domingo, 17 de setembro de 2017
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
“Feito na América”: herói bandido
Alguns dos episódios mais marcantes e icônicos da
geopolítica mundial dos anos 80 foram resgatados em Feito na América
(American Made) para contar a história real, pra lá de idealizada, do piloto
norte-americano Barry Seal que fez fortuna atuando ao mesmo tempo como
informante da CIA e traficante de drogas. Assim, assuntos como a Era Reagan, o
escândalo Irã-Contras e o cartel de Medelín, sem esquecer a Guerra Fria que se
expandia pela América Central, voltam a ser lembrados, porém, sob uma ótica um
tanto picaresca, mais adequada a um veículo de entretenimento como esta
produção estrelada por Tom Cruise.
Feito
na América marca o reencontro do
diretor Doug Liman com o astro Tom Cruise, depois da interessante ficção
científica No Limite do Amanhã de 2014.
Quem acompanha as séries Narcos e Conexão Escobar já deve ter ligado o
nome à pessoa. O piloto Barry Seal já apareceu como personagem secundário nas
duas produções. Agora, ele chega às telas na condição de protagonista de uma
produção hollywoodiana padrão.
Sinal dos tempos. Se há pouco mais de 30 anos Tom
Cruise conquistou os céus - e a fama - como o piloto de caça aéreo Maverick em Top Gun – Ases Indomáveis, desta vez volta
a pilotar aviões encarnando um cínico anti-herói. No final dos anos 70 Barry
Seal era piloto de voos comerciais da TWA. A vida era boa, tranquila, sem
sobressaltos. Mas faltava um tanto de emoção. A oportunidade de uma vida mais
estimulante surge quando recebe um convite para trabalhar secretamente a
serviço da CIA fazendo voos rasantes para fotografar supostas bases militares
em países da América Central, apoiados pela então União Soviética, inimigo
mortal do Tio Sam. Além de faturar um bom dinheiro extra, era diversão em
estado puro. Sem dizer que estaria trabalhando em prol da grande nação
norte-americana. Não que isto importasse realmente de fato, mas era uma boa
desculpa para aceitar uma atividade clandestina que estava às margens da
ilegalidade.
E este limite logo seria ultrapassado. Poderosos de
traficantes colombianos, dentre eles um iniciante chamado Pablo Escobar, identificam
naquele ousado piloto de aviões de pequeno porte uma oportunidade de ouro para transportar
drogas para os EUA sem despertar grandes suspeitas. Objetivo e pragmático como
sempre, Barry Seal aceita o desafio. Afinal, se estiver no inferno, abrace o
capeta. Assim inicia a ascensão, glória e desgraça de um agente duplo a serviço
de dois patrões.
Em sua versão cinematográfica o Barrry Seal
interpretado por Tom Cruise se mostra efetivamente como um inocente útil. A
motivação de ganho financeiro não parece estar na justificativa para suas
atitudes. O clásico self made man, que
está na raiz de uma nação capitalista como a norte-americana, não é o objeto de
análise de Feito na América. O que
sobressai é apenas o desejo – quase adolescente – do personagem em confrontar
as autoridades, ou mesmo o Sistema, se avançarmos no conceito. Não há razões
morais que problematizem a personalidade de Barry Seal, que, em última análise,
é um grande alienado político. Ao fim e ao cabo o que resta é apenas um grande
vazio. Um hiato de banalidades inconsequentes.
A usual câmera nervosa de Doug Liman se mostra
muito presente e seu efeito seduz a atenção do espectador dando a entender que
o que assistimos é mais e melhor do que de fato é: uma bolha de sabão, bela e
oca. Um detalhe de interesse brazuca: a fotografia é do brasileiro-paraguaio
César Charlone. Em sendo um veículo para a brilhatura individual de Tom Cruise,
duas coisas são certas: suas clássicas corridinhas e a onipresença do astro em 99%
das cenas.
Por tratar de uma história verídica Feito na América traz algum interesse
para quem deseja saber mínima e superficialmente o que foram aqueles anos 80 em
termos de política externa dos EUA. Mas não jogue todas as suas fichas nesta
versão da história. Apenas divirta-se com ela.
terça-feira, 12 de setembro de 2017
“Amityville – O Despertar”: terror barato
Acredite se quiser. A saga da casa assombrada “Amityville”
chega ao seu 10º (!) capítulo. Iniciada em 1979, com Horror em Amityville, a série de filmes é desigual e na verdade
nunca despertou grande interesse. Isto explica porque apenas cinco produções
foram exibidas nos cinemas, as demais ou foram direcionadas para a TV ou distribuídas
diretamente para o mercado de home vídeo.
