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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Babygirl: desejo e paixão

 

A utilização do sexo como instrumento de poder e submissão é um dos fatos da vida utilizado com frequência na ficção da literatura e do cinema. Está aí, para comprovar uma referência exemplar, Ligações Perigosas, o romance de Pierre Choderlos de Laclos e a versão cinematográfica (dentre tantas outras) de Stephen Frears em 1988. Os temas fulcrais da narrativa da obra clássica da literatura francesa estão presentes como a matéria prima e gatilho propulsor do misto de drama e thriller erótico Babygirl, estrelado por Nicole Kidman em ousado e transgressor desempenho, levando-se em conta o status da estrela e o estágio atual da sua carreira. O papel foi um desafio ao qual a atriz se entregou completamente.


Subvertendo uma lógica recorrente em diversos filmes, desta vez a posição de poder é exercida por uma mulher. Esta diferença fundamental no equilíbrio de poder proporciona uma nova dinâmica nas relações, sejam elas corporativas, conjugais, amorosas ou sexuais. A protagonista é uma executiva bem-sucedida, Romy (Nicole Kidman), CEO de uma grande empresa de logística de e-commerce. Sua vida é dividida entre as demandas crescentes na empresa e as demandas da vida privada em família, onde vive um casamento de pouco desejo e paixão pelo marido (Antonio Banderas). As perspectivas de Romy mudam radicalmente quando um jovem estagiário da empresa atrai sua atenção. Colocando em risco sua carreira e sua família Romy embarca em um tórrido romance extraconjugal com o jovem Samuel (Harris Dickinson). O caso, que inicialmente funcionava como inocente e furtiva válvula de escape para exercitar fetiches e fantasias de Romy, aos poucos se acentua a ponto de tornar-se um escândalo de grandes proporções. Estaria havendo entre os dois um caso clássico de assédio no ambiente corporativo? Para a diretora de Babygirl, Halina Reijn, esta questão não possui uma resposta pronta e objetiva.


Relações amorosas com potencial explosivo no ambiente corporativo já foram exploradas em diversos thrillers eróticos. Um deles, clássico dos anos 90, é Assédio Sexual, dirigido por Barry Levinson, com o qual Babygirl permite um paralelismo, ainda que imperfeito. No filme de 1994 um executivo (Michael Douglas) era acusado de assédio no ambiente de trabalho. Ao fim descobre-se que tudo não passou de uma conspiração empresarial onde a verdadeira vítima era o próprio executivo, manipulado pela ambiciosa profissional (Demi Moore) em busca de uma promoção rumo ao topo da hierarquia corporativa. Em Babygirl o protagonismo é da figura feminina, no entanto a condição de vítima e algoz desta vez é algo difusa pelo fato da relação entre ambos ser claramente consentida e incentivada. Por propósitos distintos, é verdade.


Babygirl não se limita ao ambiente corporativo, indo além das meras tramas de ambição profissional. Seu olhar está direcionado para as pulsões vitais da personagem de Nicole Kidman. Exemplos explícitos desta perspectiva estão dados no início e no fim do filme. Babygirl abre com a sequência de um clímax sexual fake e encerra com um outro clímax, desta vez verdadeiro e prazeroso. Entre estes dois pontos Romy percorre uma jornada em busca do orgasmo perfeito. Babygirl é um filme sexy, porém não é necessariamente sedutor. Ele trabalha no registro da fantasia, dos jogos sexuais que beiram ao sadomasoquismo, mas o prazer visível na superfície da relação dos dois amantes esconde na verdade uma urgência crescente, constantemente ameaçados por um explosivo desfecho.


O filme de Halina Reijn é, na maior parte do tempo, um filme moralmente ambíguo. Em diversas passagens demonstra uma intenção de criticar uma certa hipocrisia social dos ambientes supostamente esclarecidos, seja no âmbito familiar ou empresarial. No entanto, fica no meio do caminho ao não aprofundar subtramas e personagens com potencial, como o marido e a filha. Neste sentido o filme não oferece grandes complexidades, apenas se contenta com o verniz de uma ousadia pasteurizada e bem fotografada. Babygirl se apresenta como uma espécie de Cinquenta Tons de Cinza com o bônus de ter sido realizado com um pouco mais de ambição e exigir mais as sinapses do público.

Assista ao trailer: Babygirl


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela