Lançado em 1969, Mulheres
Apaixonadas (Women in Love) foi dirigido pelo não menos polêmico cineasta
inglês Ken Russell, provocativo e estiloso realizador de filmes como o drama
religioso Os Demônios (1971); a
ópera-rock Tommy (1975); as
cinebiografias Lisztomania (1975) e Valentino (1977) e o sexo-thriller Crimes de Paixão (1984). A combinação
entre D. H. Lawrence e Ken Russell tinha tudo para ser explosiva. E foi mesmo. Mulheres Apaixonadas foi imediatamente
reconhecida como uma da mais fiéis transposições da literatura para o cinema.
Mas o que mais chamou atenção de verdade, fonte de escândalo nos círculos mais
conservadores, foi a franqueza da abordagem dos temas sexuais e relacionamentos
amorosos. O tratamento aberto, ousado e despudorado, em níveis nunca vistos até
então em produções de grande porte com estrelas de primeira grandeza no elenco,
marcou época, chocou puritanos e rendeu discussões acaloradas na imprensa.
A época é os anos
20. O cenário é cidade mineira de Beldover, na Inglaterra. Os protagonistas são
dois casais formados por pessoas de personalidades, temperamentos e objetivos
de vida distintos. As mulheres são as irmãs Brangwen. Gudrun (Glenda Jackson),
identificada com as artes e a cultura, é independente e crítica das regras
sociais. Ursula (Jennie Linden) é uma jovem inocente e apaixonada, a procura de
um príncipe encantado para viver a sonhada grande paixão. Elas são bem
diferentes, mas algo as une: ambas estão em busca do amor, cada uma a sua
maneira. Gudrun se envolve com o rico proprietário de minas de carvão, Gerald
Crinch (Oliver Reed), um homem arrogante que considera o casamento apenas outra
forma de exercer o seu desejo de poder e dominação. Ursula, por sua vez, acaba
se relacionando com Rupert Birkin (Alan Bates), um inspetor escolar, sonhador,
poético e admirador das belezas que a vida oferece. E amigo de Gerald.
Mesmo sendo um
filme de época, em certa medida Mulheres
Apaixonadas representa o espírito de efervescência cultural e contestação da
época em que a produção foi filmada, a agitada swing London do final dos anos 60. O que, aliás, apenas reforça a
ideia de que a obra de D. H. Lawrence, escrita há quase um século, estava à
frente de seu tempo no que refere a comportamentos individuais mais
libertários. O rompimento com as convenções sociais, um tema caro na obra do
escritor, está presente com grande força na adaptação de Ken Russell. A
proposta é quebrar as barreiras, incluindo as de classe. E isto fica muito bem
representado pela “mobilidade social” das irmãs. Provenientes da classe
proletária, as duas transitam livremente, e com muita naturalidade, diga-se,
entre os dois mundos, o dos ricos da elite e o dos trabalhadores e operários de
uma Inglaterra que vivia a industrialização das grandes cidades.
“Tente me amar um pouco mais e me querer um
pouco menos”
Gudrun e Ursula
são duas mulheres em busca de seu lugar no mundo, mas não a qualquer custo. Não
cedem facilmente às convenções familiares, nem às expectativas do papel social
que lhes parecia reservado na comunidade onde viviam. O comportamento livre que
adotam, ao mesmo que afronta, atrai os homens a sua volta. “Eles” comandam, mas
“Elas” é que conduzem o jogo da vida.
Aqui, vale um
comentário para os homens da trama. Gerald e Rupert são dois personagens que na
superfície parecem ser donos de seus destinos, mas frente às armadilhas do
coração e da paixão revelam fragilidades internas. Certezas transformam-se em
incertezas. Desnudam-se exibindo seus mais profundos sentimentos refreados. Ken
Russell explicita esta situação com a polêmica (e famosa) sequência que mostra
os dois nus praticando uma amigável luta livre sobre os tapetes de uma sala
aquecida por uma lareira. Esta sequência em especial, mas em outras passagens
também, parece indicar, com um grau de liberdade inesperado e inédito para a
época, que haveria alguma paixão reprimida entre eles. As relações de Gerald e
Rupert com suas respectivas mulheres sugerem então que não passariam de um
artifício para afastá-los de uma homossexualidade latente e não consumada.
Mulheres Apaixonadas foi um filme
moderno em seu tempo. Ainda hoje resiste como uma obra significativa e
importante com seus questionamentos das convenções sociais e apresentação do
sexo com uma fonte de prazer. Na ciranda de amores e desamores, o filme de Ken
Russell se apresenta como uma espécie de “quatrilho à inglesa”, ora contestando
a opressão moral que as sociedades exercem, ora se entregando aos prazeres
carnais sem nenhum resquício de culpa católica. Mulheres Apaixonadas é provocativo na forma e romântico no
conteúdo.
Assista o trailer: Mulheres Apaixonadas
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD
Magazine em junho de 2017)
Jorge Ghiorzi