Em 1961 o musical Amor Sublime Amor, adaptado de um
bem-sucedido espetáculo da Broadway, caiu como uma bomba na envelhecida
Hollywood. Foi um sopro de renovação em vários aspectos do gênero, da encenação
à cenografia realista, da interpretação às coreografias inovadoras que
incorporavam movimentos livres, distantes da dança clássica. É até hoje o
musical mais premiado da história com suas 10 estatuetas do Oscar, três Globos
de Ouro, dois Grammys e outras tantas premiações.
Este estimado
clássico do cinema norte-americano, exatos 60 anos depois, ganha uma refilmagem
pelas mãos de um dos mais estimados e premiados diretores do cinema
norte-americano. Por definição, potencialmente uma temeridade, um risco
demasiado para resultados que poderiam ser devastadores para os envolvidos. Coube
a Steven Spielberg esta, digamos, ousadia de mexer em um ícone. Justamente ele,
que em sua extensa e destacada filmografia, com mais de trinta longas-metragens,
apenas uma única vez apostou em uma refilmagem (Guerra dos Mundos) e nunca havia dirigido um musical.
O conhecido
entrecho da paixão proibida dos amantes de famílias rivais de Romeu e Julieta, tragédia escrita por
William Shakespeare, é o cerne da narrativa do libreto escrito nos anos 50 por Arthur
Laurent, que viria a se transformar no famoso espetáculo da Broadway. Em Amor,
Sublime Amor (West side story) a medieval Verona é substituída pelo Upper
West Side, no subúrbio de Nova Iorque, e as famílias antagonistas dos Montéquio e Capuleto
são transformadas nas gangues adversárias dos Jets (“polacos” estadunidenses
nativos brancos) e Sharks (latinos imigrantes e/ou descendentes de porto-riquenhos).
As duas gangues estão em constante conflito pela liderança territorial de um
bairro que está literalmente desabando, submetido a uma reconstrução urbana
(espetacularmente fotografada nas cenas de abertura). Por trás de uma aparente disputa
por liderança no local o que realmente se manifesta é um evidente processo de
preconceito racial e supremacia branca. Alheios a esta disputa estão os
protagonistas apaixonados, Maria (Rachel Zegler), irmã de Bernardo, líder dos
Sharks, e Tony (Ansel Elgort), um dos criadores do Jets e braço direito do
líder Riff.
A visão artística
de Steven Spielberg, dentre vários acertos, foi particularmente feliz ao optar
por não atualizar o remake para os tempos contemporâneos, como normalmente costuma
ocorrer em refilmagens. A estética dos anos 60 está maravilhosamente preservada
e contribui para a manutenção do espírito original do filme dirigido por Robert
Wise e Jerome Robbins (coreografia). Outro acerto gigante de Spielberg é a escalação
do elenco. Diferentemente do filme de 1961, desta vez os “latinos”
protagonistas são interpretados por atores / atrizes representativos da latinidade,
conforme exigia os personagens. A Maria, que na primeira versão foi Natalie
Wood (norte-americana, filha de imigrantes russos), encontrou na descendente de
colombianos Rachel Zegler uma ótima intérprete. Já o líder de gangue Bernardo é
interpretado pelo canadense de origem cubana David Alvarez. Infinitamente mais
adequado que o norte-americano filho de imigrantes gregos George Chakiris,
debaixo de pesada maquiagem para garantir a pele bronzeada (blackface?).
A extensa
filmografia de Steven Spielberg revela sua afinidade com espetáculos de grande
escala com forte presença da fantasia, da tecnologia e dos efeitos especiais.
Pois não é exatamente o que se vê em Amor,
Sublime Amor. Pelo contrário, está relativamente contido, não se deixando
levar por grandes tomadas e movimentos de câmera que pudessem se sobrepor à
emoção das personagens e, de modo particular, às exuberantes coreografias. Por
si só um espetáculo à parte. Spielberg se apresenta extremamente reverente ao
material original, sem no entanto renunciar a um olhar um pouco mais apurado e
incisivo na temática do preconceito. Neste aspecto a nova versão avança algumas
casinhas e torna mais explícita uma discussão que em 1961 ficou na superfície
do tema. Aqui vale ressaltar a atriz Rita Moreno, presente nos dois filmes. No
original interpretou Anita, a melhor amiga de Maria. Agora, na nova versão,
ganhou um novo papel, que sequer existia no filme anterior. Como a latina Valentina,
a dona da farmácia onde Tony trabalha, ela tem a voz ativa do discurso de
igualdade, transitando entre os dois mundos antagônicos: os Jets e Sharks.
Detalhe: Rita Moreno é uma das produtoras executivas do longa-metragem.
Amor, Sublime Amor é um musical
cheio de energia e emoção, que respeita o original. Um trabalho artístico de
primeira linha do qual Steven Spielberg triunfa em seu intento de recriar um
clássico para apresentá-lo às novas gerações.
Assista ao trailer: Amor, Sublime Amor
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS