Mostrando postagens com marcador Documentário. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Documentário. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Super/Man – A História de Christopher Reeve: retrato de um herói

Uma ironia dolorosa resume a vida de Christopher Reeve. O ator que construiu o mito em torno de si ao interpretar um super-herói com poderes praticamente ilimitados, dentre eles a capacidade de voar, teve seu destino final em vida restrito e imobilizado em uma cadeira de rodas, com limitadíssima capacidade motora. O homem de aço do cinema encontrou sua kriptonita na vida real ao sofrer a trágica queda de um cavalo em 1995.

Vinte anos após sua morte a trajetória do ator é retratada no emocionante e sensível documentário Super/Man: A História de Christopher Reeve (Super/Man: The Christopher Reeve Story, 2024), uma realização da dupla Ian Bonhôte e Peter Ettedgui que teve sua primeira exibição mundial no Sundance Film Festival, em janeiro deste ano. Após a repercussão extremamente positiva na audiência, a produção atraiu a atenção dos grandes players do mercado. Os direitos de distribuição foram adquiridos pelas gigantes Warner, DC Studios, HBO e CNN Films, o que garante uma grande circulação e visibilidade da obra.


O filme faz uma ampla crônica da carreira artística de Christopher Reeve, desde os primeiros tempos de ator iniciante, na escola de teatro, passando por sua ascensão à galeria dos mais renomados atores de Hollywood em sua época, até seus últimos momentos de vida, em 2004. Dentro desta trajetória destacam-se os dois momentos mais significativos da sua vida pública: a escolha para interpretar o disputadíssimo papel de Superman, no filme de 1978, e o terrível acidente que o deixou tetraplégico até o fim da vida. Estes dois episódios formam o eixo narrativo sob o qual se constrói o documentário.


O roteiro de Super/Man é constituído de imagens de arquivo, registros de vídeos domésticos, áudios do próprio ator e entrevistas com familiares e amigos mais íntimos. Este material é utilizado pelos realizadores de maneira não cronológica. A edição propõe saltos narrativos que levam o espectador alternativamente para trás e para a frente, em termos de linha do tempo da vida de Christopher Reeve. Esta técnica proporciona um dinamismo que imprime um ritmo que distancia o documentário de um tradicional registro jornalístico.


O ambiente familiar do ator, antes e após o acidente, também é bastante explorado em Super/Man, com participação dos filhos, já adultos, em depoimentos emocionados e tocantes, relembrando a figura do pai com o qual só conviveram quando ainda eram crianças. As duas companheiras que Christopher Reeve teve também registram sua presença, em espacial Dana Reeve, com quem estava casado à época do acidente, e que ficou a seu lado até os últimos dias. Juntos criaram a “Fundação Christopher & Dana Reeve”, que atua no estímulo à pesquisa científica visando a cura ou à melhoria da qualidade de vida das pessoas com paralisia. Atualmente os filhos estão à frente na gestão da Fundação, ainda ativa e influente.


As relações de Christopher Reeve com outros artistas, diretores e produtores de Hollywood revelam um ator com livre trânsito e muita consideração por parte de seus colegas de trabalho. Sabe-se que este tipo de amizade profissional costuma ser superficial e motivada por interesses momentâneos. No entanto, uma amizade muito intensa e verdadeira surgiu entre Christopher Reeve e Robin Williams. Ambos foram colegas de apartamento nos tempos das vacas magras, quando tentavam uma oportunidade em grandes produções. A ascensão dos dois foi simultânea e fortaleceu um poderoso elo de cumplicidade. Super/Man abre espaço para contar um pouco desta amizade verdadeira, que inclusive se intensificou após o acidente. Robin Williams, que nunca abandonou Christopher Reeve, esteve sempre a seu lado, tentando levar alegria e leveza à vida do ator quando a escuridão mostrava sua assustadora face. Tragicamente, exatos dez anos após a morte do amigo, o próprio Robin Williams deu fim à sua vida. O documentário não trata diretamente deste tema, embora faça uma breve e contundente referência em uma fala da atriz Susan Sarandon.


Super/Man não foge das armadilhas sentimentais que filmes deste tipo enfrentam. Há que se convir, no entanto, que não haveria de ser diferente, dada a natureza da personagem retratada e seu devastador fim de carreira e morte. Os realizadores evitam a manipulação fácil das emoções, ainda que seja inevitável o apelo às lágrimas em determinadas passagens, como os discursos de despedida de Robin Williams e Dana Reeves. O paralelo entre o homem e o mito, o ator e o super-herói, estão constantemente presentes na abordagem, muito bem sintetizado no jogo de palavras criado para o título original: Super/Man. O documentário é um registro necessário, honesto e sincero, que confirma que os grandes confrontos não ocorrem apenas na ficção dos duelos entre super-heróis e vilões dos quadrinhos. Grandes combates também são travados vida real, na luta eterna entre o ser humano e a inevitabilidade do seu fim. Como homem e como super-herói, Christopher Reeve foi gigante em todas suas batalhas.

