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terça-feira, 4 de junho de 2024

Furiosa – Uma Saga Mad Max: um conto de fúria e brutalidade

 

Em seu lançamento, em 2015, Mad Max: Estrada da Fúria foi considerado por grande parte da crítica como o melhor filme de ação do século 21, até então. Opinião com a qual compartilhamos. O quarto título da série Mad Max, criada por George Miller nos longínquos anos 70, surgiu como um furacão, surpreendeu geral, deixando muita gente de queixo caído com o nível de espetáculo que arrebatou as plateias por todo o mundo. Uma unanimidade poucas vezes atingida. 

Passada quase uma década, George Miller revisita sua obra master inserindo novos caminhos para o que agora se chama Saga Mad Max. O desafio é tremendo tendo em vista o altíssimo patamar atingido pela produção anterior. O próprio realizador subiu por demais a régua. Superar, ou sequer reprisar a façanha seria uma tarefa extremamente difícil. Este é o pesado fardo com o qual Furiosa: Uma Saga Mad Max (Furiosa: A Mad Max Saga) tem de lidar.


A partir de Estrada da Fúria, este Furiosa faz um olhar para o passado da personagem título, desde uma vida idílica, em um “paraíso” verde em meio ao deserto escaldante. Uma representação bíblica do que seria o Jardim do Éden, com direito à maçã, símbolo do pecado original. Sequestrada por uma horda de motoqueiros, liderada pelo senhor da guerra Dementus, a jovem Furiosa vai parar na Cidadela, comandada com mão de ferro por Immortan Joe. Lutando pela sobrevivência, enquanto busca maneiras de retornar para casa, Furiosa se vê em meio a uma batalha de dois tiranos pelo domínio dos reinos do deserto. 

A expansão da mitologia de Mad Max alcança mais um capítulo em Furiosa, que surge como um spin-off, uma história derivada da história original. O fato mais flagrante e óbvio é o protagonismo solo da personagem, originalmente apresentada em Estrada da Fúria. A presença de Mad Max se restringe apenas ao subtítulo da produção. Até então pouco sabíamos da personagem Imperator Furiosa, que surgiu do nada no filme anterior. As respostas todas estão neste novo capítulo da saga. Neste aspecto Furiosa se apresenta como uma prequel, um filme de origem, que estabelece as premissas que propiciaram o surgimento da personagem e suas relações com o universo Mad Max. Da mesma forma que o filme original, de 1979, que apresentou as bases do surgimento e transformação do policial Max Rockatansky em vingador das estradas de um futuro apocalíptico e distópico. Há que se ressaltar que o combustível que injeta alta octanagem nas trajetórias de Max e Furiosa é o mesmo: vingança.


Tudo o que Estrada da Fúria oferecia em termos minimalistas, sustentado por um fio de história, é revertido em Furiosa, que mira em um conceito completamente oposto. A produção amplia a perspectiva e abarca um amplo arco narrativo, seja em termos espaciais – são diversos os cenários da ação -, seja em termos temporais, pois abrange vários anos da protagonista, ainda que eventualmente recorra às elipses. Desta vez George Miller focou mais no desenvolvimento de personagens, o que não poderia ser diferente, pois havia um excesso de história a contar. Então, resumo da ópera: se Estrada da Fúria foi contexto, Furiosa é essencialmente texto, pois há muito a explicar e a palavra (diálogos) ganha poder narrativo. Resta, no entanto, como ponto comum, a ação insana e catártica, como sempre.


Os dois polos narrativos se concentram nos antagonistas da aventura: a heroína Imperator Furiosa (Anya Taylor-Joy) e o vilão Dementus (Chris Hemsworth). A história contada pelo roteiro coescrito por George Miller dependeria de dois protagonistas fortes e consistentes. E aí temos um problema. A dupla funciona apenas parcialmente. Com todo o respeito ao versátil desempenho de Anya Taylor-Joy, sua Furiosa não impõe medo a ninguém, nem convence por suas habilidades – distante da construção poderosa de Charlize Theron. Já seu oponente, Chris Hemsworth, peca pelo excesso histriônico, que o remete a um vilão bufão e boquirroto, que em última análise não assusta ninguém de fato, além de revelar uma covardia mascarada. Aparentemente a persona do ator invadiu a construção do personagem.


Um dos aspectos mais destacados em Estrada da Fúria – as filmagens com efeitos práticos e utilização comedida de recursos de CGI – deixa muito a desejar em Furiosa. Desta vez a inserção de sequências inteiras com recursos de computação tiram o brilho da produção por dois motivos: uso excessivo e recorrente ao longo do filme e pelos maus resultados alcançados (aquém da qualidade geral da produção). No mais, Furiosa segue entregando a adrenalina, marca registrada da saga Mad Max, mas perdeu o coração por fazer concessões demasiadas ao espetáculo blockbuster. O que renegou em autoralidade ganhou como filme de ação, algo construído com um único propósito: estabelecer uma franquia.


Havia muito em jogo neste Furiosa. A aposta era alta, pois marcaria definitivamente o início de um universo próprio, a chamada Saga Mad Max. De modo geral a recepção dividiu opiniões e coloca em risco a continuidade do projeto. Sem dúvida a realização foi em parte frustrante, longe de qualquer unanimidade. A luz vermelha foi acesa. Furiosa sofre com uma sombra aterradora, o seu antecessor Estrada da Fúria, extremamente bem sucedido sob quaisquer aspectos de análise. George Miller entregou um entretenimento puro, visualmente estimulante, porém um filme menos memorável, menos empolgante, que se aproxima perigosamente de algo genérico e descartável.

Assista ao trailer: Furiosa: Uma Saga Mad Max

 

Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com