No rastro surgiu uma leva de filmes que mesclavam
tramas policiais e conspirações políticas, como A Conversação (1974), de
Francis Ford Coppola; A Trama (1974), de Alan J. Pakula; a sequência Operação França II (1975), de John Frankenheimer; Os Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, e Todos os Homens do Presidente (1976), também de
Pakula. Vale reparar: todos dirigidos por cineastas do primeiro time. Uma
comprovação de prestígio do gênero suspense / thriller naquele período.
Foi neste contexto que surgiu Maratona da Morte.
Com roteiro escrito por William Goldman, a partir de seu próprio livro, o filme
de John Schlesinger apresenta uma intrincada trama internacional de espionagem
que mistura espiões com nazistas escondidos na América do Sul, a exemplo de
Joseph Mengele, que viveu muitos anos incógnito no Brasil. O filme sugere que a
custa de muitos diamantes os nazistas foragidos negociam sua liberdade com
agentes de espionagem que atuam à margem do sistema.
O personagem principal é Thomas “Babe” Levy (Dustin
Hoffman), jovem estudante universitário de História, e maratonista nas horas
vagas, que desenvolve uma tese sobre o período do Macartismo (do senador Joseph
McCarthy) para provar a inocência do pai, que cometeu suicídio após ser
perseguido e expulso da universidade. Seu irmão é Henry “Doc” Levy (Roy
Scheider), que se apresenta como negociante do mercado de petróleo, mas na
verdade é agente secreto de uma agência ultrassecreta, paralela ao governo,
chamada “A Divisão”. Suas ligações perigosas com o contrabando de diamantes,
fruto de roubo dos nazistas da Segunda Guerra, acabam por levar Henry à morte.
O culpado foi o carrasco nazista Dr. Christian Szell (Laurence Olivier), antigo
dentista da SS que prestava serviço no campo de concentração de Auschwitz. Com
receio de ser descoberto, Szell passa então a perseguir e torturar o inocente
irmão do espião, “Babe”, para descobrir o que ele realmente sabe de toda a
trama.
A sequência de abertura de Maratona da Morte já
sugere o tema central da narrativa: a superação. As cenas iniciais mostram
imagens do célebre maratonista etíope Abebe Bikila nos Jogos Olímpicos de Roma,
em 1960, que venceu a prova da Maratona correndo de pés descalços. Um símbolo
de heroísmo, determinação e superação. O personagem de Dustin Hoffman encarna
um fracassado, um looser, em oposição
à imagem de requintado, bon vivant e
bem sucedido que o irmão “Doc” transmite. “Babe” é de outra turma, ligado aos
livros e estudos, no entanto, constantemente assombrado pelas memórias do
trágico destino do pai suicida. Neste sentido, a maratona na vida de “Babe” é
uma metáfora para a necessidade permanente de superação de limites.
Involuntariamente envolvido num perigoso jogo de
poderosos, “Babe” de uma hora para outra vê sua vida colocada do avesso. Num
piscar de olhos passa a tratar com espiões, assassinos e carrascos
torturadores. Chega, portanto, o
inevitável momento de amadurecimento, de libertação do passado. Ele, estudante
de História, conflitado pela necessidade de revisão da verdadeira história do
seu pai, se depara com a História em pessoa, na figura do nazista foragido.
Oportunidade única de fazer justiça (e História) com as próprias mãos. E,
ironia suprema, valendo-se da própria arma utilizada pelo pai no suicídio.
“É
seguro?”
Suspense e tensão são magistralmente manipulados
por John Schlesinger na condução do ritmo do longa. Nada é óbvio, nada é o que
parece ser à primeira vista. A dissimulação é uma arma estratégica muito bem
utilizada por todos os personagens, sejam quais forem suas posições no jogo. E
o espectador é envolvido lentamente conforme a narrativa evolui. Quanto mais a
trama vai se desenvolvendo, mais elementos são acrescentados, estabelecendo
novas conexões e inusitados desfechos. Enfim, a matriz perfeita de uma trama
bem elaborada.
Maratona da Morte é extremamente eficaz como
thriller de suspense, e duas sequências em particular se destacam: o ataque no
banheiro e a sessão de tortura. A primeira lida magistralmente com o medo e a
tensão com o desconhecido ao colocar o personagem de Dustin Hoffman num
relaxante banho de banheira enquanto assassinos invadem seu apartamento. A
segunda sequência é a famosa e impactante tortura do dentista Szell manipulando
os dentes de um apavorado Dustin Hoffman, sem anestesia. O sádico nazista
pergunta repetidamente: “É seguro?”. Aqui, vale um registro para o desempenho
magistral de Laurence Olivier que faz diversas inflexões da pergunta “É
seguro?”, cada uma delas de forma distinta. Coisa de mestre.
Este filme marcou um reencontro de Dustin Hoffman
com o diretor John Schlesinger, sete anos após Perdidos na Noite. A escolha
do ator para interpretar um jovem universitário causou algumas críticas na
época, pois parecia um claro equívoco em razão da idade do ator na ocasião.
Como um ator de quase 40 anos poderia interpretar um jovem? Mas, o fato é que
deu certo, assim como ocorreu quando Hoffman foi escalado para A Primeira
Noite de um Homem. O restante do elenco principal de Maratona da Morte dá um
clima internacional à produção. Além do inglês Laurence Olivier, também está a
atriz suíça Marthe Keller (Domingo Negro), que na época não sabia falar
inglês, interpretando apenas reproduzindo os fonemas. Recentemente a atriz foi
vista em Amnésia, de Barbet Schroeder.
A fotografia de Conrad L. Hall e a música de
Michael Small contribuem decisivamente para o ótimo resultado final de Maratona da Morte, sem falar, é claro, das belas locações nas ruas de Nova
Iorque que trazem um tom quase documental de registro das ruas, pontes, parques
e becos de um momento bem específico da metrópole.
Assista o trailer: Maratona da Morte
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD
Magazine em novembro de 2016)
Jorge Ghiorzi
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