O final da temporada cinematográfica de 2023
e o início da temporada 2024 foi marcado pelo lançamento de duas cinebiografias
de figuras ilustres da música norte-americana. O maestro e compositor Leonard
Bernstein, autor das composições do musical West
Side Story (adaptada para o cinema com o título de Amor Sublime Amor, no Brasil), e Priscilla Presley, ex-esposa de
Elvis, chegaram aos cinemas em longas-metragens onde o único ponto comum é o
universo da música. Pois as abordagens e resultados não poderiam ser mais
distintos.
Maestro se apresenta como um filme de flagrantes pretensões
autorais, um verdadeiro tour de force
de Bradley Cooper, aqui fazendo dupla jornada como ator e diretor, em sua
segunda obra como realizador. Já Priscilla, que traz na direção a
assinatura de Sofia Coppola, mostra episódios do atribulado relacionamento de
Priscilla e Elvis Presley, desde o primeiro encontro até o rompimento.
Há, por definição, uma sensível diferença
entre os dois filmes. Maestro se
apresenta menos como uma cinebiografia e mais como um perfil distanciado e
interpretativo do artista, onde o papel de sua esposa ganha um genuíno papel de
protagonismo (interpretado magnificamente por Carey Mulligan). Por sua vez, o
filme de Sofia Coppola tem uma proposta mais, digamos, convencional, pois
desenvolve a trajetória da protagonista de forma mais efetivamente biográfica,
quase episódica, mas sempre com um olhar comprometido, afetuoso e compreensivo,
revelador da identificação feminina e feminista.
Curiosamente,
as duas obras, oriundas do universo da música, prescindem absolutamente da
música para narrar suas histórias. As composições clássicas de Leonard Bernstein
e os rocks irresistíveis de Elvis Presley são praticamente sonegados ao
público, pois não passam de coadjuvantes com pouco tempo de tela. Em poucas e
pontuais sequências marcam presença, mas longe, muito longe, de saciar a expectativa
da audiência. O que, convenhamos, dado o tamanho dos artistas, é uma frustração
inicial. Faz falta? Faz. Compromete a experiência? Absolutamente não.
Após
a bem sucedida versão século 21 de Nasce Uma Estrela (2018) o ator
Bradley Cooper encontrou sua nova persona cinematográfica e se impôs uma
tarefa difícil: achar um lugar ao sol como realizador de prestígio. Maestro
é sua aposta para conquistar este lugar. Que virada de mesa. Da comédia Se
Beber, Não Case! Bradley chega, com Maestro, ao drama (dilema?) de “se
casar, não beba”. Tudo em seu filme gira em torno do seu casamento, da paixão
arrebatadora com a amiga / amante / esposa Felicia até o ato final da história
do casal. Por tratar-se de um melodrama, com toques biográficos, Maestro
é, em essência, um filme sobre sua mulher, e não do artista como criador. É
desta perspectiva que vem a força do protagonismo de Felicia como contraponto e
eventualmente musa inspiradora de Leonard Bernstein.
Neste
aspecto há que se louvar o desprendimento de Bradley Cooper que generosamente
abre espaço para sua parceira de elenco brilhar. Ainda que, nos momentos onde o
foco narrativo é exclusivamente o artista, a interpretação do ator exija para
si muitos holofotes (metafóricos e literais). O resultado, no mais das vezes, é
um desempenho elogiável, mesmo que aqui e ali demonstre um que de overacting
e histrionismo. Um exemplo: a longa sequência do concerto na catedral, com
Bradley reproduzindo com excelência os gestos exagerados e eloquentes de
Bernstein com a batuta à frente da orquestra. O melhor momento do ator/diretor
representando o maestro é justamente este. Pura entrega, sem falas, apenas
expressão corporal.
O
casamento também é o centro das atenções de Priscilla. Um casamento imperfeito
que iniciou de maneira um tanto bizarra quando Elvis prestava serviço militar
em uma base norte-americana na Alemanha. A bizarrice não está no cenário, mas
na pouca idade de Priscilla quando começaram a namorar (sem sexo, segundo
Elvis). Priscilla tinha 14 anos e Elvis 24. Algo impensável para um artista de
sucesso nos dias de hoje. Além da pouca idade, Priscilla enfrentou ainda outro
desafio. Naquela época (final dos anos 50) Elvis era o ídolo da música mais
desejado pelas mulheres, de todas as idades. Então, a solução foi “escondê-la”
dos olhos do público, segundo orientação do empresário Coronel Tom Parker que
comandava a carreira de Elvis com mão de ferro. Priscilla ficou oculta da vida
pública do rei do rock nos primeiros anos de relacionamento, vivendo na mansão
de Graceland em Memphis (Tennessee) como uma princesa aprisionada numa gaiola
dourada.
Esta
ocultação da mulher de Elvis da vida pública é o objeto de interesse de Sofia
Coppola, que adaptou a autobiografia de Priscilla Presley, lançada em 1985. Seu
filme mostra o dilema de uma jovem inexperiente que aceita abrir mão de sua
individualidade em nome do amor por Elvis. O arco narrativo de Priscilla
percorre a jornada da protagonista, da perda da inocência até a tomada de
consciência e o amadurecimento. De quebra mostra um lado B de Elvis raramente
exposto: um homem inseguro, infantil e autoritário (com a esposa). Ou seja, o casamento
de Elvis e Priscilla estava longe de ser um conto de fadas.
Já
quanto ao filme, Priscilla está bem distante de ser um trabalho memorável
na filmografia de Sofia Coppola. O filme se ressente de sua estrutura
absolutamente acadêmica e episódica (conforme já citado) que enfraquece a força
narrativa do longa ao buscar o realismo. Nos identificamos com o contexto
histórico, compactuamos com a tragédia pessoal de Priscilla, mas falta paixão. Desta
vez a escolha de Sofia deixou a desejar.
Assista ao trailer: Maestro e Priscilla
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS – Associação de
Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul
Contato: janeladatela@gmail.com
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