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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Um Completo Desconhecido: soprando no vento

 

O músico e compositor Bob Dylan já foi tema de um documentário de Martin Scorsese (No Direction Home, 2005) e também interpretado em versões distintas de sua vida por Cate Blanchett, Ben Whishaw, Marcus Carl Franklin, Heath Ledger, Christian Bale e Richard Gere no filme biográfico estilizado Não Estou Lá (2007), dirigido por Todd Haynes. Agora, chega às telas a nova cinebiografia Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown, 2024), dirigida por James Mangold, que limita seu recorte aos primeiros anos do artista.

O jovem Robert Zimmerman, com 19 anos, chega a Nova York no início dos anos 1960 com seu violão e um talento revolucionário. Seu primeiro objetivo é mostrar uma de suas composições ao ídolo da juventude, o astro da folk music Woody Guthrie, internado em um hospital psiquiátrico. Assim, inicia-se a jornada do grande músico e compositor que passaria a ser conhecido pelo nome artístico de Bob Dylan (Timothée Chalamet). Na cidade, ele estabelece relações com a cena musical da época e dá os primeiros passos na carreira, ainda no gênero folk. Nesse período, conhece a cantora Joan Baez (Monica Barbaro), com quem viria a formar uma dupla nos primeiros tempos, dentro e fora dos palcos. Rapidamente, Dylan alcança o sucesso, mas sua ascensão à fama é marcada por muitos conflitos pessoais e artísticos. A culminância daquele primeiro período do artista acontece em 1965, com sua polêmica e transgressora apresentação no Festival Newport Folk, quando ousou utilizar elementos do rock elétrico em suas canções.

Bob Dylan, como retratado no filme, surge como um artista em constante transformação, um espírito inquieto em busca de sua verdadeira forma de expressão. Ao longo de sua trajetória, ele não se limita a um único gênero musical, transitando com maestria entre o folk, o blues e outros estilos, em uma jornada que reflete não apenas a evolução de sua música, mas também de sua identidade como criador. Essa busca incessante por uma voz autêntica vai além da mera experimentação sonora: é, antes de tudo, uma tentativa de dar forma musical à sua poesia, transformando palavras em melodias que ecoam a complexidade de suas reflexões e a profundidade de seu olhar sobre o mundo. Dylan não se contenta em repetir fórmulas ou seguir expectativas alheias. Ele desafia convenções, reinventa-se e, ao fazê-lo, redefine os limites da música popular, consolidando-se como um dos maiores ícones da cultura a partir dos anos 1960.

O desempenho de Timothée Chalamet é nada menos que especial e autêntico. O ator captura com talento a essência de um jovem Bob Dylan, transmitindo não apenas a postura e os maneirismos icônicos do artista, mas também a inquietude e a vulnerabilidade que definem sua busca por uma identidade artística. Chalamet mergulha profundamente no personagem, entregando uma interpretação que vai além da imitação superficial, revelando camadas emocionais que conectam o espectador à jornada introspectiva de Dylan.

Ao seu lado, Monica Barbaro (vista em Top Gun: Maverick) brilha como uma presença cativante e multifacetada. No papel de uma musa inspiradora, ela não só seduz Bob Dylan, mas também conquista a plateia com seu carisma e profundidade dramática. A química entre os dois funciona maravilhosamente bem, elevando a narrativa e adicionando um toque de humanidade e complexidade ao relacionamento tumultuado que viveram por um tempo. Barbaro, assim como Chalamet, demonstra uma entrega absoluta ao papel, tornando-se um dos grandes destaques da produção.

Juntos, Chalamet e Barbaro não apenas honram as figuras que representam, mas também elevam o filme a um patamar artístico superior, transformando a cinebiografia em uma experiência cinematográfica emocionalmente relevante. Seus desempenhos foram devidamente reconhecidos pela Academia, com indicações ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante.

Apesar de todas as boas intenções, Um Completo Desconhecido (título retirado de um verso de uma das canções de Dylan) é uma cinebiografia mais convencional do que poderíamos desejar. Até onde se sabe publicamente, não houve participação direta de Bob Dylan na aprovação do material, o que, de certa forma, explica a abordagem superficial e reverencial adotada pelo filme. James Mangold, que já retratou figuras complexas em obras como Copland, Johnny & June e Ford vs. Ferrari, opta aqui por um caminho seguro, avesso a controvérsias: em vez de mergulhar nas contradições e nuances do artista, escolhe celebrar o mito, evitando questionamentos mais profundos sobre a persona e a obra de Dylan.

O resultado é um filme tecnicamente competente e com momentos de brilho, mas que acaba reduzindo a complexidade de uma das figuras mais enigmáticas e influentes da música do século XX. A ausência de uma interpretação mais ousada ou crítica faz com que Um Completo Desconhecido se aproxime mais de um tributo convencional do que de uma exploração genuína do homem por trás do mito. Em um momento em que as cinebiografias têm se esforçado para desconstruir ícones em busca de veracidade, o projeto, gestado por Mangold por vários anos, deixa transparecer sua inequívoca admiração pelo artista retratado, invalidando uma eventual perspectiva distante e crítica. O diretor opta, portanto, por reforçar apenas a lenda, perdendo a oportunidade de oferecer uma visão mais reveladora e desafiadora.

Assista ao trailer: Um Completo Desconhecido


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela