Paris é uma festa. Mas acrescente a este cenário lúdico
uma estrela de cinema que esbanja elegância a cada movimento de seu corpo
esguio. Inclua um requintado ator inglês exalando simpatia a cada frase
pronunciada. Envolva tudo com uma história de conquista amorosa. E, toque
final, acrescente uma pitada de suspense, e doses generosas de bom humor. Voilà! Estamos diante de uma clássica
comédia romântica, que neste caso chama-se Como Roubar Um Milhão de Dólares
(How to steal a million, 1966). Por fim, um conselho: consuma sem moderação.
Deixe-se levar por este “guilty pleasure”, sem remorso.
Estrelado pela dupla Audrey Hepburn e Peter O’Toole,
muito confortáveis em seus papéis, este típico produto da fase final da velha
Hollywood foi dirigido com hábil leveza por William Wyler (Ben-Hur; Os Melhores Anos de
Nossas Vidas; Da Terra Nascem os
Homens) um dos mais versáteis e confiáveis artesãos da época que eles trabalham
a soldo dos grandes Estúdios. Ao realizar Como
Roubar Um Milhão de Dólares, o cineasta estava já no apagar das luzes de
sua vasta e portentosa filmografia, iniciada praticamente com a adoção do
cinema falado (seu primeiro filme foi realizado em 1928) e que se prolongaria
ainda por mais dois trabalhos, lançados em 1968 e 1970.
Esta comédia romântica se insere também no
subgênero dos filmes de grandes roubos, do qual Rififi e Topkapi (ambos
de Jules Dassin) e O Grande Golpe (de
Stanley Kubrick) são exemplos muito lembrados. Inclusive, durante a produção,
William Wyler chegou a se aconselhar com Kubrick, em busca de inspiração para a
abordagem que deveria adotar. Porém, num decisão que se mostrou acertadíssima,
Wyler mudou o rumo da história e assumiu o tom de farsa, flertando abertamente
com a pura comédia.
O universo da narrativa se circunscreve ao mundo
das artes plásticas, onde pinturas e esculturas são supervalorizadas e
disputadas em leilões por milionários em busca de um verniz cultural. É neste
circuito da elite endinheirada e perdulária que circula Charles Bonnet (Hugh
Griffith), um espertalhão habilidoso, especializado em falsificar obras de
grandes artistas. Nas altas rodas ele é conhecido como um grande colecionador
de artes. Eventualmente, quando precisa de dinheiro, ele coloca uma obra de
arte “falsa” em leilão. Sem nenhum receio, afinal, quem compra é um milionário
qualquer, que não está nem um pouco preocupado com autenticidade. O que vale é
o status de contar com a obra de arte na sua parede.
A sorte do falsário muda quando o governo francês
solicita o empréstimo de uma famosa escultura do acervo de Bonnet (obviamente
falsificada) para expor no museu em Paris. Para efeitos da apólice de seguro da
obra, o museu necessita fazer uma perícia técnica (mera formalidade) para
comprovar sua autenticidade. Prestes a ser desmascarado e acusado de
falsificador, entra em cena a filha de Bonnet, Nicole (Audrey Hepburn),
disposta a tudo para salvar a reputação do pai. A única saída é arquitetar um
plano para roubar a própria escultura exposta no museu (avaliada em um milhão
de dólares). Para esta tarefa Nicole conta com a ajuda do misterioso e
sofisticado ladrão Simon Dermott (Peter O’Toole). E, por tratar-se de uma
comédia romântica, sabemos todos, de antemão, que Simon haverá também de
“roubar” o coração de Nicole.
Com uma trama bem construída e igualmente bem
solucionada, Como Roubar Um Milhão de
Dólares propõe um pequeno jogo de aparências com o espectador, contrapondo
a questão básica do original x falso ao perfil das personagens. Eles são
exatamente o que sugerem de fato serem? Seus atos são honestos, sinceros? Ou
são dissimulados e manipuladores? “Farsa”, esta é uma boa palavra para definir
está ótima comédia que anda meio esquecida, mas merece uma revisão.
Em tempos politicamente corretos que vivemos,
parece uma ousadia torcermos pelo ladrão em detrimento da lei. Mas o gênero da
comédia permite tal tipo de transgressão. Além disso, como não ser seduzido
pelo irresistível charme dos contraventores Simon e Nicole. Sem falar na fina
ironia dos espirituosos diálogos, cheios de duplo sentido e segundas intenções,
do casal em constante e ostensivo flerte.
Como
Roubar Um Milhão de Dólares é um filme
que inspira certa nostalgia de um tempo de inocência que não volta mais. Um
prova indelével da marca da passagem do tempo (lá se vão 50 anos do lançamento)
é a então quantia “astronômica” de 1 milhão de dólares, que hoje, convenhamos,
é coisa de ladrão de segunda linha.
Assista o trailer: Como Roubar Um Milhão de Dólares
(Texto originalmente publicado na
coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2016)