O
mais recente filme do prolífico e contundente Luca Guadagnino, Depois da
Caçada (After the hunt, 2025), traz todas as marcas reconhecíveis de
sua filmografia: desejo reprimido, moralidade flexível, rebeldia criativa e um
certo inconformismo iconoclasta. Ainda assim, é um trabalho que se distancia
emocionalmente de obras anteriores, como Rivais, Queer e o
subestimado Até os Ossos. Aqui, o diretor parece interessado menos em
como amamos e mais em como pensamos sobre o amor, o poder e o julgamento. Depois
da Caçada é um filme cerebral, provocativo e, por vezes, deliberadamente
desconfortável.
A
história gira em torno de Alma (Julia Roberts), professora de filosofia em
Yale, cuja vida pessoal e profissional começam a desmoronar após uma série de
pequenas fraturas éticas e afetivas. Casada com Frederik (Michael Stuhlbarg),
um intelectual espirituoso que aceita com humor o fato de amar mais do que é
amado, Alma atrai o interesse de Hank (Andrew Garfield), colega de departamento
e espécie de rebelde acadêmico, além da admiração fervorosa de Maggie (Ayo
Edebiri), sua aluna de doutorado. Essas relações, que se iniciam como trocas
intelectuais e afetivas, tornam-se o epicentro de um jogo de poder que expõe a
fragilidade das máscaras morais que sustentam o meio universitário.

Guadagnino
transforma esse microcosmo acadêmico num campo de batalha de ideias e
ressentimentos. O campus, com seus corredores frios e salas iluminadas por luz
difusa, torna-se um cenário quase clínico, onde as emoções são dissecadas com precisão
cirúrgica. O filme oscila entre a sátira e o drama psicológico, mostrando
personagens que confundem retórica com ética e que se protegem atrás de
discursos sofisticados, enquanto suas vidas pessoais se desintegram.
É
revigorante ver um filme de Hollywood voltado a adultos, que aborda com
seriedade temas como feminismo, cultura do cancelamento, política de identidade
e diferença geracional. Mas “Depois da Caçada” é, em muitos momentos,
mais admirável do que envolvente. Guadagnino parece tão interessado em discutir
as contradições de nosso tempo que esquece de nos fazer sentir o impacto humano
dessas contradições. Seu filme quer ser uma radiografia moral do presente, mas
por vezes soa como uma tese filmada: brilhante, provocante, porém
emocionalmente árida.

Julia
Roberts, no entanto, sustenta todo este peso com uma presença magnética. Ela
está em quase todos os 139 minutos, e sua performance é o eixo em torno do qual
o caos gira. É um tour de force, daqueles que costumam render indicações
a prêmios, e, ainda que o roteiro lhe ofereça mais ideias do que emoções,
Roberts encontra humanidade até nas contradições mais duras de Alma.

Com
ecos de um ceticismo sofisticado à la Woody Allen, mas sem o alívio da
comédia, Depois da Caçada é um filme que pensa demais e sente de menos.
É cinema de conceito, não de catarse. Admirável na construção, mas frustrante
na entrega. Uma experiência que nos desafia, mas nos toca com pouca paixão.
Assista ao trailer: Depois da Caçada
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela