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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

“Uncharted – Fora do Mapa”: corrida do ouro

A caça aos tesouros de ouro, base de muitas aventuras da literatura clássica e filmes de matinê da primeira metade do século XX, segue inspirando a imaginação dos roteiristas. Há, sem dúvida, um toque de nostalgia ao se resgatar este tipo de temática para o cinema do novo milênio. Um mundo onde o ouro, objeto cobiçado por 10 entre 10 exploradores de tesouros, já nem representa mais a melhor forma de conquistar fortunas no limite da ilegalidade. Um golpe com moedas criptografadas, ou saques virtuais de contas bancárias, por exemplo, seria bem mais fácil, rápido e “seguro”. Mas, reconheçamos, é um tanto sem graça. Onde ficaria a adrenalina da aventura?

Dito isto, chegamos a Uncharted – Fora do Mapa (Uncharted), dirigido por Ruben Fleischer (de Zumbilândia 1 e 2, Caça aos Gângsteres e Venom), uma aventura de ação que pretende reviver o clima dos antigos filmes de sessão da tarde, com a roupagem, a estética e o ritmo acelerado do cinema contemporâneo. A origem de Uncharted é bem menos nobre, pois não vem da literatura tradicional, mas sim do universo dos videogames. Trata-se de uma versão live action de uma série de muito êxito da Sony / PlayStation.


O esperto barman Nathan “Nate” Drake (Tom Holland), perito em pequenos golpes, é recrutado pelo caçador de tesouros Victor “Sully” Sullivan (Mark Wahlberg) para recuperar uma fortuna em ouro perdida há 500 anos, que valeria alguns bilhões de dólares. O que começa como um golpe, acaba se tornando uma aventura épica que se estende pela Europa e Ásia para alcançar o tesouro antes do implacável vilão espanhol, Santiago Moncada (Antonio Banderas), que acredita que é o herdeiro legítimo da fortuna. Se Nate e Sully forem capazes de decifrar as pistas para resolver um dos mistérios mais cobiçados do mundo, eles podem encontrar o tesouro e talvez até o paradeiro do irmão de Nathan, há muito tempo desaparecido.

A série Uncharted já conta com quatro volumes de jogos para as plataformas digitais. Para a adaptação a opção dos produtores foi não realizar um filme de origem, mas uma aventura que trouxesse elementos de vários dos jogos e expandisse seu contexto para a mídia cinematográfica. A preocupação era assegurar que o público não tivesse a necessidade de conhecer os jogos para acessar o universo do filme. Outra importante decisão do diretor Ruben Fleischer foi filmar preferencialmente (tanto quanto possível) em locações e sets construídos, ao invés de gerar tudo por computação gráfica, como é bastante comum. Cenários reais efetivamente trazem vida para a tela e tornam mais tangível o mundo da narrativa. Então, ponto para Uncharted neste quesito.


A dupla central Holland – Wahlberg funciona muito bem, deu liga como se diz. Já o mesmo não se pode dizer da coprotagonista Sophia Taylor Ali, que fica muitos pontos abaixo, destoa do clima geral e fica muito a desejar. Sua personagem, Chloe Frazer, é praticamente nula e irrelevante para o andamento da trama. No quesito participação de prestígio, Antonio Banderas tenta dar um ar de sofisticação ao vilão espanhol, mas parece estar em cena apenas para garantir um nome forte no pôster do filme, já que sua presença também pouco se justifica, não diz a que veio e pouco (ou nada) acrescenta à aventura de caça ao tesouro.

Exploradores em busca de relíquias históricas remetem inevitavelmente à figura icônica de Indiana Jones, a quem Uncharted reverencia e bebe na fonte em algumas sequências. Inclusive com uma breve citação literal ao nome do clássico personagem criado pela dupla Spielberg – Lucas há 40 anos (!), criando um momento curioso onde a ficção invade a ficção. Outra referência que o filme traz à memória é a aventura estrela por Nicolas Cage em 2004, A Lenda do Tesouro Perdido.


Uncharted – Fora do Mapa sofre da sina que costuma assolar a imensa maioria dos filmes adaptados de videogames. A sensação imersiva de um jogo digital costuma se perder quando reproduzida na tela grande. E não foi diferente aqui. A solução encontrada pelos roteiristas (a já citada utilização de partes de histórias de jogos diferentes) fragmenta por demais a narrativa e compromete a coesão. Parece estarmos diante de um roteiro escrito por inteligência artificial através de algoritmos. Está tudo ali, os personagens, a trama, o conflito, mas, algo não funciona em plenitude nesta experiência de gamificação. O saldo, não mais que mediano, talvez assegure uma sequência. Uma cena pós-crédito sugere isto. Que tenha mais sorte, ou competência, na próxima vez. Caso contrário, game over.

Assista ao trailer: Uncharted – Fora do Mapa


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS