O Halloween, o
Carnaval dos países anglo-saxônicos, é aquela celebração pública onde somos autorizados
a vestir uma fantasia e colocar uma máscara para interpretar um papel diferente
daquele que vivemos no cotidiano. Não é a toa que o novo Batman (The Batman),
recriado por Matt Reeves (Cloverfield –
Monstro, Deixe-me Entrar e Planeta dos Macacos – O Confronto),
inicie justamente em um dia 31 de outubro, Dia das Bruxas. Os mascarados,
heróis e vilões, saem das sombras e barbarizam numa soturna Gotham City. Os
primeiros minutos da nova aventura do cavaleiro das trevas já dão a senha:
esqueça tudo que você já viu do Batman. Inicia aqui uma Nova Era para as
adaptações cinematográficas do personagem.
Após uma dezena de
encarnações em diferentes filmes, com diversas interpretações e distintas
estéticas, tudo leva a crer que o Batman
de 2022 tenha enfim chegado ao tão desejado estado da arte almejado pela Warner / DC.
Com direito a bônus. O filme ainda possui potencial para disputar as estatuetas
do Oscar no ano que vem, ainda que tenha sido lançado cedo demais, pois as
indicações só começam a esquentar e definir-se a partir de outubro. Portanto, a
Warner terá que manter o hype por
vários meses.
Quando o novo
projeto de uma adaptação de Batman foi anunciado há poucos anos, houve forte
manifestação contrária dos fãs mais radicais, essencialmente preconceituosa,
que criticaram a escolha de Robert Pattinson para substituir Christian Bale no
papel de Bruce Wayne / Batman. O receio era que o forte recall de Pattinson como o frágil e insosso vampiro da franquia Crepúsculo poderia comprometer a
credibilidade do personagem. Mas, com o filme na tela, a desconfiança evaporou,
como se nunca tivesse existido. Pattinson encontrou o tom adequado para
interpretar o Batman fatalista e amargurado proposto por Matt Reeves.
Isto no leva a
outro ponto de observação. Desta vez Batman é efetivamente o protagonista que
conduz a história, acompanhamos essencialmente o ponto de vista do
herói, e não dos vilões, como estava se tornando certa tendência nas
encarnações anteriores. Mas do que se trata este novo Batman sob o comando de Reeves? Basicamente o que temos é uma
história de caça ao assassino, o mote elementar das histórias policiais de
investigação. O que, convenhamos, faz total sentido com o cânone original do
herói mascarado. Afinal, o homem-morcego surgiu no mundo dos quadrinhos em uma
publicação chamada “Detective Comics” em 1939, e logo passou a ser conhecido
como o “Melhor Detetive do Mundo” no universo das HQs. Portanto, estamos diante
de um retorno à essência do personagem, um resgate de identidade.
Localizado no segundo ano após o surgimento de Batman como vigilante
das ruas de Gotham City, o filme nos mostra um Bruce Wayne recluso, refugiado
em sua gótica mansão. Seus poucos contatos são o ajudante de ordens, Alfred
Pennyworth (Andy Serkis), e o Tenente James Gordon (Jeffrey Wright). Quando um sádico
assassino serial tem como alvo a elite política da cidade, uma série de mensagens
enigmáticas leva o “maior detetive do mundo” para o centro das investigações no
submundo corrupto da cidade. Na jornada ele encontra personagens como Selina
Kyle, também conhecida como Mulher-Gato (Zoë Kravitz), Oswald Cobblepot / Pinguim
(Colin Farrell), Carmine Falcone (John Turturro) e Edward Nashton, conhecido
como o Charada (Paul Dano). Batman precisa desmascarar o(s) culpado(s) e fazer
justiça ao abuso de poder e à corrupção que há muito tempo assola Gotham.
Um fato flagrante que salta aos olhos neste novo Batman é a
utilização comedida do CGI, o que resulta em um personagem e uma narrativa mais
orgânica. O conceito de low tech também se manifesta nas bat-gadgets. O
carro do Batman está mais para um Mustang tunado e a moto é praticamente
convencional, bem distante da visão altamente tecnológica que Christopher Nolan
mostrou na sua trilogia com naves sofisticadas, supercarros e motos com design
inovador. Então, estamos diante de um Batman mais pé no chão. O contato com o
chamado mundo real que vivemos é ainda espertamente reforçada com a utilização
de uma canção do Nirvana que pontua o filme e cujas primeiras notas (rearranjadas
pelo autor da trilha sonora, Michael Giacchino) são acordes que assinam a
presença do herói mascarado. Por fim, um destaque para a maravilhosa paleta de
cores do fotógrafo Greig Fraser (do recente Duna) que inclui o vermelho
neon, sem comprometer o aspecto soturno e pesado da direção de arte, que por
vezes nos remete a Seven de David Fincher, não por acaso um filme sobre
um assassino serial.
Diferente da
imensa maioria dos filmes inspirados em quadrinhos o Batman de Reeves não sucumbe à urgência de uma narrativa de caráter
pop, pois tem sempre algo um tanto mais consistente a nos contar. O andamento é
ritmado, pausado, expandido. Dá o tempo necessário de reflexão ao expectador e assegura
robustez à construção do protagonista, com suas motivações, seus vacilos, sua
ação cerebral e suas interações pessoais. Claro, sem abrir de das necessárias sequências
pontuais de ação (sem excesso), afinal, trata-se de uma adaptação de
quadrinhos para o cinema, e a base de fãs precisa ser contemplada com o
espetáculo.
Estamos diante de
um ponto de virada nas adaptações de quadrinhos? Difícil afirmar, mas a amostra
é promissora. O que podemos sim reconhecer é que houve uma dose de ousadia da
DC em explorar novas possibilidades e finalmente dar uma cara própria para seus
filmes de (super) heróis. Com Batman
(cujo título no Brasil não leva o artigo “O”) a DC ganha autoridade e
personalidade com uma muito bem sucedida reinterpretação do morcego mascarado.
Assista ao trailer: Batman
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS