segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

“Hacker”: Michael Mann, um renegado de Hollywood


Não é novidade para ninguém que o cinema comercial norte-americano é uma máquina avassaladora que premia sucessos de bilheteria na mesma medida em que condena qualquer manifestação de autonomia criativa que não siga a cartilha. Cineastas do mainstream que eventualmente flertam com um cinema um pouco mais autoral são jogados ao limbo na medida em que os fracassos de público se sucedem. Nunca é demais lembrar que sucessos de bilheteria não necessariamente são êxitos de crítica. A bem da verdade, essa lógica, no mais das vezes, é reversa.

Não faltam nomes para incluir na relação de cineastas malditos para a indústria, conhecidos como “venenos de bilheteria”. Apenas para ficar nos tempos mais contemporâneos, nesta lista negra estão nomes como Brian De Palma; William Friedkin; Paul Schrader; Paul Verhoeven e Michael Cimino, entre outros, que após grandes sucessos buscaram reafirmar uma carreira mais personalista, e fracassaram (ao menos no mercado norte-americano).


Faz parte deste time de cineastas renegados de Hollywood o diretor Michael Mann, conhecido por filmes como O Último dos Moicanos; Fogo Contra Fogo; Colateral e Miami Vice, versão cinematográfica da célebre e cult série de TV dos anos 80, da qual Mann foi um dos criadores e produtor executivo. Seu mais recente filme, Hacker (Blackhat, 2015), após um lançamento fracassado nos cinemas dos Estados Unidos, onde frustrou as expectativas nas bilheterias, caiu em desgraça nas distribuidoras internacionais que optaram por lançar o longa-metragem diretamente para o mercado de home video (DVD e Blu-Ray), inclusive no Brasil, onde acaba de ser disponibilizado.

Cineasta de gênero, especialistas em narrativas policiais de suspense, Michael Mann costuma alcançar resultados acima da média em suas produções. Habilidoso no trato das cenas de ação, fortemente marcadas por um estilo elegante, Mann costuma jogar todas as fichas de seus filmes enfocando mais em personagens do que nas tramas propriamente ditas. Embora não seja de seus trabalhos mais inspirados, Hacker possui qualidades que justificariam uma maior circulação, e merece sim uma conferida com mais atenção.

O filme aborda questões tecnológicas que, apesar de abstratas e intangíveis, estão aí na ordem do dia afetando a todos nós. O universo interligado e as conexões da internet são o tema de fundo da produção. A abordagem deste assunto por um cineasta de mais de 70 anos é reveladoramente respeitosa e um tanto distante. E logo fica flagrante que Michael Mann demonstra pouca adesão ao tema, preferindo tratar do mundo real ao invés do universo virtual, que ao final das contas não passará apenas de um pretexto para acionar a ação da narrativa.


O filme tem como protagonista um especialista em invadir sistemas e redes de computador, preso por cometer crimes virtuais, interpretado por Chris Hemsworth (revelado pelo papel em Thor). Porém, seus préstimos serão solicitados pelos serviços de inteligência dos governos da China e dos EUA, após uma série de atentados virtuais em usinas atômicas e na bolsa de valores. Acompanhado de um agente chinês, o hacker americano precisa identificar, localizar e impedir novos golpes do gênio cibernético, com o qual acaba por rivalizar em termos habilidade, capacidade e conhecimento.

Dos cineastas americanos do primeiro time, Michael Mann tem o mérito de ser um dos primeiros a adotar as filmagens em vídeo digital, o que hoje é quase uma unanimidade. No entanto, apesar deste caráter, digamos, moderno e antenado com os novos tempos, em termos narrativos e estéticos Mann é um cineasta que poderíamos chamar de “old school”. A agilidade que o equipamento digital permite é muito bem utilizada pelo diretor que sabe carregar com dinamismo as sequências de ação. Inclusive nas cenas noturnas (uma marca de Mann) que privilegiam enquadramentos fechados e closes que ganham uma textura peculiar e granulada, também vistas com destaque em Miami Vice, o filme.

Hacker não é o melhor de Michael Mann, mas reafirma as características do realizador que constrói um cinema onde a imagem se impõe sobre a narrativa, sem perder a mão (e o interesse) para a trajetória pessoal de seus (anti)heróis.

(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em julho de 2015)

Jorge Ghiorzi

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