Uma ironia
dolorosa resume a vida de Christopher Reeve. O ator que construiu o mito em
torno de si ao interpretar um super-herói com poderes praticamente ilimitados, dentre
eles a capacidade de voar, teve seu destino final em vida restrito e
imobilizado em uma cadeira de rodas, com limitadíssima capacidade motora. O
homem de aço do cinema encontrou sua kriptonita na vida real ao sofrer a
trágica queda de um cavalo em 1995.
Vinte anos após
sua morte a trajetória do ator é retratada no emocionante e sensível documentário
Super/Man: A História de Christopher Reeve (Super/Man: The
Christopher Reeve Story, 2024), uma realização da dupla Ian Bonhôte e Peter
Ettedgui que teve sua primeira exibição mundial no Sundance Film Festival, em
janeiro deste ano. Após a repercussão extremamente positiva na audiência, a
produção atraiu a atenção dos grandes players do mercado. Os direitos de
distribuição foram adquiridos pelas gigantes Warner, DC Studios, HBO e CNN
Films, o que garante uma grande circulação e visibilidade da obra.
O filme faz uma
ampla crônica da carreira artística de Christopher Reeve, desde os primeiros
tempos de ator iniciante, na escola de teatro, passando por sua ascensão à
galeria dos mais renomados atores de Hollywood em sua época, até seus últimos
momentos de vida, em 2004. Dentro desta trajetória destacam-se os dois momentos
mais significativos da sua vida pública: a escolha para interpretar o disputadíssimo
papel de Superman, no filme de 1978, e o terrível acidente que o deixou
tetraplégico até o fim da vida. Estes dois episódios formam o eixo narrativo
sob o qual se constrói o documentário.
O roteiro de Super/Man
é constituído de imagens de arquivo, registros de vídeos domésticos, áudios do
próprio ator e entrevistas com familiares e amigos mais íntimos. Este material
é utilizado pelos realizadores de maneira não cronológica. A edição propõe
saltos narrativos que levam o espectador alternativamente para trás e para a frente, em termos de linha do tempo da vida de Christopher Reeve. Esta
técnica proporciona um dinamismo que imprime um ritmo que distancia o
documentário de um tradicional registro jornalístico.
O ambiente familiar
do ator, antes e após o acidente, também é bastante explorado em Super/Man,
com participação dos filhos, já adultos, em depoimentos emocionados e tocantes,
relembrando a figura do pai com o qual só conviveram quando ainda eram crianças. As duas companheiras
que Christopher Reeve teve também registram sua presença, em espacial Dana
Reeve, com quem estava casado à época do acidente, e que ficou a seu lado até
os últimos dias. Juntos criaram a “Fundação Christopher & Dana Reeve”, que
atua no estímulo à pesquisa científica visando a cura ou à melhoria da
qualidade de vida das pessoas com paralisia. Atualmente os filhos estão à
frente na gestão da Fundação, ainda ativa e influente.
As relações de
Christopher Reeve com outros artistas, diretores e produtores de Hollywood
revelam um ator com livre trânsito e muita consideração por parte de seus
colegas de trabalho. Sabe-se que este tipo de amizade profissional costuma ser
superficial e motivada por interesses momentâneos. No entanto, uma amizade
muito intensa e verdadeira surgiu entre Christopher Reeve e Robin Williams.
Ambos foram colegas de apartamento nos tempos das vacas magras, quando tentavam
uma oportunidade em grandes produções. A ascensão dos dois foi simultânea e
fortaleceu um poderoso elo de cumplicidade. Super/Man abre espaço para
contar um pouco desta amizade verdadeira, que inclusive se intensificou após o
acidente. Robin Williams, que nunca abandonou Christopher Reeve, esteve sempre
a seu lado, tentando levar alegria e leveza à vida do ator quando a escuridão
mostrava sua assustadora face. Tragicamente, exatos dez anos após a morte do
amigo, o próprio Robin Williams deu fim à sua vida. O documentário não trata diretamente
deste tema, embora faça uma breve e contundente referência em uma fala da atriz
Susan Sarandon.
Super/Man não foge das
armadilhas sentimentais que filmes deste tipo enfrentam. Há que se convir, no
entanto, que não haveria de ser diferente, dada a natureza da personagem
retratada e seu devastador fim de carreira e morte. Os realizadores evitam a
manipulação fácil das emoções, ainda que seja inevitável o apelo às lágrimas em
determinadas passagens, como os discursos de despedida de Robin Williams e Dana
Reeves. O paralelo entre o homem e o mito, o ator e o super-herói, estão constantemente
presentes na abordagem, muito bem sintetizado no jogo de palavras criado para o
título original: Super/Man. O documentário é um registro necessário, honesto e
sincero, que confirma que os grandes confrontos não ocorrem apenas na ficção
dos duelos entre super-heróis e vilões dos quadrinhos. Grandes combates também
são travados vida real, na luta eterna entre o ser humano e a inevitabilidade
do seu fim. Como homem e como super-herói, Christopher Reeve foi gigante em todas
suas batalhas.
Assista ao trailer: Super/Man – A História de Christopher
Reeve
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela