O tempo corre. O
tempo voa. Lá se vão 26 anos do lançamento de Corra Lola, Corra
(Lola rennt) que surgiu como uma sensação mundial na temporada de 1998. Antes
de chegar às salas de cinema a produção alemã recebeu diversos prêmios na terra
natal. Depois percorreu o circuito internacional dos festivais de cinema onde
conquistou prestígio, visibilidade e arrebatou, entre outros, o Prêmio da
Audiência de Melhor Filme no Sundance Festival.
Produto
cinematográfico característico do contexto audiovisual dos anos 90, Corra
Lola, Corra é filho direto da geração MTV. O diretor Tom Tykwer bebeu nesta
fonte para imprimir o ritmo vertiginoso da produção, um misto de comédia, drama
policial e thriller de suspense. Tudo junto e misturado em uma narrativa
acelerada e urgente.
Nos créditos de
abertura surge uma citação do poeta e dramaturgo norte-americano T. S. Eliot,
que se refere ao eterno recomeço do ser humano, que volta sempre ao ponto de
partida na busca do conhecimento. Na sequência, a trilha sonora eletrônica,
ritmada e compassada, como a marcação da passagem dos segundos, minutos e
horas. De pronto ficam estabelecidos os dois temas centrais: o destino e o
tempo – e como ambos podem se entrelaçar subvertendo a percepção da realidade.
Há uma questão filosófica embutida aí, mas o filme de Tykwer passa longe de
qualquer abordagem intelectualizada. Corra Lola, Corra acima de tudo é divertido,
com uma narrativa criativa que captura de imediato a atenção e o interesse do
espectador.
Um telefone toca.
Lola atende. Do outro lado da linha a voz atormentada do seu namorado Manni
clama desesperadamente por ajuda. É uma situação limite, de vida ou morte. A
não ser que Lola consiga 100 mil marcos alemães em 20 minutos Manni será morto
pelos membros da sua gangue, pois ele perdeu o valor de uma transação de drogas
ao esquecer a sacola com o dinheiro no trem do metrô. O tempo urge. Lola
precisa correr para solucionar o problema e salvar a pele do namorado.
O plot, simples e
básico, se desenrola em círculos ao propor diferentes desenvolvimentos que
levam a distintos desfechos. Um eterno recomeço com pequenas variáveis ditadas
pelo aleatório ou, quem sabe, pelas insistentes tentativas e erros, até a
resolução satisfatória. A jornada de Lola é um constante aprendizado, que
propõe simultaneamente três linhas de tempo, tal um videogame, cujas escolhas
determinam os caminhos futuros. Não há exatamente uma resposta correta, apenas
opções a serem feitas. A teoria do caos e a teoria das cordas são ingredientes
que Tom Tykwer coloca a serviço da sua narrativa acelerada, promovendo uma
mistura filosófico-científica de caráter erudito e popular, porém, sem
hermetismo para as massas. A proposta, antes de qualquer coisa, é a diversão.
A pergunta seminal
recorrente em Corra Lola, Corra é: e se? E se Lola não conseguir o
dinheiro? E se Lola não chegar a tempo? E se Lola conseguir o dinheiro em 20
minutos, mas algo muito errado acontece no final? E se tudo correr bem, mas não
exatamente da maneira esperada? E se tudo isto fosse apresentado em linhas
temporais simultâneas, com o mesmo início, mas finais alternativos?
Em Rashomon
(1950), de Akira Kurosawa, temos um exemplo de narrativas conflitantes de
diferentes personagens sobre o mesmo fato, e em Feitiço do Tempo (1993),
de Harold Ramis, temos um exemplo de narrativa com eterno recomeço. Corra
Lola, Corra ressignifica estas duas perspectivas com uma produção que usa e
abusa de recursos de linguagem muito identificados com os videoclipes musicais: montagem
acelerada, música pop, desenho animado, humor, universo jovem, personagens
descolados, cores fortes e estética urbana.
O protagonismo de
uma personagem feminina é algo a se destacar. O filme de Tykwer antecipou, a
sua maneira, um movimento que viria a se estabelecer com maior prevalência
nestas mais de duas décadas desde o lançamento no final do século passado. Ao
colocar a garota na posição de heroína que salva o homem, Corra Lola, Corra
subverte uma tradição do cinema popular. A atriz protagonista Franka Potente,
por sua vez é uma força da natureza. Seu poderoso desempenho carrega o filme
nas costas.
Terceiro
longa-metragem dirigido por Tom Tykwer (1965), Corra Lola, Corra abriu
as portas do cinema internacional para o realizador. Em 2002 Tykwer dirigiu o
drama Paraíso, com Cate Blanchett e Giovanni Ribisi. Assinou um dos
episódios de Paris, Te Amo e foi escolhido para dirigir a aguardada
adaptação do livro best seller Perfume: A História de Um Assassino, com
Dustin Hoffman e Alan Rickman, ambos em 2006. Na sequência fez o drama de espionagem
Trama Internacional (2009), com Clive Owen e Naomi Watts. Em 2012 codirigiu
com as irmãs Wachowski a ficção científica A Viagem, estrelada por Tom
Hanks, Halle Berry e Hugh Grant. Mais recentemente, Tom Tykwer tem se dedicado
às séries de TV, como Sense8 e Babylon Berlin.
Assista ao trailer: Corra Lola, Corra
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com