Assista ao trailer: Super/Man – A História de Christopher Reeve

 

Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela

sábado, 7 de maio de 2022

De Olhos Abertos


 

por Alexandre Derlam


De Olhos Abertos

“Quando os integrantes do Boca se reúnem, eles formam uma roda. Ninguém fica na frente ou atrás de ninguém. Todos podem se olhar nos olhos da mesma distância. Em 18 anos de vida, passamos por muita coisa juntos. JUNTOS, essa é a palavra que nos define...”.

Este texto é apresentado na abertura do documentário De Olhos Abertos. A cena em questão é uma reunião das pessoas em situação de rua que produzem e vendem o seu próprio jornal, o “Boca de Rua”, único no mundo. Os participantes formam uma roda e a jornalista Rosina Duarte, uma das criadoras do Boca de Rua, compartilha o texto em voz alta. Rosina exerce um papel como figura central na história. Em suas conversas com o grupo vamos conhecendo os moradores de rua integrantes do Boca. Um misto formado por relatos, registros da vida e até da rotina destes moradores e suas representações. Manifestações contundentes e reveladoras. Com potencial para nos fazer pensar: Como a gente os vê? De onde a gente olha? Quais relações criamos e como reagimos?


A narrativa se apoia nos depoimentos e olhares dos integrantes do Boca de Rua. Suas impressões sobre a cidade, o cotidiano e o valor do trabalho realizado com o jornal. Junto aos depoimentos e conversas, está a constante observação da câmera. Acompanhando os moradores pelas ruas. Enquanto oferecem o jornal, dormem, brincam e se alimentam. Vemos repetitivamente calçadas e seus buracos. Lages quebradas numa demonstração de abandono. Durante as reuniões todos são participantes ativos. Discutem e debatem os temas definindo as escolhas de pautas, matérias e fotos. Conferem e aprovam capas e edições. De forma democrática e participativa, cabendo sempre a Rosina mediar as conversas e desavenças.  Há espaço para contestação e indignação. Mas as regras estabelecidas são cumpridas. Alguns dos personagens ganham mais evidência. Seja na eloquência de seus relatos e pensamentos (caso específico de Anderson). Ele se inscreveu no vestibular da UFRGS e foi aprovado. Inteligente e questionador, Anderson se destaca entre os depoimentos ao longo dos 112 min de projeção.

Há também um simpático e diplomático candidato a vereador. O camarada é um sonhador como ele mesmo diz. Seus recursos de oratória e visual caprichado (o tempo todo vestindo blaser e gravata) conferem uma certa nobreza, espontaneidade e bom humor. A propósito o alto astral está presente em boa parte do filme. Uma empatia natural que emana da tela. E este é apenas um entre outros pontos positivos da produção. Capaz de dar voz a todos e todas com sensibilidade, carinho e respeito (sem apelar a vitimismo ou fazer uso de dados assistenciais ou sentimentais) e sim dialogando com o espectador. Permitindo suas reações e reflexões.


Em uma dinâmica com fluência de imagens e som. De Olhos Abertos possui dois fundamentos muito importantes e que podem ser identificados com uma observação mais próxima. A montagem é assinada pela diretora Charlotte Dafol e por Alfredo Barros. Sendo coerente e precisa. Alfredo é um nome conhecido e atuante no meio cinematográfico. Um montador experiente que também atua como professor de cinema. Uma outra atração a parte é a trilha sonora a cargo do trio de compositores Rafael Sarmento, Marcelo Cougo e Paulo Bettanzos. Além de funcionar organicamente, fornece ritmo e contagia a plateia, colaborando nas passagens e transições ao longo da projeção. Sem esquecer a contribuição do trabalho de desenho de som realizado por Juan Quintáns.


O filme vem construindo uma carreira significativa com sessões culturais, sociais e principalmente obtendo justa notoriedade e reconhecimento em premiações. Foi selecionado em diversos festivais nacionais e internacionais. Fruto da proximidade e entrosamento da diretora com os entrevistados. Da capacidade de demonstrar uma visão intima de classe. Se por um lado De Olhos Abertos não apresenta experimentação com a linguagem, suas boas escolhas são acessíveis e familiares ao público. Como resultado principal, o filme nos devolve um pouco da esperança e da crença em espaços sociais onde possamos coexistir. Com mais coletividade e sendo plurais.