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quarta-feira, 14 de junho de 2023

The Flash: universos em choque

 


O status de maturidade dos heróis dos quadrinhos só é alcançado quando o personagem ganha um filme solo para chamar de seu. Então, mais um integrante da DC vem se juntar a este seleto grupo. Flash, o Velocista Escarlate, foi premiado com uma aventura onde é protagonista, ainda que acompanhado por um time de coadjuvantes de peso, como Batman, por exemplo.

The Flash, dirigido pelo argentino Andy Muschietti (realizador de It – A Coisa), desde a produção gerou muita atenção dos fãs. Inicialmente pelas informações vindas dos sets, que criavam uma crescente expectativa positiva com a produção, e depois, com as informações negativas do comportamento errático do protagonista, Ezra Miller. O receio era que o filme sofresse algum tipo de cancelamento por parte dos fãs. Para sorte da Warner e DC, o movimento não se confirmou.

A base do roteiro veio da célebre HQ Ponto de Ignição (no original, Flashpoint) que essencialmente trata de um embaralhamento das linhas temporais que geram realidades alternativas, provocada imprudentemente pelo Flash. Tudo começa quando Barry Allen (Ezra Miller) descobre por acaso que poderia utilizar sua supervelocidade para viajar pelo tempo e retornar ao passado. Agindo contra os conselhos de Batman, seu parceiro na Liga, que alertou dos riscos e da impossibilidade física da alteração do passado, Flash decide voltar no tempo para evitar o assassinato da própria mãe e provar que seu pai, acusado pelo crime, é inocente. Ao fazer isso, perturba a ordem natural, mistura as linhas temporais e fica preso em uma realidade alternativa, onde o General Zod (Michael Shannon) planeja atacar e dominar o planeta Terra. Neste multiverso Flash contará com a ajuda de outras versões de si próprio e de heróis da Liga.


O tema dos universos alternativos e múltiplos tem sido um tema muito presente no cinema atual, desde as aventuras recentes do Homem-Aranha e Doutor Fantástico, até o multipremiado e oscarizado Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. O conceito da viagem do tempo e da alteração do passado já está bastante estabelecido na cultura popular, desde a Trilogia De Volta Para o Futuro (há quase 40 anos), que, a propósito, é bastante citada neste The Flash, em uma das grandes sacadas cômicas do filme.

Dolorosas perdas familiares estão na raiz da trajetória de vários heróis das HQs. Batman, Homem-Aranha e Superman são exemplos clássicos deste tipo de sina transformadora do espírito. Flash é outro personagem amargurado por este tipo de perda. É pela dor que vem o amadurecimento que marca a transição da juventude para a vida adulta. Em The Flash este aspecto está fortemente presente, inclusive como elemento catalizador da ação e das boas intenções, que nem sempre resultam nos benefícios desejados. Há sempre um aprendizado, uma lição. O alegre, brincalhão e desencanado Barry Allen encara, com muita dor, este rito de passagem que define sua trajetória.


A presença de Andy Muschietti na direção garantiu a inserção de várias referências latinas no filme. A começar pela descendência latina do herói protagonista, cuja mãe é interpretada pela espanhola Maribel Verdú (de E Sua Mãe Também e O Labirinto do Fauno). Ainda no elenco há a presença da atriz Sacha Calle, de ascendência colombiana, no papel de Supergirl. Isto sem falar nas canções mexicanas e panamenhas na trilha sonora.

O grande destaque de The Flash, no entanto, que faz a delícia dos cinéfilos, é a possibilidade de apresentar diferentes versões de personagens conhecidos e realizar o sonho de materializar alguns desejos secretos dos fãs. Um exemplo (sem spoiler): as várias versões do Superman, inclusive uma delas, muito curiosa, nunca concretizada. Num universo paralelo tudo é possível. Então, vale a brincadeira. Mas, inegavelmente a presença que mais chama atenção tem um forte componente nostálgico: Michael Keaton (o Batman de 1989) volta a vestir o uniforme do Cavaleiro das Trevas (“surpresa” que já havia sido entregue pelo trailer).


A expectativa elevada pelo primeiro protagonismo solo de Flash no cinema se mostrou um tanto exagerada. Não entrega a promessa na totalidade. The Flash, na maior parte do tempo, se mostra uma aventura que beira ao genérico. O que, em se tratando de filmes de super-herói já é algo razoável, diga-se, dado o fato de que o gênero já está em franco processo de esgotamento da fórmula e exaustão do público.


The Flash é divertido quando não se leva a sério, ainda que nem todas piadas funcionem bem. No entanto, o filme de Andy Muschietti é um importante e sólido passo no pretendido reboot do Universo DC. Após o The Batman, vem este The Flash, e fica aparentemente estabelecido que o artigo The (em inglês) deverá acompanhar os novos títulos futuros.

Assista ao trailer: The Flash


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 2 de março de 2022

“Batman”: mais herói, menos super


O Halloween, o Carnaval dos países anglo-saxônicos, é aquela celebração pública onde somos autorizados a vestir uma fantasia e colocar uma máscara para interpretar um papel diferente daquele que vivemos no cotidiano. Não é a toa que o novo Batman (The Batman), recriado por Matt Reeves (Cloverfield – Monstro, Deixe-me Entrar e Planeta dos Macacos – O Confronto), inicie justamente em um dia 31 de outubro, Dia das Bruxas. Os mascarados, heróis e vilões, saem das sombras e barbarizam numa soturna Gotham City. Os primeiros minutos da nova aventura do cavaleiro das trevas já dão a senha: esqueça tudo que você já viu do Batman. Inicia aqui uma Nova Era para as adaptações cinematográficas do personagem.