O grande apelo do filme original foi o fato de ter sido baseado na história
verídica do massacre de uma família, supostamente motivado por forças malignas que
habitariam uma casa em Amityville (EUA).
Passados quase 40 anos, os espíritos demoníacos
seguem assombrando o casarão. E o cinema também. Afinal, sempre há novos incautos
dispostos a levar velhos sustos. Só isto explica a existência deste Amityville
– O Despertar (Amityville: The Awakening), uma produção absolutamente desnecessária que
nada acrescenta à mitologia da franquia, a não ser alguns dólares a mais nos
bolsos dos produtores.
O endereço é o mesmo: Ocean Avenue, 112 – Long Island.
Apesar de um passado assustador, a casa responsável por uma série de mortes violentas
continua de pé, a espera de novos moradores. E eles chegam: uma família formada
por uma mãe, Joan (Jennifer Jason Leigh), e seus três filhos, a adolescente
Belle (Bella Thorne), a pequena Juliet (McKenna Grace), e o também adolescente
James (Cameron Monaghan), que vive em coma vegetativo após um acidente, preso a
uma cama numa pequena UTI doméstica montada no quarto.
Logo a casa começa a manifestar seus poderes, que
afetam inicialmente James que gradualmente revela pequenos sinais de que
poderia estar despertando do coma. Paralelamente, Belle descobre o verdadeiro
passado da casa (que a família ignorava!), e liga os pontos da situação: os
poderes malignos do local estão se apossando de seu irmão.
Amityville
– O Despertar, a exemplo de
muitas outras franquias e séries de longa duração, faz uso daquele truquezinho
esperto que visa conquistar a atenção e a empatia das novas plateias: os
protagonistas são sempre adolescentes. Os adultos são meros coadjuvantes que
apenas cumprem uma função dramática secundária. Nem sempre funciona, é verdade.
E aqui estamos diante de um caso destes. Os personagens são por demais rasos e
o elenco pouco ajuda a superar este problema.
Isto para não falarmos de um roteiro que não se
decide por qual caminho seguir. Por vezes abre algumas possibilidades
interessantes de abordagem, mas desperdiça todas elas. A mais flagrante é o
equívoco em não seguir no caminho de um exercício de meta-linguagem, semelhante
ao adotado em Pânico, onde os
personagens eram inseridos num universo fictício autorreferente, com plena
consciência de estarem em um filme de terror. Em dado momento os protagonistas
adolescentes de Amityville – O Despertar
se referem ao passado da casa como um fato real que gerou um filme, o citado Horror em Amityville de 1979, que
inclusive assistem em DVD numa sessão coletiva em casa. Seria sem dúvida um
caminho muito estimulante a seguir, mas o filme dirigido por Franck Khalfoun
(de P2 – Sem Saída e Maníaco) não embarca nesta viagem. Opta
em seguir a trilha preguiçosa de tentar pregar sustos gratuitos e forçados na
plateia a cada dez minutos.
Desconexo em sua lógica e desleixado em suas
soluções fáceis (absolutamente inconvincentes) O Despertar não consegue sequer a façanha mínima de se apresentar
como um filme de terror digno de nota. É um equívoco que decepciona do primeiro
ao último minuto. Que os espíritos do mal que habitam aquela casa mal
assombrada sejam deixados em paz, de uma vez por todas. Fica a dica.
terça-feira, 5 de setembro de 2017
“Os Amores de Maria”: desejo e paixão
Em 1946 o cineasta John Huston dirigiu um
documentário de encomenda para o Exército norte-americano. A proposta era
retratar a recuperação dos soldados que voltaram da Segunda Guerra Mundial com
problemas psíquicos, internados num hospital militar. O filme, com pouco menos
de uma hora de duração, chamado Let there
be light (disponível no You Tube), ficou proibido para exibições públicas
até 1980. A alegada razão para a interdição eram as fortes emoções provocadas
pelo impacto das imagens e os tocantes depoimentos dos soldados abalados pela
guerra.
Cerca de quatro anos após a liberação, cenas deste
documentário foram utilizadas na sequência de abertura de Os Amores de Maria
(Maria’s lovers, 1984), dirigido nos EUA pelo russo Andrei Konchalovsky. Faz
todo sentido. Os dois filmes tratam do mesmo tema de fundo: os efeitos da
guerra na sanidade mental dos soldados. Um sob a forma de documentário, outro
com um tratamento de ficção. As imagens em preto e branco mostram sessões de
terapia com os soldados relatando seus problemas para psicólogos militares. Um
a um os depoimentos vão se sucedendo, até que acontece uma passagem de cenas
reais do documentário para cenas encenadas (ainda descoloridas) por John Savage,
interpretando um soldado em recuperação. Assim somos apresentados ao personagem
Ivan Bibic, protagonista da história de Os
Amores de Maria.
Após sobreviver um período detido por japoneses num
campo de prisioneiros, na Segunda Guerra Mundial, Ivan Bibic retorna para a
casa do pai (Robert Mitchum), numa comunidade de imigrantes iugoslavos nos
subúrbios de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA). Durante o tempo em que ficou
preso o soldado jurou amor à sua paixão de infância, a bela e virgem Maria
Bosic (Nastassja Kinski). Na volta, eles reatam a relação interrompida e acabam
casando, contra a vontade do pai, que julga Maria uma mulher inadequada para o
filho. Além do que, ele também demonstra uma paixão recolhida pela jovem, que é
filha de uma antiga amante do passado. Logo após o casamento, a fragilidade de
Ivan se manifesta na impotência psicológica. Bloqueado, ele não consegue fazer
amor com sua esposa, apenas com outras mulheres. Maria permanece virgem, e o
casamento se desmancha no ar. Até que surge na cidade um músico/cantor
andarilho, Clarence Butts (Keith Carradine), que seduz Maria e precipita o
desfecho da história.
Por caminhos um tanto tortuosos, se estabelece, em
algum nível, o clássico triângulo amoroso, mas com nuances mais profundas e
simbólicas. Maria inspira paixões em todos os homens que a conhecem, o que nos permite
uma livre interpretação para uma analogia religiosa. A virgem Maria é objeto de
paixão (idolatria?) do Pai (pai de Ivan), do Filho (o próprio Ivan) e do
Espírito Santo (Clarence Butts). A via-crúcis de Ivan, em busca da redenção, é
a sustentação da narrativa em Os Amores
de Maria.
O retorno de Ivan para casa mostra um descolamento
da realidade em sua mente, uma sensação de não-pertencimento daquela comunidade
que fez parte da sua história de vida. No período de prisão a idolatria à amada
o manteve vivo. Orientou seu retorno. Mas não foi suficiente para a felicidade.
O amor pensado não suportou a realidade do amor vivido. A fantasia da paixão
não encontrou ressonância nos fatos. O romantismo perdeu para a vida real.
O desejo sexual movimenta os personagens protagonistas
do filme de Andrei Konchalovsky. Com resultados distintos para cada um deles,
evidentemente. Enquanto a virgem e ingenuamente sedutora Maria é uma explosão
de hormônios em ebulição, o pobre Ivan sucumbe pela impossibilidade de dar
vazão plena aos desejos carnais pela esposa. Há inclusive, uma sequência exemplar
que explora belamente esta relação que, além de não se concretizar, os afasta
definitivamente. No mesmo enquadramento vemos Ivan e Maria, separados por uma
parede. Ivan está no quarto, sentado em um pequeno triciclo infantil em frente
a um espelho. O retrato perfeito de uma personalidade imatura. Ivan é uma
criança, frágil e indefesa. Maria, por sua vez, está no banheiro, vestindo uma
sexy lingerie preta. A imagem de uma mulher sedutora, poderosa e altiva. Há
mais do que uma parede separando os universos de Ivan e Maria.
O diretor Konchalovsky demonstra um tratamento
carinhoso e compreensivo ao casal. Não há vilões. Apenas vítimas. Ele não
julga, apenas testemunha uma relação tormentosa e conflitada, sem optar por nenhum
dos lados. Isto equilibra a condução da história e proporciona ao expectador a
possibilidade de compartilhar as ações e reações de Ivan e Maria sem
comprometer o engajamento a nenhum dos lados. Aqui o realizador demonstra uma
sensibilidade que, no entanto, foi totalmente desnecessária em seu filme
seguinte, Expresso para o Inferno
(1986), um drama de ação com Jon Voight vivendo um prisioneiro em fuga que se
esconde num trem desgovernado sem controle. Sem falar em Tango e Cash – Os Vingadores (1989), com Sylvester Stallone e Kurt
Russell.
Os
Amores de Maria não se
caracteriza exatamente como um filme romântico. É por demais melancólico, lento
e pesado para quem busca este tipo de experiência. No entanto, possui elementos
típicos do gênero: uma história de amor (ainda que não convencional); um casal
de jovens atores com apelo midiático (particularmente Nastassja Kinski, no auge
da beleza); música marcante (a bela “Maria’s eyes”, composta e interpretada por
Keith Carradine) e fotografia exuberante (de Juan Ruiz Anchía).
Uma curiosidade. Quando lançado no Brasil, o filme recebeu
inicialmente o título de Os Amantes de
Maria. Anos depois, em seu lançamento em home video, o título foi alterado
para Os Amores de Maria, que adotamos
nesta resenha.
Assista o trailer: Os Amores de Maria
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2016)
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