terça-feira, 5 de setembro de 2017
domingo, 27 de agosto de 2017
“Maratona da Morte”: fuga do passado
No rastro surgiu uma leva de filmes que mesclavam
tramas policiais e conspirações políticas, como A Conversação (1974), de
Francis Ford Coppola; A Trama (1974), de Alan J. Pakula; a sequência Operação França II (1975), de John Frankenheimer; Os Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, e Todos os Homens do Presidente (1976), também de
Pakula. Vale reparar: todos dirigidos por cineastas do primeiro time. Uma
comprovação de prestígio do gênero suspense / thriller naquele período.
Foi neste contexto que surgiu Maratona da Morte.
Com roteiro escrito por William Goldman, a partir de seu próprio livro, o filme
de John Schlesinger apresenta uma intrincada trama internacional de espionagem
que mistura espiões com nazistas escondidos na América do Sul, a exemplo de
Joseph Mengele, que viveu muitos anos incógnito no Brasil. O filme sugere que a
custa de muitos diamantes os nazistas foragidos negociam sua liberdade com
agentes de espionagem que atuam à margem do sistema.
O personagem principal é Thomas “Babe” Levy (Dustin
Hoffman), jovem estudante universitário de História, e maratonista nas horas
vagas, que desenvolve uma tese sobre o período do Macartismo (do senador Joseph
McCarthy) para provar a inocência do pai, que cometeu suicídio após ser
perseguido e expulso da universidade. Seu irmão é Henry “Doc” Levy (Roy
Scheider), que se apresenta como negociante do mercado de petróleo, mas na
verdade é agente secreto de uma agência ultrassecreta, paralela ao governo,
chamada “A Divisão”. Suas ligações perigosas com o contrabando de diamantes,
fruto de roubo dos nazistas da Segunda Guerra, acabam por levar Henry à morte.
O culpado foi o carrasco nazista Dr. Christian Szell (Laurence Olivier), antigo
dentista da SS que prestava serviço no campo de concentração de Auschwitz. Com
receio de ser descoberto, Szell passa então a perseguir e torturar o inocente
irmão do espião, “Babe”, para descobrir o que ele realmente sabe de toda a
trama.
A sequência de abertura de Maratona da Morte já
sugere o tema central da narrativa: a superação. As cenas iniciais mostram
imagens do célebre maratonista etíope Abebe Bikila nos Jogos Olímpicos de Roma,
em 1960, que venceu a prova da Maratona correndo de pés descalços. Um símbolo
de heroísmo, determinação e superação. O personagem de Dustin Hoffman encarna
um fracassado, um looser, em oposição
à imagem de requintado, bon vivant e
bem sucedido que o irmão “Doc” transmite. “Babe” é de outra turma, ligado aos
livros e estudos, no entanto, constantemente assombrado pelas memórias do
trágico destino do pai suicida. Neste sentido, a maratona na vida de “Babe” é
uma metáfora para a necessidade permanente de superação de limites.
Involuntariamente envolvido num perigoso jogo de
poderosos, “Babe” de uma hora para outra vê sua vida colocada do avesso. Num
piscar de olhos passa a tratar com espiões, assassinos e carrascos
torturadores. Chega, portanto, o
inevitável momento de amadurecimento, de libertação do passado. Ele, estudante
de História, conflitado pela necessidade de revisão da verdadeira história do
seu pai, se depara com a História em pessoa, na figura do nazista foragido.
Oportunidade única de fazer justiça (e História) com as próprias mãos. E,
ironia suprema, valendo-se da própria arma utilizada pelo pai no suicídio.
“É
seguro?”
Suspense e tensão são magistralmente manipulados
por John Schlesinger na condução do ritmo do longa. Nada é óbvio, nada é o que
parece ser à primeira vista. A dissimulação é uma arma estratégica muito bem
utilizada por todos os personagens, sejam quais forem suas posições no jogo. E
o espectador é envolvido lentamente conforme a narrativa evolui. Quanto mais a
trama vai se desenvolvendo, mais elementos são acrescentados, estabelecendo
novas conexões e inusitados desfechos. Enfim, a matriz perfeita de uma trama
bem elaborada.
Maratona da Morte é extremamente eficaz como
thriller de suspense, e duas sequências em particular se destacam: o ataque no
banheiro e a sessão de tortura. A primeira lida magistralmente com o medo e a
tensão com o desconhecido ao colocar o personagem de Dustin Hoffman num
relaxante banho de banheira enquanto assassinos invadem seu apartamento. A
segunda sequência é a famosa e impactante tortura do dentista Szell manipulando
os dentes de um apavorado Dustin Hoffman, sem anestesia. O sádico nazista
pergunta repetidamente: “É seguro?”. Aqui, vale um registro para o desempenho
magistral de Laurence Olivier que faz diversas inflexões da pergunta “É
seguro?”, cada uma delas de forma distinta. Coisa de mestre.
