Rodado em catorze cidades de cinco estados - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia - Além de Nós é o longa-metragem de estreia do diretor Rogério Rodrigues para as telas grandes (anteriormente o realizador dirigiu a série Universo Z para canais de streaming). O filme se passa parcialmente no pampa gaúcho, mas sua narrativa se estende para outras regiões e locais do país, como o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e o tradicional Rodeio do Rancho Quarto de Milha em Presidente Prudente, no interior paulista.
Além de Nós conta a história de Léo (Miguel Coelho), um jovem peão de fazenda que nunca saiu de seu pequeno vilarejo no sul do Brasil. Ele sofre duas grandes perdas no mesmo dia: é demitido e testemunha a morte do pai (participação de Clemente Vascaíno). Ao encontrar uma foto e uma carta, Leo se depara com a necessidade de realizar o último desejo de seu pai. Para atender ao pedido, viaja com seu tio Artur (Thiago Lacerda) para a cidade do Rio de Janeiro. No caminho desconhecido, Leo resgata a relação com o tio, de quem discorda totalmente sobre a forma de ser e de viver, tornando esta jornada uma grande aventura de descobertas e transformações.
O filme de Rogério Rodrigues foi exibido na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2022.
Há um pecado original na exposição inicial dos personagens de Além de Nós. Nada que comprometa essencialmente a obra, mas efetivamente retarda nossa identificação com a narrativa. Os protagonistas, Artur e Leo, são apresentados de maneira um tanto apressada e elíptica, com muitas lacunas que devem ser preenchidas (ou intuídas pelo espectador). Artur é o tio sem eira nem beira, aparentemente um gaúcho urbano que não encontra formas razoáveis e satisfatórias de conviver na solidão da vida na fazenda. A bebida é sua grande companheira e aliada. Em síntese, um péssimo exemplo a ser seguido pelo sobrinho Leo, um jovem peão de estância. O episódio da demissão de Leo é o estopim que move a narrativa. Não sabemos a razão objetiva da demissão, não sabemos se houve injustiça ou não. Portanto, a princípio, Leo não conta como nossa empatia. Ao relatar sua demissão para o pai ocorre uma discussão, único momento de interação entre os dois. A relação de Leo com o pai é aparentemente fria e conflitada. Nada que justifique plenamente, portanto, a missão que o jovem toma para si ao cumprir a qualquer custo o desejo final do falecido pai. A motivação parece frágil, ainda que represente uma espécie de acerto de contas decorrente de um sentimento de culpa.
Na condição de road movie Além de Nós é um filme de personagens em contraste com paisagens, e deste confronto a resultante é a sabedoria, o entendimento do sentido da vida e do lugar que ocupamos no mundo. Esta é a transformação que ocorre com os protagonistas, Artur e Leo. Um tema subjacente, que perpassa a narrativa, é a transformação pela qual passa o campo, em oposição ao avanço da civilização tecnológica. A lida campeira, raiz e tradicional, vem perdendo espaço, como bem comprova o peão Leo ao lamentar que a fazenda onde trabalhava optou pelo reflorestamento, abrindo mão da criação de gado no pasto. A imagem icônica de uma barreira de árvores, que interrompe a cavalgada livre do gaúcho em sua montaria, é um símbolo eloquente que representa em imagens este embate desigual.
Além de Nós é uma viagem onde o ponto de chegada está longe de ser o destino final. É apenas o início das diversas estradas da vida que estão à nossa frente.
Assista ao trailer: Além de Nós
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS