A crescente qualidade, criatividade e diversidade
da produção de livros policiais vindos da Escandinávia (Suécia, Noruega,
Finlândia e Dinamarca) revelou uma nova geração de escritores de suspense e crime
que está dominando este que é um dos gêneros mais populares da literatura. Na
última década os livros policiais escritos em países de língua inglesa
(fundadores do gênero, diga-se) estão ganhando a forte concorrência de escritores
escandinavos que estão conquistando a atenção dos leitores em todo o mundo. Ou
seja, deixou de ser um fenômeno localizado. O reinado absoluto de nomes
consagrados e seminais das histórias de mistério como Agatha Christie e Arthur
Conan Doyle hoje sofre a ameaça de autores de sucesso como Stieg Larsson (da
Trilogia Millenium), Henning Mankell (criador do inspetor Kurt Wallander), Lars
Kepler (pseudônimo do casal de escritores Alexander Ahndoril e Alexandra Coelho
Ahndoril), Arnaldur Indridason (“O Silêncio do Túmulo”) e Anne Holt (“1222”).
O caminho natural e inevitável dos grandes best sellers é o cinema. A estrela da
vez é o escritor norueguês Jo Nesbo, criador do detetive Harry Hole que já
protagonizou dez livros e chega agora às telas com uma grande produção
internacional. Baseado no sétimo livro da série, Boneco de Neve (The
Snowman), dirigido pelo sueco Tomas Alfredson (de Deixa Ela Entrar e O Espião
Que Sabia Demais) apresenta o repertório que é marca registrada das
histórias policiais quem vem da Escandinávia: paisagens geladas, personagens
sombrios, crimes violentos e muito sangue sobre a neve.
Durante a primeira nevasca do
inverno norueguês uma mulher, casada e mãe, desaparece sem explicação. A única
pista identificada é um boneco de neve construído em frente à sua casa. O
investigador policial Harry Hole (Michael Fassbender) entra no caso e, com a
ajuda da também investigadora Katrine Bratt (Rebecca Ferguson, de Missão Impossível – Nação Secreta),
descobre que o desaparecimento tem ligações com um antigo caso de assassinato e
pode indicar uma nova série de crimes de um serial
killer.
Ambientes desolados, gelados,
descoloridos costumam abrigar pessoas frias, distantes, à beira da depressão.
Parte clichê, parte realidade, o fato é que ambientes extremos interferem de
fato na personalidade dos seus habitantes, que em muitos casos recorrem à
bebida para suportar a realidade depressiva. Histórias policiais sombrias como Boneco de Neve refletem com clareza este
contexto. O protagonista Harry Hole é o protótipo do policial sem muitas perspectivas,
de baixa estima, separado da família e amigo íntimo do álcool que aquece o
corpo e anestesia a mente. O caso do assassino do boneco de neve traz um pouco
de vida e ânimo à vida do policial, interpretado por um correto e contido
Michael Fassbender.
A direção elegante de Tomas Alfredson
conduz a história com algum interesse até a metade do filme. Daí pra frente as
coisas deixam de ter sentido e a narrativa perde o rumo e põe tudo a perder num
thriller que prometia melhores resultados. A sensação mais evidente é que Boneco de Neve, o filme, não deu conta
da complexidade da trama que o livro apresenta. Respostas, razões e motivações.
Isto é tudo que se deseja de uma boa história policial. Mas o filme de Alfredson
ficou devendo, e o resultado é decepcionante. As explicações para o crime, bem
como a resolução do mistério, são confusas e estão longe de ser impactantes –
como faziam supor – e tudo acaba num clímax que deixa por demais a desejar.
Isto sem falar em personagens que parecem ter uma forte razão para sua inclusão
na trama, mas, no entanto, somem sem dizer a que vieram. O personagem de J.K.
Simmons, um poderoso empresário, é um exemplo deste desperdício de talento.
Consta que o realizador andou reclamando que não
conseguiu filmar todas as cenas do roteiro. Isto, de fato, fica bem evidente
quando se constata que algumas cenas presentes no trailer não estão incluídas
na edição final do filme. Parece que nem a habilidade da montadora Thelma
Schoonmaker (habitual colaboradora de Martin Scorsese, que assina como um dos
produtores executivos) conseguiu resolver os problemas do roteiro, ou do
material disponível, vai saber.