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terça-feira, 25 de junho de 2024

Corra Lola, Corra: realidades paralelas

 

O tempo corre. O tempo voa. Lá se vão 26 anos do lançamento de Corra Lola, Corra (Lola rennt) que surgiu como uma sensação mundial na temporada de 1998. Antes de chegar às salas de cinema a produção alemã recebeu diversos prêmios na terra natal. Depois percorreu o circuito internacional dos festivais de cinema onde conquistou prestígio, visibilidade e arrebatou, entre outros, o Prêmio da Audiência de Melhor Filme no Sundance Festival.

Produto cinematográfico característico do contexto audiovisual dos anos 90, Corra Lola, Corra é filho direto da geração MTV. O diretor Tom Tykwer bebeu nesta fonte para imprimir o ritmo vertiginoso da produção, um misto de comédia, drama policial e thriller de suspense. Tudo junto e misturado em uma narrativa acelerada e urgente.


Nos créditos de abertura surge uma citação do poeta e dramaturgo norte-americano T. S. Eliot, que se refere ao eterno recomeço do ser humano, que volta sempre ao ponto de partida na busca do conhecimento. Na sequência, a trilha sonora eletrônica, ritmada e compassada, como a marcação da passagem dos segundos, minutos e horas. De pronto ficam estabelecidos os dois temas centrais: o destino e o tempo – e como ambos podem se entrelaçar subvertendo a percepção da realidade. Há uma questão filosófica embutida aí, mas o filme de Tykwer passa longe de qualquer abordagem intelectualizada. Corra Lola, Corra acima de tudo é divertido, com uma narrativa criativa que captura de imediato a atenção e o interesse do espectador. 

Um telefone toca. Lola atende. Do outro lado da linha a voz atormentada do seu namorado Manni clama desesperadamente por ajuda. É uma situação limite, de vida ou morte. A não ser que Lola consiga 100 mil marcos alemães em 20 minutos Manni será morto pelos membros da sua gangue, pois ele perdeu o valor de uma transação de drogas ao esquecer a sacola com o dinheiro no trem do metrô. O tempo urge. Lola precisa correr para solucionar o problema e salvar a pele do namorado.


O plot, simples e básico, se desenrola em círculos ao propor diferentes desenvolvimentos que levam a distintos desfechos. Um eterno recomeço com pequenas variáveis ditadas pelo aleatório ou, quem sabe, pelas insistentes tentativas e erros, até a resolução satisfatória. A jornada de Lola é um constante aprendizado, que propõe simultaneamente três linhas de tempo, tal um videogame, cujas escolhas determinam os caminhos futuros. Não há exatamente uma resposta correta, apenas opções a serem feitas. A teoria do caos e a teoria das cordas são ingredientes que Tom Tykwer coloca a serviço da sua narrativa acelerada, promovendo uma mistura filosófico-científica de caráter erudito e popular, porém, sem hermetismo para as massas. A proposta, antes de qualquer coisa, é a diversão. 

A pergunta seminal recorrente em Corra Lola, Corra é: e se? E se Lola não conseguir o dinheiro? E se Lola não chegar a tempo? E se Lola conseguir o dinheiro em 20 minutos, mas algo muito errado acontece no final? E se tudo correr bem, mas não exatamente da maneira esperada? E se tudo isto fosse apresentado em linhas temporais simultâneas, com o mesmo início, mas finais alternativos?


Em Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, temos um exemplo de narrativas conflitantes de diferentes personagens sobre o mesmo fato, e em Feitiço do Tempo (1993), de Harold Ramis, temos um exemplo de narrativa com eterno recomeço. Corra Lola, Corra ressignifica estas duas perspectivas com uma produção que usa e abusa de recursos de linguagem muito identificados com os videoclipes musicais: montagem acelerada, música pop, desenho animado, humor, universo jovem, personagens descolados, cores fortes e estética urbana. 

O protagonismo de uma personagem feminina é algo a se destacar. O filme de Tykwer antecipou, a sua maneira, um movimento que viria a se estabelecer com maior prevalência nestas mais de duas décadas desde o lançamento no final do século passado. Ao colocar a garota na posição de heroína que salva o homem, Corra Lola, Corra subverte uma tradição do cinema popular. A atriz protagonista Franka Potente, por sua vez é uma força da natureza. Seu poderoso desempenho carrega o filme nas costas.


Terceiro longa-metragem dirigido por Tom Tykwer (1965), Corra Lola, Corra abriu as portas do cinema internacional para o realizador. Em 2002 Tykwer dirigiu o drama Paraíso, com Cate Blanchett e Giovanni Ribisi. Assinou um dos episódios de Paris, Te Amo e foi escolhido para dirigir a aguardada adaptação do livro best seller Perfume: A História de Um Assassino, com Dustin Hoffman e Alan Rickman, ambos em 2006. Na sequência fez o drama de espionagem Trama Internacional (2009), com Clive Owen e Naomi Watts. Em 2012 codirigiu com as irmãs Wachowski a ficção científica A Viagem, estrelada por Tom Hanks, Halle Berry e Hugh Grant. Mais recentemente, Tom Tykwer tem se dedicado às séries de TV, como Sense8 e Babylon Berlin.

Assista ao trailer: Corra Lola, Corra


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com