Os 50 anos da pioneira adaptação de quadrinhos brasileira
Neste ano de 2023 completaram-se 50 anos do lançamento do filme O Judoka, longa-metragem brasileiro que adaptou o personagem das histórias em quadrinhos para o cinema. O personagem Judoka, lançado em uma publicação mensal da EBAL (Editora Brasil-América) em 1969, foi apresentado à época como o “primeiro herói genuinamente brasileiro”. Aquele período foi marcado pela chegada às bancas de revista brasileiras dos super-heróis da Marvel, como Homem-de-Ferro, Thor, Hulk, Namor e Capitão América. Este último parece ter sido uma forte referência para o uniforme utilizado pelo Judoka. Assim como o Capitão América utiliza as cores da bandeira norte-americana, o nosso herói nacional utiliza o verde e amarelo em sua vestimenta (lembrando que as cores só eram percebidas nas capas coloridas, pois as páginas do miolo eram impressas em preto e branco).
Lançado em 1973, o filme O Judoka, dirigido por Marcelo Ramos Motta, possui inegável valor histórico para a produção cinematográfica brasileira, seja pelo ineditismo e ousadia da proposta, seja pelo mito que se criou em torno do longa-metragem. Naquele período inicial dos anos 70 as adaptações de histórias em quadrinhos eram desconsideradas pela indústria. O primeiro movimento realmente efetivo, com a força dos grandes estúdios de Hollywood, foi a adaptação de Superman, dirigida por Richard Donner, em 1978. O êxito da produção despertou o interesse e alavancou uma série de outras produções baseadas nas HQs, até chegarmos ao domínio absoluto dos blockbusters da Marvel e DC que tomou conta das salas de cinema na virada do século e perdura até hoje.
Portanto, dentro deste cenário, O Judoka, produzido cinco anos antes de Superman, foi precursor e visionário, ainda que involuntário e aleatório, devido à falta de continuidade e ao absoluto fracasso de bilheteria da produção. O filme ficou em cartaz apenas uma semana no Rio de Janeiro, onde foi produzido, As poucas cópias existentes (consta que eram apenas 7 ou 8) foram posteriormente exibidas, por alguns dias, nas maiores capitais do país: São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador. Após este breve período de exibição o filme saiu completamente de circulação, entrou no limbo e sumiu sem deixar vestígio. A ponto de muita gente duvidar que o filme um dia realmente existiu, que tudo havia sido um delírio coletivo, particularmente dos fãs da revista.
Uma lenda se formou em torno da produção, mas efetivamente o filme existiu. Algumas pessoas diretamente envolvidas ainda estão por aí para confirmar. O Judoka foi estrelado por Pedro Aguinaga, que à época detinha o título de “homem mais bonito do Brasil”, após vencer concurso promovido pelo programa de Flávio Cavalcanti. Figura bastante conhecida no jet set carioca, Pedrinho Aguinaga (como era chamado) chegou a atuar posteriormente com alguma regularidade no cinema brasileiro, em filmes como Os Trapalhões na Guerra dos Planetas e algumas produções de Neville D’Almeida: Rio Babilônia, Matou a Família e foi ao Cinema e Navalha na Carne.
O par romântico de Aguinaga em O Judoka foi interpretado pela atriz Elizângela (recentemente falecida) estrela em ascensão das telenovelas da Globo na época. Quando o filme foi lançado ela estava no elenco da novela Cavalo de Aço. Outro nome de destaque do elenco é Marcus Alvisi (como um dos vilões da história), que posteriormente fez carreira como professor de interpretação e diretor teatral.
A realização do longa-metragem foi a primeira e única experiência de direção de Marcelo Ramos Motta, uma figura um tanto misteriosa e enigmática do cinema nacional. Sua vida certamente daria um filme, como se diz usualmente para personagens que nos fascinam. O pouco que se sabe da trajetória de Marcelo se parece por demais com a biografia de um personagem de ficção. Não existem mais do que meia dúzia de fotos com o registro da imagem do realizador. Curiosamente, uma delas é justamente um lobby card de divulgação de O Judoka, onde ele aparece orientando Pedrinho Aguinaga na coreografia de uma luta.
Nascido no Rio de Janeiro, na adolescência Marcelo falava fluentemente o inglês, sem sotaque, algo um tanto raro nos anos 50. Posteriormente morou por vários anos nos Estados Unidos. Por lá escreveu alguns contos, todos no gênero da ficção científica, e chegou ainda a desenvolver dois roteiros para o programa General Motors Theatre, uma série dramática de antologia da televisão canadense (ambos também de ficção científica). A obra em inglês de Marcelo Ramos Motta (contos e roteiros) foram publicadas em livro por uma pequena editora norte-americana.
Especula-se que o propósito de Marcelo Ramos Motta ao realizar O Judoka (um personagem de sucesso naquele momento) era faturar uma boa bilheteria para futuramente utilizar os lucros para seus projetos relacionados à expansão das ordens místicas por todo o Brasil. O cinema propriamente nunca foi o interesse principal de Marcelo, mas um meio para angariar recursos. Porém, o projeto naufragou nas bilheterias. Jamais recuperou o investimento, inclusive deixou dívidas que o amarguraram pelo restante da vida. Marcelo Ramos Motta morreu em 1987, aos 56 anos. Não deixou herdeiros. Por esta razão, seus direitos autorais das canções foram repassados para as filhas de Raul Seixas. Uma informação equivocada que circula é de que Marcelo também teria dirigido A Estranha Hospedaria dos Prazeres (1976) em parceria com José Mojica Marins. Trata-se de um homônimo, que assina apenas como Marcelo Motta.
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul
Contato: janeladatela@gmail.com