No próximo dia 20 de julho se completam 44 anos da morte de
Bruce Lee. Maior ícone global dos filmes de artes marciais, reverenciado
igualmente no Ocidente e Oriente, o astro sino-americano (ele possui dupla
nacionalidade, americana e chinesa) foi o grande responsável pela mudança de
status da imensa produção de filmes de ação produzidos em Hong Kong na virada
dos anos 60 para os 70, genericamente chamados à época no Brasil como “filmes
de kung fu”. Figura de grande apelo popular, à Bruce Lee também pode ser
atribuído o crédito de ter contribuído para mudar os clichês da representação
dos asiáticos em geral no cinema, particularmente em Hollywood. Havia enfim
surgido um protagonista capaz de atrair a atenção das plateias além-fronteiras
da China / Hong Kong, com imenso potencial nas bilheterias.
A carreira de Bruce Lee foi curta. Foram apenas quatro
longas-metragens e um quinto filme incompleto, posteriormente finalizado com
sequências pré-filmadas e a inclusão de um ator substituto, levemente
semelhante ao astro. Bruce Lee teve pouco tempo para saborear as glórias do
estrelato. Seus primeiros três filmes foram realmente sucessos mundiais somente
após sua morte em 1973.
Mas Lee não fez apenas cinema. Começou, na verdade, com
pequenas participações na TV americana. Sim, é fato que apareceu antes em
pequenas produções chinesas, ainda muito jovem, inclusive quando ainda era
bebê. Seus pais, ligados ao teatro operístico cantonês, foram seu primeiro
contato com o mundo das artes. Nascido em São Francisco (EUA), ainda criança
voltou com a família para Hong Kong. Na adolescência retornou aos EUA para
estudar e buscar uma chance com ator. Já praticante de kung fu, foi
“descoberto” numa apresentação de artes marciais pelo produtor William Dozier
(da série de TV Batman), que o contratou para o papel de Kato no
seriado Besouro Verde, que durou apenas uma temporada (1966).
Após outras pequenas aparições em diversas séries de TV da época, Bruce Lee
desenvolveu o conceito de um novo seriado, apresentou o projeto, mas a ideia não
foi adiante. Desiludido e insatisfeito com sua trajetória como ator nos EUA,
Bruce Lee retorna para Hong Kong.
“Tranquilo e infalível como Bruce Lee”
Caetano Veloso (canção “Um Índio”)
Pouco tempo depois, a Warner Bros. lançaria o seriado Kung
Fu, estrelado por David Carradine. Consta que este projeto foi uma
adaptação, não creditada, da ideia anteriormente apresentada por Bruce Lee.
Mas, nem tudo estava perdido. Em seu novo período em Hong Kong acabou
descobrindo que o seriado Besouro Verde era um imenso sucesso nos Estados
Unidos, onde seu nome ganhou destaque.
Este foi o momento de virada na carreira de Bruce Lee.
Assinou contrato com o produtor Raymond Chow para estrelar dois
longas-metragens em Hong Kong, produzidos pela Golden Harvest. Os filmes
quebraram todos os recordes de bilheteria no mercado chinês. De olho na mina de
ouro que surgia, a Golden Harvest propõe a produção de mais outros dois filmes,
desta vez com Bruce Lee atuando no controle criativo das produções, incluindo a
direção.
Em 1972, quando estava em plena filmagem de Jogo
da Morte, a produção foi interrompida para que Bruce Lee pudesse
atender uma oferta irresistível da Warner para estrelar um filme nos Estados
Unidos, o famoso Operação Dragão. Esta foi a produção que cristalizou a
imagem de Bruce Lee no imaginário coletivo, transformando-o em astro
incontestável. O filme foi um marco e virou febre mundial.
Com a morte do astro no ano seguinte, as filmagens de Jogo
da Morte ficaram incompletas. Então, entra em cena a primeira das
inúmeras picaretagens que marcaram o legado de Bruce Lee. O diretor Robert
Clouse e o produtor Raymond Chow decidem completar o projeto utilizando um ator
para substituir o astro no restante das filmagens. Foram inclusive utilizadas
cenas reais do funeral de Bruce Lee, inseridas marotamente no roteiro que foi
reescrito para se ajustar às novas condições. O filme acabou virando uma farsa
constrangedora. Porém, o nome de Bruce Lee era tão forte que o filme ainda
assim acabou sendo sucesso. Sem dúvida por um misto de curiosidade mórbida e
uma maciça campanha de marketing que certamente ludibriou alguns desatentos. O
maior mérito da produção foi eternizar o icônico macacão amarelo utilizado por
Bruce Lee, que depois seria homenageado por Quentin Tarantino em Kill
Bill – Volume 1, que mostra Uma Thurmann trajando o célebre
figurino.
“O Dragão Chinês” (The Big Boss, 1971) – Direção: Lo Wei
Primeiro papel de destaque de Bruce Lee no cinema. Ele
interpreta um jovem que passa a morar com os primos e trabalha em uma fábrica
de gelo. A fábrica é uma empresa de fachada, cuja verdadeira atuação é o
tráfico de drogas. Com o sumiço de alguns familiares, o personagem de Bruce Lee
confronta o poderoso chefão da máfia local.
Produção modesta, beirando o amadorismo, ganha destaque
pelas eficientes sequências de lutas dirigidas com o habitual talento pelo
especialista Lo Wei. Bruce Lee, ainda que seu personagem seja frágil e
vacilante em grande parte da história, já revela a empatia que despertaria
plenamente em trabalhos futuros.
“A Fúria do Dragão” (Fist of Fury, 1972) – Direção: Lo Wei
Filme de época, baseado em fatos reais, que reconstitui
livremente os fatos da morte de um mestre de famosa escola chinesa de artes
marciais. Bruce Lee faz o papel de um antigo aluno da escola que retorna para
os funerais de seu professor. Logo surgem suspeitas de que ele foi assassinado
pelos rivais da escola concorrente (de tradição japonesa). No roteiro há
claramente um subtexto que discute a relação belicosa entre chineses e os
invasores japoneses que submeteram a China aos seus domínios territoriais.
Aqui Bruce Lee já apresenta pleno domínio da arte
cinematográfica. Coreografias elaboradas e sequências memoráveis fazem deste
filme a primeira produção a revelar a ascensão irresistível do futuro astro.
“O Voo do Dragão” (The Way of the Dragon, 1972) – Direção: Bruce
Lee
Primeiro filme dirigido e estrelado por Bruce Lee. Fortemente
influenciado pelo cinema de gênero de Hollywood, o ator/diretor resolveu
imprimir um tom de comédia. Não foi totalmente feliz. Jackie Chan faria bem
melhor anos depois.
A história se passa em Roma, para onde o personagem de
Bruce Lee viaja para ajudar o tio e a prima nos negócios do restaurante da
família. O local é alvo do interesse de uma gangue mafiosa. Para enfrentar a
ameaça Bruce Lee fará uso da sua mortal habilidade no Kung Fu.
Destaque memorável de O Voo do Dragão, a luta final acontece em pleno
Colisseu de Roma, onde Bruce Lee enfrenta ninguém mais, ninguém menos do que
Chuck Norris (sim, ele mesmo!).
“Operação Dragão” (Enter the Dragon, 1973) – Direção: Robert
Clouse
Primeira e única participação de Bruce Lee em uma produção
de Hollywood. Típico produto de uma época, reflete forte influência dos filmes
de James Bond do início dos anos 70. Desta vez Bruce Lee incorpora a figura de
um agente secreto, recrutado por organização governamental, que recebe missão
de investigar um torneio de lutas marciais, organizado por um inescrupuloso
assassino, líder de um rentável negócio de venda ilegal de ópio.
Por tratar-se de um torneio de lutas, não faltam razões
para Bruce Lee exibir suas habilidades, mas o roteiro investe mais numa
narrativa de suspense e ação, mais ao gosto das plateias ocidentais. Porém,
mesmo fora de seu registro (e cenário chinês), Bruce Lee se sai muito bem no
ambiente urbano ocidental e convence plenamente como herói da vez.
“Jogo da Morte” (Game of Death, 1978) – Direção: Robert Clouse (e
Bruce Lee – não creditado)
Bem, chegamos ao não-filme de Bruce Lee.
Por razões óbvias, um roteiro tortuoso tenta dar sentido à
história de um notório lutador de artes marciais que passa a ser assediado para
se incorporar a uma organização criminosa. Vítima de um atentado criminoso, o
lutador simula sua própria morte e retorna para fazer justiça.
Misturando cenas reais de Bruce Lee com outras filmadas
com um “ator” substituto, o filme é uma tremenda colcha de retalhos que tenta
fazer algum sentido. Vale apenas pela curiosidade. E pela cara de pau dos
envolvidos.
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em abril de 2016)
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