Forte retrato de
um período muito conturbado da Grécia, Z
marcou época ao ser lançado em 1969, conquistando prêmios pelo mundo afora,
incluindo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1970. No Brasil, que naquele
momento vivia o período de intervenção militar, a produção dirigida por Costa-Gavras
(A Confissão, 1970; Estado de Sítio, 1972; Desaparecido: Um Grande Mistério, 1982; O Quarto Poder, 1997; O Corte, 2005) foi proibida de exibição
comercial, ficando interditada até os anos 80. Desde então, o diretor ficou
fortemente marcado como um cineasta político. Condição que ele não assume
integralmente, afirmando que na verdade todos os filmes são políticos. Ou pelo
menos podemos analisá-los politicamente, se assim desejarmos.
Construído com o
conceito de uma grande reportagem documental, ainda que utilize artifícios de
uma narrativa ficcional, Z transforma
uma conspiração política verídica numa eletrizante trama de suspense, que fica
pouco a dever às produções do gênero. Contribuem decisivamente para este
resultado a edição, o ritmo, a decupagem e a diversidade de personagens
comprometidos com a representação ficcional da realidade. Aqui, a máxima
apregoada por Costa-Gavras se confirma: “Todo
cinema é político, mas também é espetáculo”.
Embora inspirado
em fato real, a transposição para o cinema sofreu algumas adaptações. Em Z, por exemplo, a trama ocorre num país
imaginário, não nominado, porém claramente calcado na realidade da Grécia,
controlado por militares. Um deputado de oposição (Yves Montand), alinhado com
o pensamento de esquerda, chega à capital para participar de um comício contra
a instalação de mísseis balísticos norte-americanos no país. Após sua
manifestação, ao sair do auditório, o deputado sofre um atropelamento e morre.
A partir de então inicia uma guerra de versões entre oposicionistas e
governistas: foi acidente ou foi atentado?
Os procedimentos
iniciais parecem indicar que tudo não passou de um lamentável acidente.
Militares e policiais agem dissimuladamente para abafar o caso e não permitir
que as investigações progridam. Mas testemunhas, mesmo coagidas, começam a
falar. E a verdade vem à tona, com auxílio de um jornalista investigativo e um
magistrado (Jean-Louis Trintignant), decidido a descobrir e punir os
verdadeiros culpados: um grupo extremista de direita.
O filme foi
lançado há quase 50 anos, mas Z ainda
se mostra atual em sua abordagem da manipulação da realidade, seja pelo poder
mídia ou pela força das instituições. Em tempos de pós-verdade, ou realidades
alternativas, o filme de Costa-Gavras mostra como uma verdade pode ser
reconstituída segundo os interesses do detentor da narrativa. Isto parece por
demais familiar aos brasileiros destes tempos que correm, não é verdade?
Assim como Rashomon (1950) de Akira Kurosawa, Z oferece diferentes pontos de vista
sobre um fato objetivo, com uma diferença fundamental, no entanto: Costa-Gavras
revela ao espectador, sem nenhuma manipulação, a realidade do fato. Fica
confortável, portanto, identificar quem diz a verdade e quem constrói versões.
A parcialidade e o manuseio das massas ficam escancarados. O estado policial
repressor vence por algum tempo, mas sucumbe inevitavelmente.
O discurso de um
militar de alta patente, no início do filme, diz que as ideologias do “ismo”
(socialismo, anarquismo, imperialismo, comunismo) são fungos ideológicos que
devem ser combatidos preventivamente. Abatidos na raiz. Numa espécie de
metáfora reversa, na verdade foram os militares que sofreram o revés, na medida
em que os anticorpos (oposicionistas) venceram a batalha contra a infecção
(governistas), apenas para ficar com mais uma das pérolas proferidas pela
autoridade militar.
“Z”, em grego
antigo significa “ele está vivo”. E Z,
o filme, também está muito vivo. E atual.
Assista o trailer:
Z
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia”
do DVD Magazine em março de 2017)
Jorge Ghiorzi