O tempo decorrido entre o primeiro Gladiador (2000) e sua
sequência Gladiador II (2024) é de praticamente 25 anos, o mesmo
período de tempo real que separa o enredo da continuação da história original.
Não é surpresa para ninguém, portanto não se trata de spoiler, pois está no
trailer, o novo filme de Ridley Scott é centrado na figura do filho do
ex-general e gladiador Maximus (Russell Crowe), que por circunstâncias análogas
retorna à Roma na condição de prisioneiro de guerra e também se torna gladiador
nos jogos do Coliseu.
O filme abre com um prólogo que narra uma
épica batalha entre o exército romano, comandado pelo general Marcus Acacius
(Pedro Pascal) contra as forças de defesa da Numídia (território no norte da
África, onde hoje se localiza a Argélia e Tunísia). A campanha expansionista
conquista mais um território para o poderoso Império Romano. No espólio da
guerra centenas de prisioneiros são enviados para trabalho escravo nas
redondezas de Roma. Dentre estes prisioneiros está Hanno / Lucius (Paul Mescal,
de Aftersun) que acaba sendo comprado pelo influente mercador e
negociante Macrinus (Denzel Washington) para ser utilizado como gladiador.
Estes primeiros momentos de Gladiador II
nos fazem pensar estarmos diante de uma mera refilmagem do filme original, e
não propriamente de uma continuação. As sagas dos protagonistas são muito
semelhantes. Porém, logo Ridley Scott mostra a que veio. A saga de uma vingança
pessoal é apenas um ponto de partida. Outras camadas são acrescentadas à trama
central e o enredo se transfigura em uma narrativa de conspirações, tramas
palacianas e luta pelo poder supremo do Império. Neste aspecto o eixo da trama
sai da figura do gladiador, que reprisa a trajetória do pai, e se concentra na
personagem de Macrinus, em uma poderosa interpretação de Denzel Washington.
Assim como o gladiador Hanno / Lucius luta com
seus demônios internos para honrar e merecer o legado da história de seu pai, Gladiador
II vem à luz com a tarefa de fazer jus ao legado do Gladiador I, que
foi o filme sensação do início dos anos 2000, sucesso de bilheteria e crítica.
Ridley Scott comanda essa retomada do projeto (muitas vezes adiado) sempre de
olho no retrovisor, prestando tributo àquela produção fundamental que restituiu
seu prestígio como realizador. Vale lembrar que o primeiro Gladiador
conquistou cinco prêmios no Oscar de 2001, incluindo Melhor Filme e Ator, além
de garantir uma indicação pela direção de Ridley Scott.
Nestas duas décadas e meia que separam os dois
filmes houve uma significativa evolução técnica da computação gráfica, ainda um
tanto incipiente no uso em larga escala naquele período de produção de Gladiador
I. Os cenários gerados por bits e bytes comprovaram a viabilidade e
verossimilhança da técnica e marcou época, abrindo caminho para uma série de
filmes históricos e séries de fantasia, incluindo produções como Game of
Thrones e similares. Hoje não há mais novidade neste campo, há inclusive um
certo enfado pelo uso recorrente e não criativo da técnica, que virou um
recurso antinatural que frequentemente incomoda as plateias. O uso massivo de
computação gráfica pode irritar muita gente, mas certamente não irrita Ridley
Scott. Nesta nova produção ele vai fundo na utilização deste recurso técnico em
busca de uma monumentalidade forçada em sua obra, a ponto de sufocar
visualmente a narrativa que tem lá seu interesse como exercício de jogos de
poder.
Ridley Scott é um cineasta de contradições,
por vezes extremas. Costuma errar e acertar com uma frequência consistente,
sempre alternando filmes de qualidade e impecável produção com outros tantos
equívocos imperdoáveis e frustrantes. Sua ambição estética costuma se sobrepor
ao conceito narrativo de seus projetos. Sua opção primeira costuma ser pelo
épico monumental, depois, em segundo plano vem o storytelling, os arcos
narrativos e suas decorrências. Ridley é o cineasta do espetáculo, não do
personagem. Posto isso, Gladiador II é um exemplo típico da marca padrão
de seu realizador. A busca pela grandiosidade está presente em muitos momentos,
incluindo sequências exageradas com rinoceronte, babuínos e .... tubarões, em
plena arena do Coliseu.
No entanto, além da relevância dos aspectos
estéticos, há uma história a ser contada. O conflito em Gladiador II
coloca em oposição a visão de mundo de Maximus e seus descendente Lucius. O pai
possuía uma visão otimista do Império, antes de ser sacrificado por seus ideais.
Já o seu filho nutre um pessimismo profundo sobre o destino do Império e dos
líderes que o comandam. Sua luta não é para manter uma utopia visionária de um
reino de justiça e paz, como seu pai. Sua ira se manifesta para justamente
restituir os ideais de uma sociedade que sucumbe pelo hedonismo, ganancia, corrupção
e tirania. O que Gladiador I possuía de heroico foi substituído pelo
ceticismo sombrio em Gladiador II. Ou seja, o que era ruim no passado fica
ainda pior e decadente 25 anos depois.
“O que fazemos em vida ecoa por toda a
eternidade”. Parafraseando esta frase icônica de Gladiador I poderíamos
afirmar que Gladiador II será um filme memorável no futuro?
Dificilmente. A mescla de ação e drama é um tanto rasa e óbvia, não acertando a
mão plenamente em nenhum dos caminhos. Cumpre apenas a promessa de entregar um
épico de entretenimento com excelência técnica. Há, no entanto, um ponto que o
coloca em destaque. A simples participação de Denzel Washington em cena eleva necessariamente
a qualidade de qualquer filme onde esteja presente. Seu desempenho aqui é nada
menos que primoroso e garante o interesse do público para uma sequência que, se
não supera o legado do filme anterior, tem seus méritos por ousar um rumo
próprio para além de uma simples reprodução do modelo original.
Assista ao trailer: Gladiador II
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela