Em tempos de
discussões sobre escassez de recursos naturais que assegurem a sustentabilidade
da vida humana no planeta Terra é oportuno o exercício de olhar um pouco para o
passado. Mais precisamente para 45 anos atrás. Naquela época foi lançado um
filme de ficção científica cuja revisão faz total sentido nos dias de hoje. Em
1972 o longa Corrida Silenciosa (Silent Running) chegou aos cinemas num
período muito emblemático. Vivia-se um período de pré-Crise do Petróleo (que
estouraria pra valer um ano depois), com acalorados debates sobre fontes
alternativas de energia que fossem sustentáveis com o meio ambiente. Foi nesse
tempo que a consciência ecológica começou a ser difundida e incorporada pelas
grandes massas, além dos ambientes acadêmicos e científicos.
Corrida Silenciosa, primeiro
trabalho de direção de Douglas Trumbull, é um produto típico daquele momento.
Escrito (entre outros roteiristas) por Michael Cimino (creditado como Mike), o
filme é uma fábula ecológica que abraça a causa com paixão, idealismo e poesia.
Num futuro
incerto, mas absolutamente plausível, as florestas e a vida selvagem foram
extintas na Terra, vítimas dos efeitos climáticos combinados com a ação
devastadora da exploração humana dos recursos naturais não renováveis. Os
problemas de fome, desemprego e doenças estavam resolvidos. Porém, o fim do
nosso bioma era uma questão de tempo. Para preservar o pouco do que ainda resta
da flora e fauna uma frota de naves cargueiro carrega para o espaço os últimos exemplares
de plantas, árvores e alguns poucos pequenos animais silvestres, confinados em
gigantescas estufas com ambiente controlado. Uma espécie de Arca de Noé com
florestas nativas. Um Éden bíblico.
A bordo de uma
destas naves, chamada Valley Forge, está uma tripulação de quatro pessoas. Um
deles é o botânico Freeman Lowell (Bruce Dern), um apaixonado pela natureza e
grande entusiasta da missão espacial. Idealista, sonhador e cheio de boas
intenções, Lowell está em constante atrito com seus companheiros de viagem.
Indiferentes aos objetivos nobres do projeto, eles só pensam em acabar a missão
e voltar logo para casa. E este momento chega quando o comando da missão na
Terra decide abortar o projeto (por razões não esclarecidas) e ordena a destruição
das cúpulas com os espécimes vegetais e animais preservados. Inconformado com o
fim do projeto Lowell se rebela e decide agir por conta própria para salvar o
que resta do seu sonho.
Corrida Silenciosa é um libelo
ecológico que ainda faz total sentido nos dias de hoje. Aliás, muito mais
sentido do que 45 anos atrás. Seu recado é claro e objetivo, ainda que por
vezes demonstre alguma ingenuidade de propósitos. Como estrutura narrativa o
filme de Douglas Trumbull se recente de uma trama mais elaborada e o conflito
do protagonista, que se estende do início ao fim sem grandes questionamentos,
deixa pouco espaço para explorar suas reais motivações. Nada sabemos de sua
história, seu passado ou relações. Apenas somos apresentados à sua utopia, e
com ela embarcamos em sua jornada pessoal. Vale atentar para o significado
metafórico que se esconde sob o nome do personagem principal, Freeman, o “homem
livre”.
Normalmente os
filmes de ficção científica privilegiam a frieza dos cenários e a eficiência da
tecnologia, quase sempre apresentando robôs e androides como personagens duros
e sem emoção. Pois Corrida Silenciosa
quebra esta regra. A bordo da Valley Forge, além dos quatro tripulantes, também
há três pequenos robozinhos, responsáveis por pequenas tarefas de manutenção e
reforma da nave. O detalhe é que esses simpáticos robozinhos são muito
amigáveis com os seres humanos. Demonstram sentimentos e empatia por vezes até
comoventes com seus “donos”. Criativos pelo design e convincentes em ação, os
robozinhos são resultado de uma bem sucedida experiência de utilizar atores
reais amputados (sem as pernas) para manipular e dar “vida” às máquinas.
Com sua mensagem
explicitamente ecológica Corrida
Silenciosa carrega ecos do espírito do movimento hippie que pregava (entre
outras coisas) um retorno dos homens às coisas básicas da natureza. Este
espírito meio “hiponga” se manifesta tanto pelos discursos de Lowell quanto por
seu figurino. Mas o grande vínculo com o “flower-power”, sem dúvida, são as
canções de Joan Baez que pontuam a narrativa em momentos chave.
Ao ser lançada em
1968, a ópera espacial 2001 – Uma
Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, resgatou o interesse da ficção
científica no cinema ao apontar as imensas potencialidades do gênero para além
de uma mera aventura de entretenimento, como era usual até então. A ficção
científica podia sim tratar de temas mais profundos, questionando a humanidade
frente aos desafios de sua própria sobrevivência como espécie, sempre sob uma
perspectiva filosófica. Corrida
Silenciosa, lançado quatro anos após, é fruto direto da obra de Kubrick.
Não apenas por tratar também de assuntos de fundo existencial, mas por uma outra
questão mais objetiva. O supervisor dos inovadores efeitos especiais e
fotográficos de 2001, Douglas
Trumbull, estreou na direção de longas-metragens com esta produção que conquistou,
ao longo dos anos, o status de filme cult.
Nunca é demais
falar de ecologia. E o cinema sabe muito bem disso. Volta e meia os filmes de
ficção científica voltam ao tema. Vale lembrar que em 2009 foi lançado Avatar, de James Cameron, que também
tinha essa pegada ecológica, provando que o tema segue sempre atual e oportuno.
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em julho de 2017)
Jorge Ghiorzi