Este filme marcou um reencontro de Dustin Hoffman
com o diretor John Schlesinger, sete anos após Perdidos na Noite. A escolha
do ator para interpretar um jovem universitário causou algumas críticas na
época, pois parecia um claro equívoco em razão da idade do ator na ocasião.
Como um ator de quase 40 anos poderia interpretar um jovem? Mas, o fato é que
deu certo, assim como ocorreu quando Hoffman foi escalado para A Primeira
Noite de um Homem. O restante do elenco principal de Maratona da Morte dá um
clima internacional à produção. Além do inglês Laurence Olivier, também está a
atriz suíça Marthe Keller (Domingo Negro), que na época não sabia falar
inglês, interpretando apenas reproduzindo os fonemas. Recentemente a atriz foi
vista em Amnésia, de Barbet Schroeder.
A fotografia de Conrad L. Hall e a música de
Michael Small contribuem decisivamente para o ótimo resultado final de Maratona da Morte, sem falar, é claro, das belas locações nas ruas de Nova
Iorque que trazem um tom quase documental de registro das ruas, pontes, parques
e becos de um momento bem específico da metrópole.
Assista o trailer: Maratona da Morte
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD
Magazine em novembro de 2016)
Jorge Ghiorzi
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
“O Estranho que Nós Amamos”: jogo de conquista e sedução
As duas versões de O Estranho que Nós Amamos estão separadas no tempo por 46 anos. De
1971, quando foi lançada a primeira versão dirigida por Don Siegel, até 2017,
quando o remake de Sofia Coppola chega às telas, os tempos definitivamente são
outros. O mundo mudou bastante e novos comportamentos foram assimilados. Todo
este caldo de cultura social está presente neste novo olhar feminino sobre uma
história de desejo, manipulação e exercício de poder.
Vamos aos fatos. A história de O Estranho que Nós Amamos
(The Beguiled) se passa na Virginia (EUA) em 1864, no período da Guerra Civil.
Um cabo das tropas da União, John McBurney (Colin Farrell), é ferido em combate
e encontrado em um bosque, à beira da morte, pela jovem Amy (Oona Laurence).
Ela o leva para a casa onde mora, uma internato de mulheres gerenciado por
Martha Farnsworth (Nicole Kidman). Inicialmente a contragosto as mulheres
decidem cuidá-lo até que se recupere e seja entregue às autoridades. No período
em que se recupera, McBurney, na condição de único homem da casa, começa a
despertar interesses e desejos nas mulheres, especialmente na professora Edwina
(Kirsten Dunst), na aluna adolescente Alicia (Elle Fanning) e também na própria
Martha. Um jogo de conquista e sedução se estabelece entre as moradoras da casa
e o soldado ferido.
Somos introduzidos no universo privado daquelas
mulheres como se estivéssemos entrando num conto de fadas. A jovem que percorre
os bosques para colher cogumelos seria a chapeuzinho vermelho que encontra o
lobo sedutor que haverá de romper o equilíbrio daquele mundo à parte
representado pelo internato. Um santuário imune e intocado pela violência da
guerra que explode além dos muros que cercam a propriedade. Aquelas mulheres
confinadas vivem um simulacro da alegoria da Caverna de Platão na qual a inesperada
presença de um homem liberta sentimentos reprimidos por um ambiente opressivo.
Uma diferença fundamental e determinante entre as
duas versões de O Estranho que Nós Amamos
é a variação do foco narrativo. A produção original de Don Siegel era
manifestamente centrada e conduzida a partir da personagem masculina
(interpretada por Clint Eastwood). Já na versão de Sofia Coppola o protagonismo
do olhar e das ações é inteiramente do coletivo das mulheres (não há o protagonismo
destacado de nenhuma delas). Esta alteração de registro redefiniu a
significação original de uma passagem decisiva da história: o episódio da
amputação que assume a conotação metafórica de uma castração.
Mais uma vez Sofia Coppola exibe sensibilidade para
criar ambientes esteticamente muito bem fotografados utilizando com talento a alternância
de luz e sombra, que aproxima seu trabalho da técnica do ‘chiaroscuro’
(claro-escuro), muito utilizada na pintura renascentista do século XV. Apesar
de seus 46 anos, pode-se dizer que Sofia é uma espécie de cineasta barroca em
pleno século XXI.
