quarta-feira, 19 de julho de 2023

Oppenheimer: um exercício de imersão sensorial e estética

 

Uma certa tendência à grandeza e grandiloquência, marca registrada na quase totalidade da obra de Christopher Nolan, está ostensivamente presente nas três horas de duração do drama histórico Oppenheimer (Oppenheimer, 2023). A cinebiografia do físico J. Robert Oppenheimer, que passou à História como “pai da bomba atômica”, transita do universo quântico das partículas subatômicas até a vastidão do globo terrestre e além. Uma viagem que coloca o espírito humano à prova em sua eterna busca pela dominação das forças que regem a natureza. O que Albert Einstein teorizou, Oppenheimer colocou em prática, inaugurando uma nova Era para a humanidade.

Anos 40. Segunda Guerra Mundial. Os alemães nazistas avançam nas pesquisas para desenvolver uma arma nuclear. Caso fossem vitoriosos neste experimento bélico a Alemanha se tornaria incontestavelmente invencível, e a conquista global seria um fato inevitável. Este é o cenário que dá o ponto de partida do filme de Nolan. Os Estados Unidos, inicialmente neutros no conflito, após o ataque japonês à Pearl Harbor, foram induzidos a abandonar a isenção e mergulhar de cabeça na guerra que colocava em risco a liberdade na Europa, particularmente do aliado Reino Unido.


A risco da criação pelos alemães de uma bomba a partir da fissão nuclear acelerou a pesquisa científica dos norte-americanos. Assim surgiu o secretíssimo Projeto Manhattan, liderado pelo Oficial do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, Leslie Groves (Matt Damon), e o físico teórico J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy). Os cientistas e físicos mais destacados dos EUA foram convocados para se dedicarem em tempo integral ao desenvolvimento daquela que seria a primeira bomba atômica do mundo. Para tanto ficaram isolados por três anos em uma cidade-laboratório especialmente construída em Los Álamos, no meio do deserto do Novo México. O final desta história sabemos todos: a bomba atômica foi desenvolvida, mas não a tempo de ser utilizada contra a Alemanha nazista, que assinou rendição antes, diante das Forças Aliadas que invadiram Berlim. Mas, a Segunda Guerra prosseguia no front asiático, especialmente com o Japão, que se recusava a depor armas. Após um bem sucedido teste no deserto (uma sequência primorosa), poucos dias depois as duas primeiras bombas atômicas foram lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.

Uma das críticas contumazes atribuídas aos filmes de Christopher Nolan é que eles despendem muito esforço narrativo ao tentar explicar em demasia determinadas situações e/ou aspectos técnicos com diálogos por demais expositivos. Há em Oppenheimer uma reversão de expectativa neste sentido. Por mais que as questões da física quântica e nuclear sejam estranhas aos leigos – portanto, exigissem uma abordagem mais didática -, o fato é que desta vez o realizador mostra-se mais comedido. É inclusive econômico nas explicações científicas. Mantem-se na exposição dos conceitos básicos, suficientes para a compreensão essencial do espectador, que acaba conectando-se ao drama pelo o que ele tem de conflito moral, e não pelo o que oferece em termos de ciência. Esta decisão favorece nossa empatia com a batalha pessoal e os dramas de consciência do protagonista.


Oppenheimer opera em quatro abordagens distintas que se alternam ao longo das já citadas três horas de duração. Há em cena, simultaneamente, com pesos relativamente equilibrados e linhas temporais próprias (como em Dunkirk), uma empolgante narrativa de experimento científico, uma ágil trama de espionagem industrial, um emocionante drama político e um comovente drama pessoal com toques de tragédia. Embalando tudo, com muita criatividade estética, qualidade técnica e sensibilidade artística, uma irretocável percepção de espetáculo de entretenimento que Christopher Nolan já demonstrou em muitas oportunidades.


Isento de posicionamento moral, Oppenheimer, o filme, reflete em essência a incógnita que é Oppenheimer, o homem. O renomado físico era uma figura dúbia, controversa, com viés de vaidade mal disfarçada. Oppenheimer é um sedutor exercício de imersão sensorial e estética, que apresenta um belíssimo painel de um período histórico conturbado, cujas consequências abriram as portas para a Guerra Fria, que perdurou por cerca de quatro décadas.

Uma curiosidade: o Projeto Manhattan já havia sido tema de um filme em 1989, chamado O Início do Fim (Fat Man and Little Boy), dirigido por Roland Joffé (de Os Gritos do Silêncio e A Missão). O papel do Oficial militar Leslie Groves, vivido por Matt Damon no filme de Nolan, foi interpretado por Paul Newman no filme de Joffé.

Assista ao trailer: Oppenheimer

 

Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


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