Cineasta intelectualizado, com fortes posições
políticas de embate contra o fascismo e o capitalismo, o italiano Pier Paolo
Pasolini (1922 – 1975) fez da obra cinematográfica uma plataforma de divulgação
de sua visão de mundo e dos mecanismos que movem a sociedade ocidental. A
origem proletária, a formação marxista e a sensibilidade para a poesia e os
livros sempre estiveram de alguma forma presentes em seus filmes, quase todos a
serviço de um discurso político.
Lançado há mais de meio século, Teorema
(Teorema, 1968) é um primoroso exemplo do cinema engajado e evangelizador de
Pasolini. Este drama social foi construído sob uma perspectiva de classes
sociais, a partir da crise de identidade de uma família burguesa, símbolo de um
modelo de capitalismo que chegava ao esgotamento na segunda metade dos anos 60.
Acostumada a usufruir as benesses do conformo
material, a família retratada em Teorema
entra em colapso com a entrada de um elemento estranho na rotina da casa. Tal
um vírus que corrompe a integridade do tecido social das relações familiares,
um hóspede inesperado (Terence Stamp) chega à mansão e se incorpora
naturalmente na rotina de todos. Nada sabemos sobre ele, nem as razões de sua
chegada. Mas os efeitos da sua passagem são transformadores para o futuro de todos.
Em Milão a rica família burguesa formada pelo
empresário Paolo (Massimo Girotti), a esposa Lucia (Silvana Mangano), os filhos
Pietro (Andrés José Cruz Soublette) e Odetta (Anne Wiazemsky, na época musa e
companheira de Jean-Luc Godard, cuja relação foi retratada no longa-metragem O Formidável) e ainda a empregada Emilia
(Laura Betti), é totalmente alterada com a chegada de um misterioso visitante.
Um a um todos são seduzidos pelo estranho, que desperta sentimentos reprimidos,
particularmente os desejos de ordem sexual. Em seus contatos individuais com os
membros da família todos se redescobrem e passam a encarar a vida sob uma nova
perspectiva, distantes do tédio existencial no qual estavam mergulhados.
Poucos dias depois, tão inesperadamente como
chegou, o estranho visitante parte e deixa a família. E nunca mais eles serão
os mesmos. Suas existências foram irremediavelmente alteradas. O que antes era apenas
um tédio existencial, se transforma então em desconforto existencial. Ninguém
mais cabe na vida que vivia anteriormente. Cada um busca a solução de suas
angústias trilhando seu próprio caminho de descoberta. O empresário entrega a
fábrica aos empregados, se despe de todos os bens – literalmente a própria
roupa inclusive - e vaga nu pelo deserto. A mãe sucumbe aos desejos da carne fazendo
sexo aleatório com jovens que encontra pela rua. O filho surta e passa a pintar
quadros abstratos com fezes e urina. A filha fica catatônica sobre a cama, sem
falar nem se comunicar com ninguém. E a empregada doméstica, em delírio
religioso, retorna para sua vila de origem assumindo a condição de santa milagreira.
O visitante é o elemento desagregador que embaralha
a “ordem natural das coisas”, como diz um personagem a dado momento. O processo
de “revelação” que provoca nos integrantes da família os leva a revisar valores
e dogmas aos quais estavam submetidos. O processo de conversão do visitante se dá
tanto por estímulos intelectuais – uso da palavra – quanto por estímulos
sexuais – a sedução despudorada do corpo, disponível igualmente para o prazer
de homens e mulheres. Não são gratuitos, portanto, os enquadramentos da
fotografia que sempre privilegiam a zona genital do visitante sedutor. A
narrativa em essência explora os conceitos de Eros (pulsão de vida) e Thanatos
(pulsão de morte), os instintos fundamentais do comportamento, segundo Sigmund
Freud. Em Teorema Pasolini propõe a
necessidade de uma volta à essência do ser humano, integralmente despido dos
valores burgueses e religiosos acumulados ao longo dos tempos.
Assista o trailer: Teorema
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2017)
Jorge Ghiorzi
Membro ACCIRS
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