A multicolorida
Londres dos anos 60 – conhecida como Swinging
London - é o cenário elegante e charmoso onde transcorre grande parte do suspense
psicológico Noite Passada em Soho (Last night in Soho, 2021) dirigido por
Edgar Wright, o mesmo de Todo Mundo Quase
Morto (2004), Scott Pilgrim Contra o
Mundo (2010) e Em Ritmo de Fuga
(2017). Naquele período específico a capital inglesa era a capital cultural do
mundo e ditava a moda mais transgressora nos costumes, na música e no figurino dos
moderninhos da época.
A protagonista
Eloise Turner (a neozelandesa Thomasin Harcourt McKenzie, vista recentemente em
Tempo do Shyamalan) representa muito
bem o espírito daqueles tempos, ainda que a narrativa transcorra nos dias
atuais. Estudante de Moda, fortemente inspirada pela estética e o estilo da
sessentista, Eloise vai morar no descolado bairro do Soho, em Londres, para
finalizar os estudos e iniciar carreira como estilista. Sozinha em seu quarto
ela passa a ter sonhos e visões onde conhece a aspirante a cantora Sandie (Anya
Taylor-Joy) com a qual se identifica de forma idealizada a ponto de torna-se
quase um duplo aspiracional. Ela é tudo que Eloise desejava ser na intimidade: forte,
livre, independente, voluntariosa e sexualmente liberada.
O que se segue é
uma história que transita entre gêneros distintos. Inicialmente o que parece
ser um pequeno drama juvenil sobre escolhas profissionais, lá pelas tantas vira
a chave e se transforma em um thriller que flerta com o horror. São dois lados
de uma mesma moeda. A Londres alegre e descontraída também possui suas áreas escuras
e violentas. O mesmo ocorrendo em relação às personagens protagonistas, a real
e a “ficcional”. Por trás dos sonhos mais inocentes por vezes se escondem os pesadelos
mais terríveis. E é justamente esta dura realidade que Eloise tem que lidar em
sua jornada pela cidade grande.
Personagens
anacrônicos, que invariavelmente destoam do tempo e espaço onde estão inseridos,
não são exatamente uma novidade nos filmes de Edgar Wright. Foi assim, por
exemplo, em Scott Pilgrim e Em Ritmo de Fuga. Mais uma vez esta
abordagem se faz presente em Noite
Passada em Soho. A jovem Eloise Turner, uma personagem deslocada em busca
de seu lugar no mundo, se refugia no terreno da fantasia, recriando um mundo
particular que mistura sonhos e desejos, o real e o imaginário.
Esteticamente belo,
com cenografia e fotografia elaborada, Noite
Passada em Soho enche os olhos pela recriação de uma época particularmente
marcada pelo estimulante apelo visual, que, convenhamos, soa nostálgico – mas fascinante
- na maior parte das vezes. A trilha sonora, recheada com canções de sucesso da
mais genuína brit music dos anos 60,
faz a apropriada contextualização e transporta o espectador pelo túnel do
tempo.
Em sua segunda
metade o thriller se aproxima de um autêntico “giallo italiano”, com sotaque
inglês, que ecoa o mestre Mario Bava, não apenas pela temática de crime, mas
particularmente pelo uso massivo de cores vibrantes, especialmente o vermelho e
azul, sempre ostensivos e contrastados.
Noite Passada em Soho é um filme
dividido, sob diversos aspectos: na temática, na ambientação, nos gêneros, nas
protagonistas. O que poderia ser sua fortaleza na verdade configura sua grande fragilidade
como narrativa. A fruição estética proposta por Edgar Wright não passa de um
deleite visual sem o devido suporte de um roteiro que realmente convença o
espectador. Longe (muito longe) de fazer feio, o fato é que ao longo dos anos,
com o devido distanciamento do seu tempo de realização, Noite Passada em Soho talvez venha a ser relembrado como um filme cult, ou como um estimado guilty pleasure.
Anya Taylor-Joy
(já vista em A Bruxa e na série da
Netflix O Gambito da Rainha) é o
grande destaque do elenco e confirma seu potencial como a mais promissora jovem
atriz candidata a estrela de primeira grandeza. Vale lembrar que o filme de
Edgar Wright marcou o ocaso da grande estrela britânica Diana Rigg, falecida
logo após as filmagens.
Assista ao trailer: Noite Passada em Soho
por Jorge Ghiorzi
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