Não é nenhuma novidade a vocação
de Hollywood para “importar” cineastas de outras nacionalidades. Além de
revitalizar o ambiente criativo doméstico, a estratégia também serve para dar
uma face mais internacional para o cinema que está cada vez mais globalizado,
quase uma “commodity”. No período do pós-guerra o interesse estava nos
cineastas europeus. Mais recentemente foi a vez dos realizadores latino
americanos, particularmente os mexicanos. Agora, a bola da vez vem da Ásia.
Mais claramente da Coréia do Sul.
Após o sucesso mundial
de O Hospedeiro,
lançado em 2006, o sul-coreano Joon-ho Bong entrou no radar dos grandes
estúdios. Seu trabalho seguinte, Expresso do Amanhã
(Snowpiercer, 2013) já ganhou ares de produção internacional, pois é falada em inglês, conta
com elenco predominantemente americano e inglês, e foi financiada parcialmente
com capital europeu e norte-americano.
Baseado em uma graphic
novel francesa chamada “Le Transperceneige”, de Jean-Marc Rochette e Jacques
Loeb, “Expresso do Amanhã” é uma ficção científica que segue a trilha das
distopias ao retratar uma Terra em perigo de extinção, tomada por uma nova era
glacial que ameaça a vida no planeta. Neste cenário apocalíptico os poucos
sobreviventes estão confinados a bordo de um trem (maravilha da tecnologia de
ponta) que segue ininterruptamente em viagem, sem parar já por 17 anos. Esta é
a única forma de assegurar a sobrevivência num meio ambiente que passou a ser
hostil aos serem humanos.
No interior do trem os
“passageiros” são apartados de acordo com seu status social. Os pobres vivem em
condições miseráveis, nos últimos vagões da composição férrea. A classe
dominante privilegiada vive uma boa vida de conforto e luxo nos vagões da
dianteira. Até que chega o dia da revolta dos oprimidos que decidem entrar em
combate contra a injustiça social que se reproduz no interior daquele trem. O
líder dos revoltados, Curtis (interpretado por Chris Evans, o “Capitão América”
em pessoa), é a figura mítica que vai alterar a ordem estabelecida naquele
microcosmo
Todos os elementos de um
típico filme de ação hollywoodiano estão identificáveis em Expresso do Amanhã. O herói, o
antagonista, o conflito, a missão e a adrenalina, o combustível que move o
enredo. Porém, por tratar-se de uma produção dirigida por um coreano, tudo isto
se apresenta sob uma ótica diversa do modelo hegemônico, com uma abordagem que
denuncia um novo olhar para filmes de gênero. A ênfase ao movimento, à energia
cinética, cadenciada na edição clipada, marca registrada do cinema de ação
produzido em Hollywood, está presente na tela. Mas há algo mais em cena. Uma
sensibilidade incomum no gênero. Isto fica muito evidente no tratamento dado às
personagens. Sim, às personagens, no plural. O foco da narrativa não está
concentrado apenas no protagonista. Os personagens secundários também são
relevantes e capturam o interesse do espectador.
A cenografia também
merece registro, ao propor um modelo de ação 100% confinada no espaço estrito
de um trem, por si só uma premissa estimulante. O extrato social da pirâmide de
classes (castas) é engenhosamente bem resolvido na concepção estilizada de cada
um dos vagões que compõem o comboio. São relíquias arqueológicas de um
mundo que sucumbiu ao apocalipse, preservadas no espaço-tempo do universo em
movimento do trem que não pode interromper sua viagem eterna, como um tubarão
que jamais pode parar de nadar.
(Texto originalmente publicado
no portal “Movi+” em setembro de 2015)
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