O clichê consagrado é chamá-lo de camaleão. Faz sentido. Sua
capacidade de se transmutar foi única no meio artístico. Mais do que
diversificada e múltipla, sua trajetória foi consistente por vencer o desafio
do tempo. Não foi uma explosão passageira, com prazo de validade.
O cantor, compositor, produtor musical e também ator
inglês David Robert Jones, que o mundo conhece como David Bowie construiu uma
carreira de mais de quatro décadas, encerrada no início de janeiro de 2016,
dois dias após completar 69 anos de idade. Não sem antes nos deixar sua última
obra “Blackstar”, recentemente lançada. Mas aqui não vamos tratar do Bowie
músico. Vamos relembrar um pouco da trajetória do Bowie ator.
A figura estética de David Bowie sempre atraiu a atenção.
Ícone fashion, andrógino, artista performático, mestre da arte de seduzir
plateias, ele não fazia apenas música. Entregava um pacote completo: som,
imagens, luzes e imaginação. Era quase inevitável, senão desejável, que Bowie
se aproximasse do cinema, ou vice-versa.
O que pouca gente sabe é que antes de ser músico Bowie foi
ator. Estudou teatro e participou de peças e filmes de TV na Inglaterra. Então,
em 1969 tudo muda com o estouro de “Space Oddity”, e o ator iniciante dá lugar
ao rockstar em ascensão. A reaproximação com o cinema só ocorreu em 1976 com o
filme O Homem que Caiu na Terra, dirigido por Nicolas Roeg.
Apropriadamente David Bowie interpretou um alienígena que vem à Terra em busca
de salvação para seu planeta. A figura andrógina e misteriosa que o artista
encarnava nos palcos naquele período foi muito bem aproveitada pelo filme que
se mostrou um excelente veículo para potencializar a imagem que por muitos anos
ficou associada ao artista.
No início dos anos 80 David Bowie atinge o ápice de sua
carreira como artista pop. Com o lançamento do disco “Let’s Dance”, recheado de
hits, Bowie vendeu como nunca e rivalizava nas paradas de sucesso com Michael
Jackson. Muito requisitado pela mídia, e também pelo cinema, Bowie participou
de diversos filmes neste intenso período. Em 1983 estrelou Furyo,
Em Nome da Honra, dirigido por Nagisa Oshima (de Império
dos Sentidos). Sua interpretação de um prisioneiro inglês preso num
campo de concentração na ilha de Java, em plena Segunda Guerra Mundial, foi
amplamente elogiada pela crítica, e Bowie definitivamente atingia o status de
ator. Na sequência Bowie viveu, ao lado de Catherine Deneuve, um vampiro
moderno em crise no clássico Cult Fome de Viver, de Tony Scott.
Cineasta em alta na metade dos anos 80, John Landis chama
Bowie para uma participação na comédia de ação Um Romance Muito Perigoso
(1985), estrelada por Jeff Goldblum e Michelle Pfeiffer.
O tipo exótico que Bowie sempre inspirou, foi mais uma vez
muito bem utilizado na produção de 1986, Labirinto – A Magia do Tempo. Ao lado de uma jovem e
bela Jennifer Connelly, David Bowie faz um convincente e maligno Rei dos
Duendes nesta fantasia infanto-juvenil dirigida por Jim Henson.
Ainda em 1986 David Bowie participa do musical Absolute
Beginners, de Julien Temple, que revive em tom nostálgico e
dinâmico os anos 50 quando o rock domina o mundo e vira a cabeça da juventude.
A trilha sonora, recheada de sucessos, inclui o próprio David Bowie.
Grande sonho de Martin Scorsese, o polêmico A
Última Tentação de Cristo foi lançado sob protestos da comunidade
religiosa em 1988. Para o papel de Pôncio Pilatos o diretor Scorsese escalou
David Bowie, que aceitou o papel, abrindo mão de interpretar um vilão na série
007.
Nos anos 90 Bowie se limitou a fazer participações em
filmes de pouca repercussão como Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer; Romance
por Interesse e Basquiat – Traços de uma Vida, entre outros menores.
Na primeira década dos anos 2000 Davis Bowie ainda
permanecia ativo no cinema. Estrelou o drama familiar Mr.
Rice’s Secret (2000); deu um charme extra à comédia Zoolander
(2001), de Ben Stiller; interpretou o cientista e inventor Nikola Tesla em O
Grande Truque (2006), dirigido por Christopher Nolan; colocou a voz
em um personagem da animação Arthur e os Minimoys (2006), de Luc Besson; dublou um
personagem do desenho animado Bob Esponja (2007, na TV); participou do drama Reação
Colateral (2008) e, por fim, sua última participação creditada no
cinema como ator em ficção, foi em High School Band (2009) interpretando… David Bowie!
2016. Ano em que o homem que caiu na Terra partiu, nos
deixando o legado de sua arte na música e no cinema.
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em janeiro de
2016)
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