Vencedor do Oscar
de Melhor Filme em 2018, com A Forma da
Água, o cineasta mexicano Guillermo del Toro sempre transitou seu cinema de
gênero no terreno do terror, do horror, do fantástico e da fantasia. Após
quatro anos longe da direção ele retorna com O Beco do Pesadelo
(Nightmare Alley), drama de suspense com toques de terror que se passa no
universo circense dos shows de variedades dos anos 40 nos Estados Unidos, em
plena Segunda Guerra Mundial. Baseado
em um romance do escritor noir William
Lindsay Gresham, o filme de del Toro na verdade é uma refilmagem de O Beco das Almas Perdidas de 1947,
dirigido por Edmund Goulding, com Tyrone Power, Joan Blondell, Coleen Gray e
Helen Walker no elenco.
Viajante sem rumo
e passado nebuloso, Stanton Carlisle (Bradley Cooper) chega por acaso em um
circo itinerante de variedades. Consegue emprego temporário como operário do
show e acaba se envolvendo com a vidente Zeena e seu companheiro mentalista. Após
aprender rapidamente os truques da “profissão” decide abandonar tudo para
investir em carreira solo aplicando golpes por conta própria. Em um dos
espetáculos conhece a misteriosa psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchett), a
parceira perfeita para aplicar um grande golpe contra poderoso magnata.
Personagens
amorais como Stanton e Lilith se atraem como iguais. Agem como cobras num
serpentário: lutam pela sobrevivência num mundo hostil enquanto buscam obsessivamente
uma maneira de se dar bem. O perigo está sempre no horizonte, mas a cegueira da
ambição e do golpe perfeito embaça a visão. Movidos por instintos primitivos, com
desejos de poder e ganância, não encontram limites nem freios morais para alcançar
seus objetivos. Nesta trilha pelo lado obscuro da vida há muito a perder. Quem
deseja obstinadamente o todo, corre o risco (ou a sina) de ficar com nada,
muito menos do que possuía no início da jornada. Este é o arco narrativo do
trágico Stanton Carlisle, que del Toro conta com um excesso de minutagem que
prejudica a coesão do resultado final.
Cate Blanchett,
posando as vezes de femme fatale à la
Veronica Lake, raras vezes esteve tão caricata e canastrona em cena (Indiana Jones 4 seria outro desempenho
fora de tom da atriz, só para lembrar). Bradley Cooper, por sua vez,
eventualmente acerta no tom farsesco do ambicioso prestidigitador, mas no geral
parece um tanto contido, e o resultado geral fica aquém para o potencial de um
personagem conflitado. Em papéis secundários, com poucos minutos em cena, ainda
aparecem com destaque Toni Collete, como a vidente falcatrua, e Willem Dafoe defendendo
com sua característica vilania dúbia a figura do responsável pelo circo.
A primeira parte O Beco do Pesadelo lembra um pouco Água Para Elefantes. Tudo limpinho
demais, muito estetizado para seduzir os sentidos pela beleza das tomadas. Artifícios
visuais usualmente mais adequados para um romance - que essencialmente não é - do
que para um drama de suspense com trama policial que retrata a sordidez humana.
O Beco do Pesadelo apresenta uma
série de possibilidades e promessas infelizmente não cumpridas. O filme de
Guillermo del Toro não é nem noir,
nem terror, como eventualmente chega a flertar.
Desnecessariamente
longo, com um primeiro ato um tanto dispersivo e desfocado, quando finalmente
entramos no entrecho principal da narrativa, a paciência do espectador já está
um tanto esgotada pela expectativa frustrada que construiu. O mestre da
manipulação e do engodo da ficção, Stanton Carlisle, não encontrou eco no
trabalho de direção de del Toro, que não consegue manipular e conquistar a
credulidade da plateia conforme seus desejos. Desta vez o truque não deu certo.
Assista ao trailer: O Beco do Pesadelo
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS