Grande vencedor do
Oscar de 1955, nas categorias de Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante,
Direção de Arte em preto e branco, Fotografia em preto e branco, Edição e
Roteiro, Sindicato de Ladrões (On the Waterfront) representou, em seu
tempo, um importante momento de virada histórica nas produções tuteladas pelo
academicismo de um modelo de cinema norte-americano que estava prestes a ruir
na década seguinte. O filme dirigido por Elia Kazan introduziu com grande vigor
altas doses de realismo social em uma produção que escapou do controle do sistema
de estúdios. Sindicato de Ladrões foi
uma bem sucedida experiência de Neorrealismo tardio em Hollywood.
O tema central do
filme é uma palavrinha que andou muito em voga no Brasil em tempos recentes:
delação. Trair ou não trair, reconhecer os mal feitos ou não, eis a questão.
Este é o dilema moral de Terry Malloy, um trabalhador braçal da zona portuária
de Nova Iorque, numa interpretação superior de Marlon Brando. Ele e seu irmão
Charley (Rod Steiger) trabalham para o chefão mafioso Johnny Friendly (Lee J.
Cobb) que controla com mão de ferro os sindicatos dos estivadores. Os irmãos
fazem o chamado “trabalho sujo” do sindicato, controlando, ameaçando,
explorando a mão de obra (fartamente disponível) e cobrando propina sobre os
ganhos dos trabalhadores, sempre a mando do temido líder do grupo. Direitos
trabalhistas? Nem pensar. Após se envolver, inocentemente, numa armadilha que
resultou na execução de um estivador que não andou na linha, Terry acaba
conhecendo a irmã da vítima, a bela Eddie (Eva Marie-Saint). O relacionamento
entre os dois evolui para uma paixão amorosa, que acaba por despertar um forte
sentimento de culpa em Terry. O seu drama interior o conduz a um ato final de
redenção pessoal ao delatar os atos criminosos do chefe e libertar os
trabalhadores da opressão de um sindicato comandado por gangsteres.
O ato da delação é
um tema caro ao diretor Elia Kazan, ele próprio envolvido num episódio rumoroso
que marcou definitivamente sua biografia. Na condição de ex-membro do Partido
Comunista dos EUA, Kazan foi convocado em 1952 para depor na Comissão de
Assuntos Antiamericanos do Congresso e denunciou vários colegas de profissão,
que foram incluídos na “lista negra de Hollywood”, acusados pelo Macartismo de
simpatizantes do comunismo. Em 1999 o diretor recebeu um Oscar honorário pelo
conjunto da obra. Na cerimônia de entrega do prêmio a plateia ficou dividida
neste reconhecimento. Num momento célebre da história da Academia, parte do
público aplaudiu, mas alguns ficaram ostensivamente de braços cruzados, como Ed
Harris, Nick Nolte, Sean Penn, Holly Hunter e Ian McKellen.
Lançado apenas
dois anos após o depoimento na Comissão, Sindicato
de Ladrões não deixa de ser uma ousadia de Elia Kazan por tratar de um tema
tão próximo da sua própria realidade. Para a abordagem realista imaginada pelo
realizador foi fundamental a decisão de realizar as filmagens quase que
inteiramente em locações, com uma densa fotografia em preto e branco que
reflete a crueza dos ambientes reais e das condições miseráveis dos
trabalhadores que lutam pela sobrevivência ao custo de alguns trocados.
Outro fator que
contribui para a elaboração do conceito da mise-en-scène
é a incorporação de um novo tipo de atuação – praticado nos palcos, mas
raramente no cinema – baseado no chamado “Método”, o estilo de interpretação
promovido pelo Actors Studio (escola do próprio Kazan), que se baseia
fundamentalmente na autenticidade da performance a partir das próprias
vivências emocionais do atores. No papel de Terry Malloy, um personagem que
evolui da alienação à autoconsciência, Marlon Brando usou e abusou do “Método”
e compôs com sutileza de gestos, improvisos e humanidade um dos personagens
mais icônicos do cinema norte-americano.
Sindicato de Ladrões foi uma produção
que ousou – e arriscou – com uma estética distante de uma glamourização típica
das produções hollywoodianas. Acrescente-se a este aspecto formal uma crítica
social contundente que discutiu a questão da exploração trabalhista que
tangencia o submundo da contravenção. Elia Kazan realizou um exemplar drama de
crime e castigo que ainda faz sentido e impacta, passados mais de 65 anos de
sua realização.
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2017)
Jorge Ghiorzi
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