Após uma dezena de encarnações em diferentes filmes, com diversas interpretações e distintas estéticas, tudo leva a crer que o Batman de 2022 tenha enfim chegado ao tão desejado estado da arte almejado pela Warner / DC. Com direito a bônus. O filme ainda possui potencial para disputar as estatuetas do Oscar no ano que vem, ainda que tenha sido lançado cedo demais, pois as indicações só começam a esquentar e definir-se a partir de outubro. Portanto, a Warner terá que manter o hype por vários meses.


Quando o novo projeto de uma adaptação de Batman foi anunciado há poucos anos, houve forte manifestação contrária dos fãs mais radicais, essencialmente preconceituosa, que criticaram a escolha de Robert Pattinson para substituir Christian Bale no papel de Bruce Wayne / Batman. O receio era que o forte recall de Pattinson como o frágil e insosso vampiro da franquia Crepúsculo poderia comprometer a credibilidade do personagem. Mas, com o filme na tela, a desconfiança evaporou, como se nunca tivesse existido. Pattinson encontrou o tom adequado para interpretar o Batman fatalista e amargurado proposto por Matt Reeves.

Isto no leva a outro ponto de observação. Desta vez Batman é efetivamente o protagonista que conduz a história, acompanhamos essencialmente o ponto de vista do herói, e não dos vilões, como estava se tornando certa tendência nas encarnações anteriores. Mas do que se trata este novo Batman sob o comando de Reeves? Basicamente o que temos é uma história de caça ao assassino, o mote elementar das histórias policiais de investigação. O que, convenhamos, faz total sentido com o cânone original do herói mascarado. Afinal, o homem-morcego surgiu no mundo dos quadrinhos em uma publicação chamada “Detective Comics” em 1939, e logo passou a ser conhecido como o “Melhor Detetive do Mundo” no universo das HQs. Portanto, estamos diante de um retorno à essência do personagem, um resgate de identidade.


Localizado no segundo ano após o surgimento de Batman como vigilante das ruas de Gotham City, o filme nos mostra um Bruce Wayne recluso, refugiado em sua gótica mansão. Seus poucos contatos são o ajudante de ordens, Alfred Pennyworth (Andy Serkis), e o Tenente James Gordon (Jeffrey Wright). Quando um sádico assassino serial tem como alvo a elite política da cidade, uma série de mensagens enigmáticas leva o “maior detetive do mundo” para o centro das investigações no submundo corrupto da cidade. Na jornada ele encontra personagens como Selina Kyle, também conhecida como Mulher-Gato (Zoë Kravitz), Oswald Cobblepot / Pinguim (Colin Farrell), Carmine Falcone (John Turturro) e Edward Nashton, conhecido como o Charada (Paul Dano). Batman precisa desmascarar o(s) culpado(s) e fazer justiça ao abuso de poder e à corrupção que há muito tempo assola Gotham.

Um fato flagrante que salta aos olhos neste novo Batman é a utilização comedida do CGI, o que resulta em um personagem e uma narrativa mais orgânica. O conceito de low tech também se manifesta nas bat-gadgets. O carro do Batman está mais para um Mustang tunado e a moto é praticamente convencional, bem distante da visão altamente tecnológica que Christopher Nolan mostrou na sua trilogia com naves sofisticadas, supercarros e motos com design inovador. Então, estamos diante de um Batman mais pé no chão. O contato com o chamado mundo real que vivemos é ainda espertamente reforçada com a utilização de uma canção do Nirvana que pontua o filme e cujas primeiras notas (rearranjadas pelo autor da trilha sonora, Michael Giacchino) são acordes que assinam a presença do herói mascarado. Por fim, um destaque para a maravilhosa paleta de cores do fotógrafo Greig Fraser (do recente Duna) que inclui o vermelho neon, sem comprometer o aspecto soturno e pesado da direção de arte, que por vezes nos remete a Seven de David Fincher, não por acaso um filme sobre um assassino serial.


Diferente da imensa maioria dos filmes inspirados em quadrinhos o Batman de Reeves não sucumbe à urgência de uma narrativa de caráter pop, pois tem sempre algo um tanto mais consistente a nos contar. O andamento é ritmado, pausado, expandido. Dá o tempo necessário de reflexão ao expectador e assegura robustez à construção do protagonista, com suas motivações, seus vacilos, sua ação cerebral e suas interações pessoais. Claro, sem abrir de das necessárias sequências pontuais de ação (sem excesso), afinal, trata-se de uma adaptação de quadrinhos para o cinema, e a base de fãs precisa ser contemplada com o espetáculo.


Estamos diante de um ponto de virada nas adaptações de quadrinhos? Difícil afirmar, mas a amostra é promissora. O que podemos sim reconhecer é que houve uma dose de ousadia da DC em explorar novas possibilidades e finalmente dar uma cara própria para seus filmes de (super) heróis. Com Batman (cujo título no Brasil não leva o artigo “O”) a DC ganha autoridade e personalidade com uma muito bem sucedida reinterpretação do morcego mascarado.

Assista ao trailer: Batman


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS