O artifício do pesadelo, amplamente utilizado nas
histórias de terror, seja na literatura, seja no cinema, é extremamente
eficiente por seu efeito perturbador nos personagens – e no público também.
Efeito este que é potencializado quando o pesadelo é recorrente, enredando os
protagonistas numa teia de acontecimentos que parece não ter fim, apenas um
eterno recomeço. Este é o truque utilizado no thriller de terror A
Morte Te Dá Parabéns (Happy Death Day), uma produção com a grife da
Blumhouse Productions, que há uma década atua no gênero, responsável por
títulos de sucesso como Atividade
Paranormal, A Entidade, Corra! e Fragmentado.
O alarme de um celular soa com uma musiquinha
lembrando que é aniversário de Tree Gelbman (Jessica Rothe, uma revelação). Ela
desperta num susto. No primeiro momento não entende o que se passa. Logo percebe
que está no quarto de um rapaz, num dormitório universitário. Se dá conta que a
noitada anterior foi forte. Arruma-se rapidamente e sai do quarto. Mais tarde,
naquele dia, é surpreendida com uma festa surpresa de aniversário, organizada
por colegas do campus. Inesperadamente é atacada por um estranho e morre
assassinada. Corta. Na sequência, o alarme de um celular soa com uma musiquinha
lembrando que é aniversário de Tree Gelbman. Ela desperta num susto. E um novo
ciclo dos mesmos acontecimentos se sucede. E de novo. E de novo. Sempre com
algumas alterações e acréscimos de informações, mas o mesmo desfecho já
conhecido.
Os mais atentos podem lembrar de outros filmes onde
os personagens ficam presos numa situação que se repete indefinidamente até sua
resolução libertadora. Recentemente este recurso narrativo foi utilizado na ficção
científica No Limite do Amanhã, com
Tom Cruise, e também na comédia de 1993 Feitiço
do Tempo, estrelada por Bill Murray, que é assumidamente a maior referência
de A Morte Te Dá Parabéns, incluindo até
uma citação explícita no final.
Outra inspiração do thriller são os filmes da série
Pânico, com suas brincadeiras de autoconsciência
de filme de terror e a presença de um icônico assassino mascarado. E claro, sem
esquecer ainda da extensa tradição dos filmes slasher com os quais se alinha (com pouco sangue, é verdade), com
direito inclusive à clássica figura da final
girl. Dessa salada toda resulta um filme acima de tudo divertido que brinca
o tempo todo com as expectativas dos clichês, confirmando alguns, ao mesmo tempo
em que busca soluções criativas para outras tantas armadilhas que as regras do
gênero impõem.
A repetição interminável de fatos/situações já
conhecidos, sempre incômoda e angustiante num primeiro momento, costuma, ao
longo das experiências revividas, provocar um efeito colateral benéfico: o
aprendizado. Uma lição repetida para um mau aluno que precisa superar-se. Este
é o dilema que aprisiona a personagem Tree, que a cada novo ciclo encara a
situação recorrente com um novo espírito. Inicia com aflição e incredulidade,
passa pela aceitação, a diversão e o tédio, até assumir de vez entendimento
pleno do que ocorre e o que deve ser feito para escapar daquela situação.
Assim como a imensa maioria dos filmes de terror adolescente, não busque
obsessivamente por explicações coerentes, razões consistentes e justificativas plausíveis
para fatos e ações dos personagens. Nem fique catando furos no roteiro. Eles
estão todos lá. Não perca tempo com isto. Assuma o pesadelo da protagonista,
compartilhe sua tragédia pessoal, mas não deixe de se divertir, confortavelmente
seguro na poltrona do cinema. Afinal, somos todos voyeur, e um déjà vu de
vez em quando não faz mal a ninguém.
Jorge Ghiorzi
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