Existem cineastas cuja personalidade privada e posições
políticas contaminam de antemão qualquer julgamento, normalmente precipitado,
de sua obra. Clint Eastwood é um deles. Um exemplo oposto é Woody Allen, cuja
vida privada está totalmente preservada e descolada na avaliação de seus
filmes. Portanto, é com este peso extra, que não existe de fato na tela, pois é
um aspecto extra-fílmico, que Sniper Americano se apresenta. No entanto,
este é um peso extra que todos os filmes mais recentes de Clint Eastwood
carregam injustamente. Conservador e direitista são rótulos facilmente
identificáveis em críticas menos criteriosas da obra do realizador. Um caso
clássico de fusão entre criador e criatura.
Sniper Americano, 34º longa-metragem dirigido por
Clint Eastwood, é um drama biográfico que retrata a vida de Chris Kyle, soldado
SEAL das forças
especiais da marinha norte-americana, celebrado como o maior atirador sniper dos EUA com a marca de mais de
160 tiros fatais no currículo. No período entre 2003 e 2009 o atirador
participou de várias missões na Guerra do Iraque, ficou conhecido como o “Mito”
e inspirou o temor nos inimigos pela precisão e eficiência de seus disparos.
Alternando sequências no campo de batalha com passagens da
vida privada de Chris Kyle, a história contada em Sniper Americano se
diferencia na essência de outros dois filmes de ambientação e temática
semelhantes: Guerra ao Terror (de Kathryn Bigelow) e Falcão
Negro em Perigo (de Ridley Scott). Ao particularizar a narrativa
num personagem central, em constante conflito com seus dramas pessoais, sem
particularizar o confronto bélico em si, o filme de Clint Eastwood é mais do
que um drama de guerra. O enfoque está mais na guerra interna do personagem,
que assume e se consome no papel de “cão pastor” em sua missão de defender as
“ovelhas” dos “lobos”.
Ao mostrar o personagem central em constante dúvida sobre
o seu verdadeiro papel na sociedade, o filme faz uma revisão do mito e
rediscute a figura do herói nos dias atuais. Ainda há lugar para eles? Eles são
assim tão infalíveis, inspiradores e edificantes? A fronteira entre heróis e
vilões é bem mais cinza e nebulosa do que parece.
Mais uma vez a eficiência da narrativa de Clint Eastwood
se evidencia em Sniper Americano. Com seu estilo seco, preciso,
sereno, sem excessos ou qualquer grande efeito cênico, o realizador de 84 anos
é um dos últimos diretores da Hollywood clássica ainda em ação. Seu estilo de
filmar é fruto de aprendizado com grandes mestres da narrativa, entre os quais
o antigo parceiro Don Siegel (Perseguidor
Implacável (Dirty Harry) e Alcatraz: Fuga Impossível, entre outros), de quem é
legítimo herdeiro.
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em fevereiro de
2015)
Jorge Ghiorzi
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