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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Conclave: habemus papam

 

O poder de imaginação proporcionado pelo cinema permite criar mundos inexistentes, reproduzir mundos conhecidos e, acima de tudo, especular sobre mundos inacessíveis, ainda que reais. Neste último caso entra em cena a especulação, baseada em fatos parciais, cujas lacunas são preenchidas pelo o que chamamos de ficção. Um ótimo exemplo desta capacidade especulativa da sétima arte é o thriller dramático Conclave que se passa inteiramente no ambiente intramuros do Vaticano durante o processo de votação dos cardeais para a escolha do novo papa para liderar a Igreja Católica. Sabe-se que este processo é extremamente sigiloso, realizado sob rígidas regras de compliance que proíbem a divulgação pública de alguns de seus ritos secretos. Portanto, resta ao cinema – e também à literatura - conjecturar com o salvo-conduto da liberdade criativa. Baseado no livro de Robert Harris lançado em 2016, Conclave foi dirigido pelo alemão Edward Berger, que ganhou destaque mundial há três anos com o drama de guerra Nada de Novo no Front.

A vacância do trono papal se dá imediatamente na primeira sequência de Conclave. A partir da morte do sumo pontífice iniciam todos os procedimentos para o funeral e posterior organização do encontro dos cardeais, vindos de diversas partes do mundo diretamente para o Vaticano, com o objetivo de promover a votação para a escolha de um novo papa. O responsável pela organização e supervisão do conclave é o cardeal Thomas Lawrence (Ralph Fiennes). Isolados do mundo exterior os cardeais ficam confinados na Capela Sistina, submetidos a várias rodadas de votação, até que se defina por unanimidade o eleito para assumir o trono.

O que em tese seria enfadonho como narrativa cinematográfica, ganha contornos de uma emocionante trama de suspense e thriller de investigação quando os disputantes ao pleito entram no jogo pesado e obscuro de mentiras, segredos comprometedores e destruição de reputações dos favoritos. No centro das ações está a figura do cardeal Lawrence que deve conduzir um desgastante processo eleitoral com serenidade e justiça, ainda que segredos inconfessáveis tenham chegado ao seu conhecimento. Dividido entre verdades inconvenientes e a defesa da credibilidade da Igreja Católica perante os fiéis, ele carrega o peso de uma decisão que tortura sua consciência.

Como seria de se esperar, o filme tem sido criticado pelo Vaticano por mostrar uma face negativa da Igreja Católica, marcada por corrupção, vaidade e ambição. O mais provável é que o que realmente incomodou as lideranças religiosas foi a inserção de uma visão progressista em oposição ao conservadorismo, representados por dois cardeais postulantes ao cargo de papa que abertamente apresentam ideias antagônicas. Sabidamente esta é uma pauta que a Igreja Católica não deseja enfrentar. Há ainda lançadas ao longo do roteiro – enxuto e brilhante – outras questões que costumam forçar os limites tradicionais dos dogmas da igreja, como diversidade, inclusão e sacerdócio feminino.

Conclave é um filme contido, de pouca ação, e surpreendente ao incluir em dado momento um inesperado momento explosivo. Toda a construção dramática se dá mediante diálogos precisos e contextualizados acompanhados por uma edição ao mesmo tempo elegante e dinâmica. O desenvolvimento da trama mantém o permanente interesse ao trabalhar a tensão do mistério como um elemento catalizador.

O personagem do cardeal Lawrence, ao investigar um segredo que se esconde nas sombras do Vaticano, em certa medida emula um misto de Hercule Poirot (o clássico investigador criado por Agatha Christie) e Robert Langdon, o professor especialista em simbologia criado por Dan Brown (O Código Da Vinci), interpretado nas telas por Tom Hanks. A propósito, uma das aventuras de Langdon, Anjos e Demônios, se passa justamente no Vaticano com suas tramas palacianas. O desempenho de Ralph Fiennes como o cardeal “detetive” é um dos destaques incontestáveis do filme de Edward Berger. Após alguns anos fora do radar das grandes produções de destaque, aqui Fiennes entrega uma das melhores interpretações da sua carreira.

Conclave é uma realização deslumbrante que trata com ousadia e rigor temas pertinentes de uma Igreja Católica que se debate entre a tradição e a modernidade. Um empolgante thriller de suspense religioso que se movimenta sinuosamente pelos espaços do confinamento com provações que questionam a fé, a justiça e a verdade.

Assista ao trailer: Conclave


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela