quarta-feira, 18 de outubro de 2017

“Como Roubar Um Milhão de Dólares”: irresistível sedução


Paris é uma festa. Mas acrescente a este cenário lúdico uma estrela de cinema que esbanja elegância a cada movimento de seu corpo esguio. Inclua um requintado ator inglês exalando simpatia a cada frase pronunciada. Envolva tudo com uma história de conquista amorosa. E, toque final, acrescente uma pitada de suspense, e doses generosas de bom humor. Voilà! Estamos diante de uma clássica comédia romântica, que neste caso chama-se Como Roubar Um Milhão de Dólares (How to steal a million, 1966). Por fim, um conselho: consuma sem moderação. Deixe-se levar por este “guilty pleasure”, sem remorso.

Estrelado pela dupla Audrey Hepburn e Peter O’Toole, muito confortáveis em seus papéis, este típico produto da fase final da velha Hollywood foi dirigido com hábil leveza por William Wyler (Ben-Hur; Os Melhores Anos de Nossas Vidas; Da Terra Nascem os Homens) um dos mais versáteis e confiáveis artesãos da época que eles trabalham a soldo dos grandes Estúdios. Ao realizar Como Roubar Um Milhão de Dólares, o cineasta estava já no apagar das luzes de sua vasta e portentosa filmografia, iniciada praticamente com a adoção do cinema falado (seu primeiro filme foi realizado em 1928) e que se prolongaria ainda por mais dois trabalhos, lançados em 1968 e 1970.


Esta comédia romântica se insere também no subgênero dos filmes de grandes roubos, do qual Rififi e Topkapi (ambos de Jules Dassin) e O Grande Golpe (de Stanley Kubrick) são exemplos muito lembrados. Inclusive, durante a produção, William Wyler chegou a se aconselhar com Kubrick, em busca de inspiração para a abordagem que deveria adotar. Porém, num decisão que se mostrou acertadíssima, Wyler mudou o rumo da história e assumiu o tom de farsa, flertando abertamente com a pura comédia.

O universo da narrativa se circunscreve ao mundo das artes plásticas, onde pinturas e esculturas são supervalorizadas e disputadas em leilões por milionários em busca de um verniz cultural. É neste circuito da elite endinheirada e perdulária que circula Charles Bonnet (Hugh Griffith), um espertalhão habilidoso, especializado em falsificar obras de grandes artistas. Nas altas rodas ele é conhecido como um grande colecionador de artes. Eventualmente, quando precisa de dinheiro, ele coloca uma obra de arte “falsa” em leilão. Sem nenhum receio, afinal, quem compra é um milionário qualquer, que não está nem um pouco preocupado com autenticidade. O que vale é o status de contar com a obra de arte na sua parede.


A sorte do falsário muda quando o governo francês solicita o empréstimo de uma famosa escultura do acervo de Bonnet (obviamente falsificada) para expor no museu em Paris. Para efeitos da apólice de seguro da obra, o museu necessita fazer uma perícia técnica (mera formalidade) para comprovar sua autenticidade. Prestes a ser desmascarado e acusado de falsificador, entra em cena a filha de Bonnet, Nicole (Audrey Hepburn), disposta a tudo para salvar a reputação do pai. A única saída é arquitetar um plano para roubar a própria escultura exposta no museu (avaliada em um milhão de dólares). Para esta tarefa Nicole conta com a ajuda do misterioso e sofisticado ladrão Simon Dermott (Peter O’Toole). E, por tratar-se de uma comédia romântica, sabemos todos, de antemão, que Simon haverá também de “roubar” o coração de Nicole.

Com uma trama bem construída e igualmente bem solucionada, Como Roubar Um Milhão de Dólares propõe um pequeno jogo de aparências com o espectador, contrapondo a questão básica do original x falso ao perfil das personagens. Eles são exatamente o que sugerem de fato serem? Seus atos são honestos, sinceros? Ou são dissimulados e manipuladores? “Farsa”, esta é uma boa palavra para definir está ótima comédia que anda meio esquecida, mas merece uma revisão.


Em tempos politicamente corretos que vivemos, parece uma ousadia torcermos pelo ladrão em detrimento da lei. Mas o gênero da comédia permite tal tipo de transgressão. Além disso, como não ser seduzido pelo irresistível charme dos contraventores Simon e Nicole. Sem falar na fina ironia dos espirituosos diálogos, cheios de duplo sentido e segundas intenções, do casal em constante e ostensivo flerte.

Como Roubar Um Milhão de Dólares é um filme que inspira certa nostalgia de um tempo de inocência que não volta mais. Um prova indelével da marca da passagem do tempo (lá se vão 50 anos do lançamento) é a então quantia “astronômica” de 1 milhão de dólares, que hoje, convenhamos, é coisa de ladrão de segunda linha.


(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2016)

Jorge Ghiorzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário