Em
seu lançamento, em 2015, Mad Max: Estrada da Fúria foi considerado por
grande parte da crítica como o melhor filme de ação do século 21, até então.
Opinião com a qual compartilhamos. O quarto título da série Mad Max, criada por
George Miller nos longínquos anos 70, surgiu como um furacão, surpreendeu
geral, deixando muita gente de queixo caído com o nível de espetáculo que
arrebatou as plateias por todo o mundo. Uma unanimidade poucas vezes atingida.
Passada
quase uma década, George Miller revisita sua obra master inserindo novos
caminhos para o que agora se chama Saga Mad Max. O desafio é tremendo tendo em
vista o altíssimo patamar atingido pela produção anterior. O próprio realizador
subiu por demais a régua. Superar, ou sequer reprisar a façanha seria uma
tarefa extremamente difícil. Este é o pesado fardo com o qual Furiosa:
Uma Saga Mad Max (Furiosa: A Mad Max Saga) tem de lidar.
A
partir de Estrada da Fúria, este Furiosa faz um olhar para o
passado da personagem título, desde uma vida idílica, em um “paraíso” verde em
meio ao deserto escaldante. Uma representação bíblica do que seria o Jardim do
Éden, com direito à maçã, símbolo do pecado original. Sequestrada por uma horda
de motoqueiros, liderada pelo senhor da guerra Dementus, a jovem Furiosa vai
parar na Cidadela, comandada com mão de ferro por Immortan Joe. Lutando pela
sobrevivência, enquanto busca maneiras de retornar para casa, Furiosa se vê em
meio a uma batalha de dois tiranos pelo domínio dos reinos do deserto.
A
expansão da mitologia de Mad Max alcança mais um capítulo em Furiosa,
que surge como um spin-off, uma história derivada da história original. O
fato mais flagrante e óbvio é o protagonismo solo da personagem, originalmente
apresentada em Estrada da Fúria. A presença de Mad Max se restringe
apenas ao subtítulo da produção. Até então pouco sabíamos da personagem
Imperator Furiosa, que surgiu do nada no filme anterior. As respostas todas
estão neste novo capítulo da saga. Neste aspecto Furiosa se apresenta
como uma prequel, um filme de origem, que estabelece as premissas que
propiciaram o surgimento da personagem e suas relações com o universo Mad Max.
Da mesma forma que o filme original, de 1979, que apresentou as bases do
surgimento e transformação do policial Max Rockatansky em vingador das
estradas de um futuro apocalíptico e distópico. Há que se ressaltar que o
combustível que injeta alta octanagem nas trajetórias de Max e Furiosa é o
mesmo: vingança.
Tudo
o que Estrada da Fúria oferecia em termos minimalistas, sustentado por
um fio de história, é revertido em Furiosa, que mira em um conceito
completamente oposto. A produção amplia a perspectiva e abarca um amplo arco
narrativo, seja em termos espaciais – são diversos os cenários da ação -, seja
em termos temporais, pois abrange vários anos da protagonista, ainda que eventualmente
recorra às elipses. Desta vez George Miller focou mais no desenvolvimento de
personagens, o que não poderia ser diferente, pois havia um excesso de história
a contar. Então, resumo da ópera: se Estrada da Fúria foi contexto, Furiosa
é essencialmente texto, pois há muito a explicar e a palavra (diálogos) ganha
poder narrativo. Resta, no entanto, como ponto comum, a ação insana e
catártica, como sempre.
Os
dois polos narrativos se concentram nos antagonistas da aventura: a heroína
Imperator Furiosa (Anya Taylor-Joy) e o vilão Dementus (Chris Hemsworth). A
história contada pelo roteiro coescrito por George Miller dependeria de dois
protagonistas fortes e consistentes. E aí temos um problema. A dupla funciona apenas
parcialmente. Com todo o respeito ao versátil desempenho de Anya Taylor-Joy, sua
Furiosa não impõe medo a ninguém, nem convence por suas habilidades – distante da
construção poderosa de Charlize Theron. Já seu oponente, Chris Hemsworth, peca
pelo excesso histriônico, que o remete a um vilão bufão e boquirroto, que em
última análise não assusta ninguém de fato, além de revelar uma covardia
mascarada. Aparentemente a persona do ator invadiu a construção do
personagem.
Um
dos aspectos mais destacados em Estrada da Fúria – as filmagens com
efeitos práticos e utilização comedida de recursos de CGI – deixa muito a
desejar em Furiosa. Desta vez a inserção de sequências inteiras com
recursos de computação tiram o brilho da produção por dois motivos: uso
excessivo e recorrente ao longo do filme e pelos maus resultados alcançados (aquém
da qualidade geral da produção). No mais, Furiosa segue entregando a
adrenalina, marca registrada da saga Mad Max, mas perdeu o coração por fazer
concessões demasiadas ao espetáculo blockbuster. O que renegou em autoralidade
ganhou como filme de ação, algo construído com um único propósito: estabelecer
uma franquia.
Havia
muito em jogo neste Furiosa. A aposta era alta, pois marcaria definitivamente
o início de um universo próprio, a chamada Saga Mad Max. De modo geral a recepção dividiu
opiniões e coloca em risco a continuidade do projeto. Sem dúvida a realização
foi em parte frustrante, longe de qualquer unanimidade. A luz vermelha foi
acesa. Furiosa sofre com uma sombra aterradora, o seu antecessor Estrada
da Fúria, extremamente bem sucedido sob quaisquer aspectos de análise. George
Miller entregou um entretenimento puro, visualmente estimulante, porém um filme
menos memorável, menos empolgante, que se aproxima
perigosamente de algo genérico e descartável.
Assista ao trailer: Furiosa: Uma Saga Mad Max
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com
Na minha opinião eu acho que "Furiosa: Uma Saga Mad Max" é George Miller e cinema puro na veia e onde não há espaço para sutilezas em meio a crise que a Hollywood atual enfrenta.
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