O período da puberdade é um momento de descobertas
e perda da inocência, diante do mundo adulto que se descortina. A riqueza dos
sentimentos intensos e contraditórios que esta fase provoca é fonte de
inspiração para inúmeros filmes que narram o rito de passagem. Quando este
caldeirão de anseios evocados pela chegada da adolescência não é tratado como um
banal clichê, mas colocado a serviço de uma narrativa analítica, tem-se um
encontro que tangencia o encantamento de uma poesia. É isto que nos oferece o filme
Ponto Zero, dirigido por José Pedro
Goulart.
Primeira experiência do realizador no formato de
longa-metragem, Ponto Zero conta o
drama de um núcleo familiar de quatro pessoas em desagregação, uma bolha de
sentimentos represados prestes a explodir. Pai ausente, mãe fragilizada, filha
indiferente e filho dividido. O protagonista, condutor da narrativa, é o adolescente
Ênio (Sandro Aliprandini) que precisa sintonizar seus sentimentos de acordo com
a dureza da realidade que o cerca. Em meio a um inevitável processo de
separação dos pais o jovem busca restabelecer o equilíbrio emocional justamente
no momento mais emocionalmente instável do ser humano: a passagem da
adolescência para a vida adulta. Os hormônios em ebulição convivem com um mundo
que conspira, e o sentimento de incompletude é uma fatalidade incontornável.
Oprimido, retraído, enclausurado em si próprio, o
jovem não verbaliza seus sentimentos nem se rebela de forma efetiva ao mundo
que o sufoca. A válvula de escape para manter a sanidade é o vasto universo
interior do personagem. Dos silêncios externos se constrói uma sinfonia
interior. A intensa realidade introspectiva de Ênio se transfigura numa
realidade distorcida, utópica e idealizada. Neste aspecto, o filme de José
Pedro Goulart assume contornos de uma experiência expressionista, quando a
subjetividade do personagem se projeta para a realidade circundante.
A trajetória errante do jovem protagonista se
configura em uma odisseia pessoal com a qual eventualmente nos identificamos
ou, alternativamente, apenas testemunhamos. Mas sempre com grande interesse e
nunca com passividade. Tecnicamente exuberante e sedutor, Ponto Zero é uma experiência sensorial na qual a plateia deve
deixar-se levar, sob pena de não extrair na plenitude sua essência.
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+”
em junho de 2016)
Jorge Ghiorzi
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