sexta-feira, 31 de março de 2017

"Ponto Zero": longa jornada noite adentro


O período da puberdade é um momento de descobertas e perda da inocência, diante do mundo adulto que se descortina. A riqueza dos sentimentos intensos e contraditórios que esta fase provoca é fonte de inspiração para inúmeros filmes que narram o rito de passagem. Quando este caldeirão de anseios evocados pela chegada da adolescência não é tratado como um banal clichê, mas colocado a serviço de uma narrativa analítica, tem-se um encontro que tangencia o encantamento de uma poesia. É isto que nos oferece o filme Ponto Zero, dirigido por José Pedro Goulart.

Primeira experiência do realizador no formato de longa-metragem, Ponto Zero conta o drama de um núcleo familiar de quatro pessoas em desagregação, uma bolha de sentimentos represados prestes a explodir. Pai ausente, mãe fragilizada, filha indiferente e filho dividido. O protagonista, condutor da narrativa, é o adolescente Ênio (Sandro Aliprandini) que precisa sintonizar seus sentimentos de acordo com a dureza da realidade que o cerca. Em meio a um inevitável processo de separação dos pais o jovem busca restabelecer o equilíbrio emocional justamente no momento mais emocionalmente instável do ser humano: a passagem da adolescência para a vida adulta. Os hormônios em ebulição convivem com um mundo que conspira, e o sentimento de incompletude é uma fatalidade incontornável.


Oprimido, retraído, enclausurado em si próprio, o jovem não verbaliza seus sentimentos nem se rebela de forma efetiva ao mundo que o sufoca. A válvula de escape para manter a sanidade é o vasto universo interior do personagem. Dos silêncios externos se constrói uma sinfonia interior. A intensa realidade introspectiva de Ênio se transfigura numa realidade distorcida, utópica e idealizada. Neste aspecto, o filme de José Pedro Goulart assume contornos de uma experiência expressionista, quando a subjetividade do personagem se projeta para a realidade circundante.

A trajetória errante do jovem protagonista se configura em uma odisseia pessoal com a qual eventualmente nos identificamos ou, alternativamente, apenas testemunhamos. Mas sempre com grande interesse e nunca com passividade. Tecnicamente exuberante e sedutor, Ponto Zero é uma experiência sensorial na qual a plateia deve deixar-se levar, sob pena de não extrair na plenitude sua essência. 
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em junho de 2016)
 Jorge Ghiorzi

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