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domingo, 14 de janeiro de 2024

Priscilla e Leonard: do rei ao maestro

 


O final da temporada cinematográfica de 2023 e o início da temporada 2024 foi marcado pelo lançamento de duas cinebiografias de figuras ilustres da música norte-americana. O maestro e compositor Leonard Bernstein, autor das composições do musical West Side Story (adaptada para o cinema com o título de Amor Sublime Amor, no Brasil), e Priscilla Presley, ex-esposa de Elvis, chegaram aos cinemas em longas-metragens onde o único ponto comum é o universo da música. Pois as abordagens e resultados não poderiam ser mais distintos.

Maestro se apresenta como um filme de flagrantes pretensões autorais, um verdadeiro tour de force de Bradley Cooper, aqui fazendo dupla jornada como ator e diretor, em sua segunda obra como realizador. Já Priscilla, que traz na direção a assinatura de Sofia Coppola, mostra episódios do atribulado relacionamento de Priscilla e Elvis Presley, desde o primeiro encontro até o rompimento.

Há, por definição, uma sensível diferença entre os dois filmes. Maestro se apresenta menos como uma cinebiografia e mais como um perfil distanciado e interpretativo do artista, onde o papel de sua esposa ganha um genuíno papel de protagonismo (interpretado magnificamente por Carey Mulligan). Por sua vez, o filme de Sofia Coppola tem uma proposta mais, digamos, convencional, pois desenvolve a trajetória da protagonista de forma mais efetivamente biográfica, quase episódica, mas sempre com um olhar comprometido, afetuoso e compreensivo, revelador da identificação feminina e feminista.

Curiosamente, as duas obras, oriundas do universo da música, prescindem absolutamente da música para narrar suas histórias. As composições clássicas de Leonard Bernstein e os rocks irresistíveis de Elvis Presley são praticamente sonegados ao público, pois não passam de coadjuvantes com pouco tempo de tela. Em poucas e pontuais sequências marcam presença, mas longe, muito longe, de saciar a expectativa da audiência. O que, convenhamos, dado o tamanho dos artistas, é uma frustração inicial. Faz falta? Faz. Compromete a experiência? Absolutamente não.


Após a bem sucedida versão século 21 de Nasce Uma Estrela (2018) o ator Bradley Cooper encontrou sua nova persona cinematográfica e se impôs uma tarefa difícil: achar um lugar ao sol como realizador de prestígio. Maestro é sua aposta para conquistar este lugar. Que virada de mesa. Da comédia Se Beber, Não Case! Bradley chega, com Maestro, ao drama (dilema?) de “se casar, não beba”. Tudo em seu filme gira em torno do seu casamento, da paixão arrebatadora com a amiga / amante / esposa Felicia até o ato final da história do casal. Por tratar-se de um melodrama, com toques biográficos, Maestro é, em essência, um filme sobre sua mulher, e não do artista como criador. É desta perspectiva que vem a força do protagonismo de Felicia como contraponto e eventualmente musa inspiradora de Leonard Bernstein.


Neste aspecto há que se louvar o desprendimento de Bradley Cooper que generosamente abre espaço para sua parceira de elenco brilhar. Ainda que, nos momentos onde o foco narrativo é exclusivamente o artista, a interpretação do ator exija para si muitos holofotes (metafóricos e literais). O resultado, no mais das vezes, é um desempenho elogiável, mesmo que aqui e ali demonstre um que de overacting e histrionismo. Um exemplo: a longa sequência do concerto na catedral, com Bradley reproduzindo com excelência os gestos exagerados e eloquentes de Bernstein com a batuta à frente da orquestra. O melhor momento do ator/diretor representando o maestro é justamente este. Pura entrega, sem falas, apenas expressão corporal.


O casamento também é o centro das atenções de Priscilla. Um casamento imperfeito que iniciou de maneira um tanto bizarra quando Elvis prestava serviço militar em uma base norte-americana na Alemanha. A bizarrice não está no cenário, mas na pouca idade de Priscilla quando começaram a namorar (sem sexo, segundo Elvis). Priscilla tinha 14 anos e Elvis 24. Algo impensável para um artista de sucesso nos dias de hoje. Além da pouca idade, Priscilla enfrentou ainda outro desafio. Naquela época (final dos anos 50) Elvis era o ídolo da música mais desejado pelas mulheres, de todas as idades. Então, a solução foi “escondê-la” dos olhos do público, segundo orientação do empresário Coronel Tom Parker que comandava a carreira de Elvis com mão de ferro. Priscilla ficou oculta da vida pública do rei do rock nos primeiros anos de relacionamento, vivendo na mansão de Graceland em Memphis (Tennessee) como uma princesa aprisionada numa gaiola dourada.


Esta ocultação da mulher de Elvis da vida pública é o objeto de interesse de Sofia Coppola, que adaptou a autobiografia de Priscilla Presley, lançada em 1985. Seu filme mostra o dilema de uma jovem inexperiente que aceita abrir mão de sua individualidade em nome do amor por Elvis. O arco narrativo de Priscilla percorre a jornada da protagonista, da perda da inocência até a tomada de consciência e o amadurecimento. De quebra mostra um lado B de Elvis raramente exposto: um homem inseguro, infantil e autoritário (com a esposa). Ou seja, o casamento de Elvis e Priscilla estava longe de ser um conto de fadas.


Já quanto ao filme, Priscilla está bem distante de ser um trabalho memorável na filmografia de Sofia Coppola. O filme se ressente de sua estrutura absolutamente acadêmica e episódica (conforme já citado) que enfraquece a força narrativa do longa ao buscar o realismo. Nos identificamos com o contexto histórico, compactuamos com a tragédia pessoal de Priscilla, mas falta paixão. Desta vez a escolha de Sofia deixou a desejar.

Assista ao trailer: Maestro e Priscilla


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul

 

Contato: janeladatela@gmail.com