O cinema norte-americano,
particularmente aquele produzido em Hollywood, passou por um abalo sísmico no
início dos anos 60, cujas consequências são percebidas até hoje. Naquele tempo
ainda vigorava o Star
System, o formato de produção que jogava todas as fichas no poder
sedutor das grandes estrelas do cinema, que arrastavam multidões aos cinemas.
Os filmes eram produzidos em função de um determinado ator ou atriz. As
histórias e roteiros eram meros pretextos para reafirmar o brilho dos grandes
mitos do cinema, que então reinavam absolutos.
Foi dentro deste conceito que a 20th
Century Fox concebeu uma das maiores produções de Hollywood, até então: Cleópatra (lançado
em 1963). A grande estrela do projeto era Elizabeth Taylor. Em valores
corrigidos o filme teria custado mais de 400 milhões de dólares (alguns
pesquisadores afirmam que poderia ter chegado próximo aos 600 milhões). Enfim,
o fato é que a produção do filme (iniciada em 1961) foi uma sucessão de
desastres, provocados por um gerenciamento descontrolado, decisões equivocadas
e egos inflados.
O primeiro erro estratégico da
produção foi filmar na Inglaterra. Gigantescos e faraônicos (!) cenários foram
construídos, mas, não contavam com os maus humores da natureza. Chuvas
constantes e vendavais teimavam em destruir os sets de filmagens, que eram
constantemente reconstruídos. Atrasos no cronograma de filmagens eram
frequentes, e a folha de pagamentos só aumentava, pois o elenco e extras,
contratados para trabalharem poucos dias, ou semanas, eram remunerados
indefinidamente, por semanas e semanas, até que as condições de filmagem se
restabelecessem.
Foi em Cleópatra que o recorde de cachê de 1
milhão de dólares por filme foi batido. Esse foi o valor do contrato de
Elizabeth Taylor, que ainda ganhava mais 10 mil dólares por semana de filmagem.
Então, como desgraça pouca é bobagem, em sua temporada na fria e úmida
Inglaterra, Miss Taylor contraiu uma pneumonia e ficou várias semanas
internada: Resultado? O estúdio desembolsava rios de dinheiro para manter a
atriz sob contrato. Afinal, ela valia seu peso em ouro, e seria o grande apelo
comercial na promoção do filme. Não seria, portanto, uma despesa, mas sim um investimento.
Bem, com quase tudo dando errado
durante as filmagens, incluindo a troca do diretor Rouben Mamoulian por Joseph
L. Mankiewicz, a produção se tornou um tormento para a Fox, que temia a
falência da companhia por não conseguir conter a sangria das despesas. Para
completar o pesadelo, nos sets de filmagem outra bomba estava prestes a
estourar: o caso de Elizabeth Taylor e Richard Burton (que interpretava Marco Antônio). Ambos casados, eles engataram um romance secreto nos bastidores das
filmagens, fato este que fazia a delícias da imprensa que cobria a produção.
Ficou clássico o episódio que “revelou” de uma vez por todas que algo mais
sério havia entre os dois. Durante a filmagem de uma sequência que reunia
Taylor e Burton e acabava com um beijo, após o término da tomada o diretor
Mankiewicz gritou: “Corta”. Mas o casal apaixonado seguiu se beijando como se
não houvesse amanhã, alheios ao mundo espantado ao redor. Atracados num beijo,
que nada tinha de técnico, o casal selou o romance.
Um mito equivocado com o filme Cleópatra persiste. A
produção historicamente foi taxada como um fracasso absoluto de bilheteria. Mas
isto não é correto. Mesmo não sendo um sucesso estrondoso, a produção da Fox não
foi tão mal em faturamento. Ao longo do tempo, após as reprises, a exibição na
TV e os lançamentos em home vídeo, o filme acabou por recuperar a quase
totalidade do investimento do estúdio.
Hoje, olhando com a perspectiva do
tempo, Cleópatra
representou o fim de um ciclo, de uma forma de encarar o cinema. O filme foi o
paradigma de uma velha forma de produção que logo ali adiante, mais para o
final dos anos 60, seria sepultada de vez quando chegou a nova geração de
cineastas norte-americanos (a primeira geração que estudou cinema). Filmes
inovadores como Uma Rajada
de Balas (Bonnie & Clyde, 1967), dirigido por Arthur Penn, e A Primeira Noite de um Homem
(1967), de Mike Nichols, mostravam um novo caminho, daí surgindo um dos
períodos mais vigorosos, criativos e promissores do cinema dos EUA, o New
American Cinema dos anos 70.
(Texto originalmente publicado no
portal "Movi+" em janeiro de 2015)
Jorge Ghiorzi
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