvel como integrante confirmado dos Vingadores.
Ao mesmo tempo em que participa do maior grupo de
super-heróis do planeta, o jovem Peter Parker (Tom Holland) tem que se virar no
dia-a-dia com a rotina dos problemas típicos de um adolescente universitário: estudar,
fazer provas, ajudar com as tarefas domésticas e, quando possível, flertar com
a garota que balança seu coração. Não fosse tudo isso, ainda tenta provar para
Tony Stark (Robert Downey Jr.), o Homem de Ferro em pessoa, de que já está
pronto para a próxima missão, que não chega nunca. Nesta relação Stark assume por
vezes os ares da figura paterna que Peter Parker não tem.
Então, enquanto a missão não vem, ele próprio trata
de correr atrás de algo para mostrar o seu valor como super-herói. Típico
comportamento de rebeldia juvenil. Quando por acaso impede o roubo de um banco
com assaltantes que utilizam armamento com tecnologia de origem alienígena, o
Homem-Aranha entra na mira do novo vilão que está surgindo para levar o caos à
cidade, o Abutre (Michael Keaton). Neste embate o Aranha assume o novíssimo uniforme
super high-tech desenvolvido pelas indústrias do mega empresário Tony Stark.
Altamente tecnológico, o novo traje é quase uma armadura com muitas gadgets e incríveis novas funções da
tradicional teia, marca registrada do herói.
Homem-Aranha:
De Volta ao Lar foi dirigido
pelo novato, e pouco conhecido, Jon Watts que fez um ótimo trabalho neste reboot do personagem que estava à espera
de uma retomada, pois trata-se de um dos super-heróis de maior prestígio da
Marvel. A narrativa leve e descontraída flui sempre com competência, o que
torna o filme uma experiência agradável, praticamente sem momentos de baixo
interesse. As cenas de ação são eficientes, não pecando pelos excessos vistos
ultimamente nas produções do gênero. Apenas uma ressalta negativa para as
sequências noturnas que são de difícil visualização, o que dificulta sua plena
apreciação.
Recentemente filmes como Deadpool e Guardiões da
Galáxia apontaram um caminho que renova o interesse nas adaptações das HQs
para o cinema. Ambos abandonaram uma certa solenidade na abordagem e
acrescentaram generosas doses de humor. A proposta é reproduzir a experiência
desencanada de ler uma revista em quadrinhos, com diversão e relaxamento. Acertadamente
o novo Homem-Aranha bebe desta mesma fonte.
Objetiva e direta, a nova adaptação do herói aracnídeo não perde tempo com
questões de interesse relativo e parte direto para a ação. Pouco ficamos
sabendo das suas relações familiares. Nosso conhecimento se limita apenas ao
essencial: ele vive com a Tia May (Marisa Tomei) e basta. E nada de repassar a
origem dos poderes de Peter Parker. A história da picada da aranha radioativa é
citada rapidamente apenas num curto diálogo, e segue em frente.
A repaginação do Homem-Aranha nesta nova versão,
com a grife Marvel, foi bem sucedida e demonstra fôlego para muitos filmes.
Além do tom correto da aventura, claramente mirando um público mais jovem,
possivelmente o grande acerto da produção foi a escalação de Tom Holland para interpretar
o herói. Carismático, engraçado, bom ator e muito jovem (o que garante uma vida
longa na pele do herói) ele assume com talento o papel que recentemente foi do
insosso Andrew Garfield em filmes que não deixaram saudades. O novo
Homem-Aranha das telas saiu melhor que a encomenda, até porque a baixa
expectativa contribuiu para uma avaliação menos apaixonada e tendenciosa. É
fato: Homem-Aranha: De Volta ao Lar revitaliza,
com méritos, o prestígio de um herói que andava em baixa.
sábado, 1 de julho de 2017
terça-feira, 27 de junho de 2017
“Zabriskie Point”: jornada no deserto
36º 25’ N 116ª 48’ O. Estas são as coordenadas
geográficas que assinalam a localização do “Zabriskie Point” no globo
terrestre. Um lugarzinho perdido no mapa, no meio do Parque Nacional do Vale da
Morte, no deserto da Califórnia. O terreno árido é resultado de um lago que
secou há milhões de anos. Uma região onde a vida é um desafio constante da
natureza.
Este é o cenário que inspirou a única experiência
de Michelangelo Antonioni em terras norte-americanas. Zabriskie Point (1970)
foi realizado num período de grande evidência do diretor, quando o nome de
Antonioni se consolidava como um cineasta com livre trânsito internacional, além
da condição de apenas um realizador de cinema de arte europeu. Seu trabalho
anterior, primeiro em língua inglesa, foi Blow-Up
– Depois Daquele Beijo (1966), e o seguinte foi O Passageiro – Profissão: Repórter (1975).
Os emblemáticos tempos de passagem da década de 60
para os 70 estão na essência da narrativa de Zabriskie Point. Período de lutas pelos direitos civis, emancipação
dos negros, contracultura, guerra do Vietnã, movimento hippie, psicodelia e rock,
muito rock. O filme de Antonioni já inicia conflagrado, no olho do furacão. Na
sequência de abertura, em estilo documental, somos jogados no meio de uma
assembleia de universitários no campus discutindo sobre a iminente greve e as
ações do grupo no enfrentamento contra a repressão policial. Logo identificamos
entre os universitários o protagonista da história. O jovem Mark (Mark
Frechette) parece alheio e distante da veemência dos discursos revolucionários
de seus colegas. Ao se manifestar em público pela primeira e única vez na
reunião revela sua verdadeira natureza de independência. Declara em alto e bom
tom: “Estou disposto a morrer (pela causa). Mas não de tédio”. E sai da sala de
forma teatral e dramática, para espanto dos estudantes pela clara exibição de
individualismo.
Ao participar de um confronto da policia com um
grupo de grevistas, Mark é testemunha da morte de um policial de Los Angeles.
Por estar portando uma arma, Mark foge do local para não ser acusado de
homicídio. Sem destino, sem mapa, sem bússola e sem dinheiro no bolso, decide, num
impulso, roubar um pequeno avião e seguir sem rumo em direção ao deserto.
A outra protagonista da história é Daria (Daria
Halprin), secretária de um poderoso empresário (Rod Taylor) que planeja
construir um mega empreendimento residencial em pleno deserto de Mojave. Ao
fazer uma viagem de carro por este mesmo deserto, para encontrar-se com seu
chefe (e talvez amante, pode-se supor pelo contexto), Daria decide dar uma
parada numa cidadezinha no meio do caminho para visitar um amigo. Durante a viagem
Daria percebe no céu um pequeno aviãozinho que começa a dar voos rasantes sobre
seu carro. Nestas coordenadas do deserto as histórias dos dois personagens
errantes se cruzam e os destinos de ambos mudam de rota.
A escolha do deserto como cenário faz todo sentido
se considerarmos que Michelangelo Antonioni é um cineasta reconhecido pelo
pleno domínio da mise-en-scène nas
geografias dos espaços cênicos que representa em suas obras. Em Zabriskie Point o diretor expõe o
ambiente urbano da metrópole, com sua sufocante profusão de placas, painéis,
outdoors e publicidade, em contraste com a paisagem desolada e plácida do
deserto, espécie de paraíso (ainda) intocado pela civilização. Neste aspecto, o
ambiente representa a própria natureza interior dos personagens que promovem
uma fuga para, por fim, encontrar-se em si mesmo. Há sim algo de
existencialista nesta jornada de descoberta. Um sonho utópico perseguido que
não se completa. Fica apenas a desilusão.
Michelangelo Antonioni se posicionava como um
intelectual marxista, no entanto, contradizendo este discurso, seus filmes
invariavelmente tratavam de uma elite burguesa com seus problemas típicos,
longe da dura realidade de um trabalhador proletário. Ainda assim, não resta
dúvida que Zabriskie Point é um filme
explicitamente anticapitalista, de contestação ao establishment e à manutenção
do status quo da ordem ideológica, política e econômica instalada. Há, porém,
uma fragilidade nesta abordagem um tanto idealizada que manifesta uma
indulgência demasiada com os movimentos jovens, plenos de contestação, mas
vazios nas alternativas que sugerem como opção.
Realizado há mais 45 anos, com a ambição de
retratar um período peculiar da sociedade norte-americana, Zabriskie Point por vezes soa por demais datado e preso a um estilo
“hiponga”, típico daquele momento. Mas não há como negar, porém, que o olhar
europeu (estrangeiro) de Antonioni foi suficientemente bem sucedido para
transmitir o espírito da América naquele início de década. Ainda que não tenha
sido bem recebido no lançamento, ficando aquém das expectativas nas
bilheterias, o longa-metragem foi reavaliado ao longo do tempo e hoje pode ser
classificado como um dos melhores trabalhos de Michelangelo Antonioni.
Pelo menos duas sequências icônicas de Zabriskie Point passaram para a
história. A primeira delas é a sessão de amor coletivo em pleno deserto com
vários casais transando em meio às areias, um símbolo do sexo livre em conexão
com as forças da natureza. A outra sequência de destaque, ainda hoje
impactante, é a explosão final, metáfora do desejado fim do consumismo
capitalista. De beleza plástica excepcional, a sequência ganha ares de pintura pop art a lá Andy Warhol ou Jackson
Pollock. Com direito a uma hipnótica trilha sonora composta pelo Pink Floyd.
Na época do lançamento mundial Zabriskie Point foi censurado no Brasil pela explosiva mistura de
política, contestação, corpos nus e sexo livre.
Assista o trailer: Zabriskie
Point
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia”
do DVD Magazine em novembro de 2016)
Jorge Ghiorzi
sexta-feira, 23 de junho de 2017
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