Não é
novidade para ninguém que o cinema comercial norte-americano é uma máquina
avassaladora que premia sucessos de bilheteria na mesma medida em que condena
qualquer manifestação de autonomia criativa que não siga a cartilha. Cineastas
do mainstream que
eventualmente flertam com um cinema um pouco mais autoral são jogados ao limbo
na medida em que os fracassos de público se sucedem. Nunca é demais lembrar que
sucessos de bilheteria não necessariamente são êxitos de crítica. A bem da
verdade, essa lógica, no mais das vezes, é reversa.
Não faltam nomes para incluir na relação de cineastas malditos para a
indústria, conhecidos como “venenos de bilheteria”. Apenas para ficar nos
tempos mais contemporâneos, nesta lista negra estão nomes como Brian De Palma;
William Friedkin; Paul Schrader; Paul Verhoeven e Michael Cimino, entre outros,
que após grandes sucessos buscaram reafirmar uma carreira mais personalista, e
fracassaram (ao menos no mercado norte-americano).
Faz parte deste time de cineastas renegados de Hollywood o diretor
Michael Mann, conhecido por filmes como O Último dos Moicanos; Fogo Contra Fogo; Colateral
e Miami Vice, versão cinematográfica da célebre e cult
série de TV dos anos 80, da qual Mann foi um dos criadores e produtor
executivo. Seu mais recente filme, Hacker (Blackhat, 2015), após um lançamento fracassado nos
cinemas dos Estados Unidos, onde frustrou as expectativas nas bilheterias, caiu
em desgraça nas distribuidoras internacionais que optaram por lançar o
longa-metragem diretamente para o mercado de home video (DVD e Blu-Ray),
inclusive no Brasil, onde acaba de ser disponibilizado.
Cineasta de gênero, especialistas em narrativas policiais de suspense,
Michael Mann costuma alcançar resultados acima da média em suas produções.
Habilidoso no trato das cenas de ação, fortemente marcadas por um estilo
elegante, Mann costuma jogar todas as fichas de seus filmes enfocando mais em
personagens do que nas tramas propriamente ditas. Embora não seja de seus
trabalhos mais inspirados, Hacker possui qualidades que justificariam uma maior
circulação, e merece sim uma conferida com mais atenção.
O filme aborda questões tecnológicas que, apesar de abstratas e
intangíveis, estão aí na ordem do dia afetando a todos nós. O universo
interligado e as conexões da internet são o tema de fundo da produção. A
abordagem deste assunto por um cineasta de mais de 70 anos é reveladoramente
respeitosa e um tanto distante. E logo fica flagrante que Michael Mann
demonstra pouca adesão ao tema, preferindo tratar do mundo real ao invés do
universo virtual, que ao final das contas não passará apenas de um pretexto para
acionar a ação da narrativa.
O filme tem como protagonista um especialista em invadir sistemas e
redes de computador, preso por cometer crimes virtuais, interpretado por Chris
Hemsworth (revelado pelo papel em Thor). Porém, seus préstimos serão solicitados pelos
serviços de inteligência dos governos da China e dos EUA, após uma série de
atentados virtuais em usinas atômicas e na bolsa de valores. Acompanhado de um
agente chinês, o hacker americano precisa identificar, localizar e impedir
novos golpes do gênio cibernético, com o qual acaba por rivalizar em termos
habilidade, capacidade e conhecimento.
Dos cineastas americanos do primeiro time, Michael Mann tem o mérito de
ser um dos primeiros a adotar as filmagens em vídeo digital, o que hoje é quase
uma unanimidade. No entanto, apesar deste caráter, digamos, moderno e antenado
com os novos tempos, em termos narrativos e estéticos Mann é um cineasta que
poderíamos chamar de “old school”. A agilidade que o equipamento digital
permite é muito bem utilizada pelo diretor que sabe carregar com dinamismo as
sequências de ação. Inclusive nas cenas noturnas (uma marca de Mann) que
privilegiam enquadramentos fechados e closes que ganham uma textura peculiar e
granulada, também vistas com destaque em Miami Vice, o filme.
Hacker não é o
melhor de Michael Mann, mas reafirma as características do realizador que
constrói um cinema onde a imagem se impõe sobre a narrativa, sem perder a mão
(e o interesse) para a trajetória pessoal de seus (anti)heróis.
(Texto
originalmente publicado no portal “Movi+” em julho de 2015)
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