Outra opção de risco da diretora, que se mostrou adequada,
foi a decisão de não explicitar graficamente as sequências mais sensuais. Se na
versão de 1971 Don Siegel foi assumidamente carnal nas relações do soldado com
as mulheres (especialmente na sequência de sexo entre Clint Eastwood e
Geraldine Page), na refilmagem Sofia Coppola foi mais indireta e sutil, amenizando
o potencial erótico das sequências.
Comparações entre filme original e refilmagem são
inevitáveis. Mas com O Estranho que Nós
Amamos estamos diante de um caso onde as duas versões são admiráveis. Cada
uma em seu tempo, são retratos de uma época.
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
“O Filme da Minha Vida”: memórias de cinema
Terceiro longa-metragem dirigido por Selton Mello, O
Filme da Minha Vida chega às telas confirmando as virtudes e os vícios
do realizador, que demonstra especial predileção por histórias minimalistas centradas
em personagens sufocados por crises pessoais, narradas com sensibilidade e apuro
técnico. Assim como em O Palhaço, lançado
em 2011, mais uma vez a figura do pai volta a ocupar importante papel na dramaturgia
da história. A coincidência foi meramente circunstancial tendo em vista que o
próprio autor da obra original, o escritor chileno Antonio Skármeta, escolheu
Selton para dirigir a versão cinematográfica do livro “Um Pai de Cinema”. Se
naquele trabalho de seis anos atrás o realizador tratou da temática paterna com
um olhar de comédia e eventuais toques dramáticos, desta vez virou a chave,
assumindo o drama intimista com ocasionais escapes cômicos.
O
Filme da Minha Vida é o filme das
memórias afetivas do narrador que revisita seu passado para refletir sobre os
significados e valores de sua existência. O passado pode ser um velho filme
preto e branco de John Ford, ou talvez uma velha Maria-fumaça percorrendo os
trilhos de bucólicas paisagens. Estas são metáforas que evocam o passado do
protagonista. Filho de pai francês (Vincent Cassel) e mãe brasileira, Tony
Terranova (Johnny Massaro) é um jovem professor de francês no colégio de uma
pequena cidade do interior na fronteira gaúcha. Um dia seu pai some de casa, abandona
a família sem deixar nenhuma explicação. Enquanto sofre pela repentina ausência
do pai, Tony precisa lidar com a passagem para a vida adulta. Seu grande
companheiro de jornada, e ombro amigo nas horas difíceis, é Paco (Selton
Mello), que faz às vezes a função de mentor e pai substituto. Enquanto aguarda
o improvável retorno do pai, Tony se dedica às suas grandes paixões: o cinema, a
poesia e as mulheres.
Filmado em locações na serra gaúcha, O Filme da Minha Vida exibe uma
exuberante paisagem natural lindamente fotografada pelo mestre Walter Carvalho,
esmero que também se verifica caprichada direção de arte que reproduz com
riqueza de detalhes o modo de vida, os figurinos e os ambientes de uma pequena
cidade do interior nos anos 60.
Neste novo trabalho Selton Mello volta a exibir um
cinema sensível e poético, mais interessado em examinar personagens do que
propriamente contar uma história. Algo que vai completamente na contramão da
imensa maioria da produção do cinema nacional. Há, portanto, uma ambição
artística que se manifesta num forte desejo do realizador em assegurar uma
marca pessoal de estilo.
A pretensão estética é uma das fragilidades de O Filme da Minha Vida, que parece
excessivamente preocupado em seduzir a sensibilidade do espectador a cada sequência,
cena e enquadramento. Esta escolha do realizador em valorizar mais as partes em
desfavor da integridade do todo resulta em sequências gratuitas e
exibicionistas que pouco significam no contexto geral, particularmente do
personagem Paco (uma egotrip do
ator-diretor) com suas tiradas supostamente cômicas, frases de efeito e
aforismos quase infantis. Isto sem falar em alguns personagens secundários mal
resolvidos, como o garoto que quer conhecer a zona, a jovem miss, a mãe de Tony e até mesmo o
próprio Paco, que não agregam em suas pequenas tramas paralelas, não chegam a
lugar algum e somem da trama sem qualquer resolução.
O
Filme da Minha Vida se ressente de
um roteiro frágil e dispersivo que só encontra seu eixo no ato final. Selton
Mello demonstra estar por demais apaixonado por seus personagens, a ponto de
não dar a devida atenção à história do filme da vida deles.
terça-feira, 1 de agosto de 2017
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