Histórias
sobre redenções pessoais são sempre catalisadoras da atenção do público.
Representam ideais de superação e são invariavelmente inspiradoras. Na
literatura e no cinema encontramos muitas histórias assim. É por este caminho
que vai Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância,
dirigido por Alejandro González Iñarritu, recentemente premiado com o Oscar nas
categorias de Fotografia, Roteiro, Diretor e Filme.
Porém, em Birdman a redenção não é exatamente um ponto
consensual, pois a subjetividade da narrativa não nos permite afirmar
objetivamente se foi ou não bem sucedida. Mas, no fundo, não é o ponto final
que importa, mas sim a jornada de (auto) descoberta do protagonista.
O ator Riggan Thomson (Michael Keaton) foi um astro no passado, quando
interpretou com grande sucesso o personagem Birdman numa franquia de sucesso no
cinema. Mas, ao recusar o retorno ao personagem pela quarta vez, sua carreira
entrou em declínio. Para recuperar a fama perdida, e provar que é um ator de
respeito, ele decide produzir, dirigir e estrelar uma adaptação teatral na
Broadway de uma obra de Raymond Carver. Durante o processo de montagem, ensaios
e pré-estreia o ator vive momentos de intensa pressão ao mesmo tempo em que
reavalia suas relações com a ex-esposa, a filha, o empresário, os demais atores
da peça, a crítica e a mídia em geral.
O tema do artista em decadência, tentando se reestabelecer na profissão,
sem atentar para o fato de que seu tempo é passado, já foi tratado no clássico Crepúsculo
dos Deuses (1950), que narra o ocaso da grande estrela Norma
Desmond (Gloria Swanson). O mesmo confronto entre o universo interior e
exterior da protagonista do filme de Billy Wilder também está presente na mente
do protagonista de Birdman. Se o mundo de ficção onde Norma Desmond vive
é apenas sugerido por seus atos e ações, no caso de Birdman a irrealidade ocupa a quase totalidade da
narrativa de Alejandro Iñarritu. E o espectador mergulha junto no universo
atormentado do ator à beira de um colapso.
Nestes tempos em que vivemos, a performance e os resultados são a mola
propulsora da sociedade, especialmente na América, onde a competitividade
acirrada inevitavelmente aparta e distancia vencedores de perdedores. Atingir o
sucesso profissional é uma meta. A permanência no topo, no entanto, é uma
missão de vida. Caso contrário, o perdedor é carta fora do baralho. O excessivo
culto às celebridades é parte deste processo. Este é o drama existencial que
assombra o personagem central de Birdman. Sua nova empreitada, a peça que tenta desesperadamente
produzir e protagonizar, representa sua derradeira tentativa para se manter
relevante e significativo no mundo artístico. E não será fácil, sabemos todos
nós. A fuga da realidade, o delírio e a negação dos fatos parecem mais
confortáveis para este duro enfrentamento da vida real.
A opção de Iñarritu em filmar a totalidade do longa com uma série de
planos sequência foi uma opção narrativa muito interessante, na medida em que é
uma eficiente representação estética do fluxo de consciência vivido por Riggan
Thomson, em constante conflito com seus demônios interiores. As leis da física
e da gravidade são quebradas para acompanhar os delírios de um ator em busca de
seu papel redentor. Após duas horas de projeção, Birdman nos entrega um final marcadamente ambíguo
que parece fazer pleno sentido para as incertezas do protagonista.
(Texto
originalmente publicado no portal “Movi+) em março de 2015)
Jorge
Ghiorzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário