Tão certo quanto às quatro estações é a confirmação
de um novo filme de Woody Allen todos os anos. Pelo menos tem sido assim desde
1982 quando lançou "Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão". São 34
anos de produção regular e ininterrupta. Então, estamos diante do Woody Allen
safra 2016: Café Society. E, ficando
ainda no campo das analogias, esta safra deve ser degustada com prazer e
deleite que somente os bons vinhos podem proporcionar.
Depois de viajar por Londres, Barcelona, Paris e
Roma com seus filmes, Woody Allen volta seu olhar carinhoso para uma de suas
maiores paixões: a cidade de Nova Iorque. A outra paixão, o Jazz, também compõe
a ambiência desta nova obra que se desenrola parcialmente no lado oposto do
país, na Los Angeles dos anos 30, época de ouro do cinema de Hollywood, dos
grandes estúdios, dos poderosos produtores, da ostentação e do star system que
cultuava o glamour das grandes estrelas da tela. É neste cenário de sonhos e
promessas que chega à cidade o protagonista Bobby (Jesse Eisenberg), um jovem
judeu novaiorquino em busca de oportunidades. Acaba indo trabalhar com seu tio
Phil (Steve Carrel), um poderoso agente de cinema. O choque cultural é
imediato. Saído da dureza fria de uma Nova Iorque realista, Bobby se vê imerso
no universo das futilidades de uma Los Angeles ilusória. A única ponte com o
"mundo real" é a jovem secretária do tio, Vonnie (Kristen Stewart). O
que inicialmente parecia ser apenas uma identificação de alma com o espírito
independente daquela jovem imune ao mundo afetado de Hollywood, acaba se
transformando em paixão. Bobby e Vonnie passam a se relacionar. Uma ilha de
idílio em meio à frivolidade das relações pessoais daquela cidade ensolarada e
existencialmente vazia.
"O
sonho é um sonho"
Todo o primeiro ato de "Café Society" tem
como cenário esta Los Angeles. Paixão, jazz, amores declarados, amores
divididos, amores desfeitos. Escolhas e renúncias. Pano rápido. Estamos em Nova
Iorque. Vida nova para os protagonistas. O sonho de L. A. dá lugar à realidade
de N. Y. Separados por circunstâncias incontornáveis, Bobby e Vonnie seguem
caminhos distintos, porém marcados pelo gosto amargo de impossibilidade de um
sonho não realizado em sua plenitude.
Romântico e apaixonado (pela trama e pelos
protagonistas) como poucas vezes em sua carreira, Woody Allen entrega um filme
de fina sensibilidade, sem deixar de lado sua ironia crítica, sempre amparada
por personagens cativantes e diálogos espirituosos. Reconhecido por sua
excelência como criador de frases de efeitos e tramas bem montadas, Allen por
vezes deixava a sensação de não desenvolver adequadamente seus personagens,
ficando apenas na superfície da exposição de tipos meramente característicos.
Pois, em Café Society o realizador se
entregou totalmente e mergulhou fundo na verdade de seus protagonistas
tornando-os críveis, capazes de conquistar a empatia da plateia. Ao opor L. A.
e N. Y., sonho e realidade, e todas as contradições intrínsecas das paixões,
Woody Allen entrega uma narrativa enxuta, coesa e cativante.
(Originalmente publicado no site DVD Magazine em setembro de 2016)
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