
Dirigido por Paul Feig e baseado no best-seller homônimo de Freida McFadden, A Empregada (The Housemaid) exemplifica perfeitamente o estilo característico da autora. McFadden constrói thrillers psicológicos centrados em protagonistas femininas complexas, narradoras em primeira pessoa que oscilam entre vítima indefesa, heroína vingativa e vilã manipuladora, muitas vezes ocupando essas posições simultaneamente na trama. Seu traço mais marcante é a exploração da ambiguidade moral extrema dessas mulheres, gerando tensão através de reviravoltas que desafiam a empatia do leitor (ou espectador). A autora gosta de deixar o público desconfortável com o quanto acaba torcendo por personagens moralmente questionáveis. Tanto o livro quanto sua adaptação cinematográfica capturam essa essência, tornando-se exemplos icônicos do subgênero.
A trama principal acompanha Millie Calloway (Sydney Sweeney), uma jovem com um passado turbulento e um histórico criminal que busca desesperadamente um recomeço. Ela aceita o emprego como empregada doméstica na luxuosa mansão da família Winchester, residência da instável Nina (Amanda Seyfried), seu atraente e compreensivo marido Andrew (Brandon Sklenar) e a pequena filha do casal. O que começa como uma oportunidade dos sonhos logo revela camadas de segredos sombrios, manipulações psicológicas e dinâmicas de poder perigosas. À medida que Millie se integra à rotina da casa, percebe que nada é o que parece. A fachada de família perfeita esconde tensões profundas, abusos velados e intenções dissimuladas.

Por grande parte da narrativa o filme nos conduz a um grande novelão carregado de clichês clássicos do thriller doméstico. A saber, estão lá a esposa aparentemente desequilibrada que sente perder a atenção do marido, a jovem e bela empregada que chega como intrusa sedutora e esconde um passado misterioso, e o marido charmoso que surge como o único ponto de equilíbrio aparente. Estabelece-se um triângulo amoroso onde cada vértice tem propósitos ocultos, dissimulados como mandam as regras do suspense psicológico. No entanto, o filme cumpre fielmente outra premissa básica do gênero: nada é o que parece na superfície. Há camadas e mais camadas a serem desvendadas, e a narrativa ganha cada vez mais caos e imprevisibilidade conforme avança.

As reviravoltas, especialmente no terceiro ato, são vertiginosas e superam as expectativas iniciais, entregando o tipo de choque que os fãs de McFadden adoram. O crescente suspense, no entanto, nem sempre convence. O roteiro, assinado por Rebecca Sonnenshine (em parceria com a própria Freida McFadden), parece apressado em certos momentos, acelerando o ritmo onde poderia se demorar nas sutilezas psicológicas que fazem o livro brilhar. A construção da tensão perde força pela pressa em chegar aos grandes plot twists, o que compromete um pouco a imersão. Além disso, nenhum dos personagens centrais conquista plenamente a empatia do público. Millie, Nina e Andrew são figuras por demais ambíguas, manipuladoras e falhas, o que gera uma distância emocional.

Como resultado, o espectador não torce necessariamente pelos personagens, mas pelo caos em si. Queremos ver o circo pegar fogo, as máscaras caírem e as dinâmicas explodirem em violência e revelações. Isso transforma o filme em um guilty pleasure (prazer culposo) eficiente, um entretenimento trash e exagerado que diverte pelo absurdo das reviravoltas e pelo compromisso das atuações, especialmente Seyfried, que entrega uma performance intensa e sem freios.
As forças e fraquezas do filme se ancoram em sua ambivalência. Ele é ao mesmo tempo selvagemente divertido, provocador e cheio de uma energia perversa, mas também profundamente superficial. Essa dualidade evoca um retorno consciente aos thrillers eróticos e exagerados dos anos 90. A adaptação abraça esse espírito sem pudor, mas quando tenta ser mais contida ou realista, tropeça. Ao se entregar ao exagero, ao camp e ao absurdo das reviravoltas, o filme mostra afinal a que veio e até distrai como entretenimento fugaz. Nada mais.

No fim, A Empregada funciona como uma adaptação que respeita o espírito provocador de McFadden, mas sofre com as limitações de uma transposição para o cinema que não consegue capturar todas as nuances internas do livro. Ainda assim, é um thriller que cumpre seu papel por prender a atenção, chocar na medida certa e deixar o espectador debatendo as moralidades de seus personagens. Para quem gosta de histórias que brincam com a linha entre vítima e vilão, sem oferecer respostas fáceis, o filme entrega um pacote satisfatório de tensão e entretenimento.
Assista ao trailer: A Empregada
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela