Lançado em 2022,
o thriller de horror Sorria foi uma das boas surpresas da temporada no
gênero que costuma repetir fórmulas, sem grandes novidades. Encontrou
ressonância entre o público, que garantiu boas bilheterias em todo o mundo, e
também junto à crítica, merecendo de modo geral resenhas positivas. Por ser
aquele um ano ainda marcado pelos efeitos da quarentena pandêmica, o filme
dirigido por Parker Finn foi considerado por muita gente uma analogia ao pânico
vivido naquele momento pela ameaça de contaminação da Covid. A relação, neste
caso, ainda que possível, foi meramente incidental e involuntária, pois o conceito
do longa-metragem é uma expansão do tema já desenvolvido em 2019 (portanto,
anterior à pandemia mundial) no curta-metragem de 11 minutos Laura Hasn’t
Slept, (“Laura não dormiu”) do próprio Parker Finn, lançado apenas no
fatídico ano de 2020, no qual o primeiro Sorria foi inspirado.
Para evitar uma
semelhança com a ideia central de A Hora do Pesadelo, onde o vilão
Freddy Kruger surge somente durante os sonhos, a proposta original que deu
origem à Sorria foi alterada. Desta vez o Mal surge em alucinações e
delírios despertos, não dependendo dos sonhos dos infectados pela maldição
apresentada no primeiro filme. O sinal da contaminação, como já sabemos, está
na cara: um largo, assustador e inusitado sorriso estampado na face.
Há uma curiosa e
esperta ligação simbólica que “contamina” todos os filmes. A personagem central
do curta-metragem reaparece no primeiro longa-metragem como a paciente zero que
se consulta com a doutora protagonista. Para dar continuidade na saga, um dos
personagens finais, testemunha da maldição no primeiro filme, ressurge desta
vez no impactante prólogo que abre este Sorria 2 (Smile 2, 2024),
ainda sob a direção de Parker Finn.
A “contaminação”,
vale relembrar para os desavisados, ocorre quando a vítima é testemunha do
suicídio de alguém (já contaminado). Após a morte consumada o “Mal” passa a
habitar o novo corpo, como um parasita que invade um hospedeiro. A partir de
então a nova vítima contaminada passa a ter alucinações, enxergando sorrisos
macabros em rostos de familiares ou conhecidos, até que, em um delírio extremo
de loucura, acaba cometendo suicídio, em frente a alguém que passa então a ser
o novo hospedeiro da maldição de origem sobrenatural.
Em Sorria 2
a vítima da vez é a cantora pop Skye Riley (a ótima Naomi Scott), que está
retomando a carreira após um trágico acidente ocorrido um ano atrás. Ao
testemunhar o pavoroso suicídio de um fornecedor de drogas, Skye incorpora a “entidade
maligna” e passa a viver momentos perturbadores, com alucinações e delírios.
Sem distinguir o que é real do que é perturbação mental, a jovem cantora
enfrenta seus fantasmas internos em busca de respostas antes de chegar ao
limite da insanidade e consequente morte.
A pressão da
fama, os compromissos de agenda e a constante necessidade de superar limites no
universo competitivo do mundo artístico já são razões suficientes para exigir o
máximo da saúde física e mental de Skye, ainda em recuperação do acidente
sofrido. Os primeiros sinais da manifestação do Mal que tomou conta de seu
corpo inicialmente foram atribuídos às exigências estressantes da sua atividade
profissional. Mas logo a coisas fogem do controle. Há algo mais profundo e
perturbador tomando o controle da sua vida.
Sorria 2 faz uma mistura
bem temperada que reúne terror, gore, suspense psicológico e slasher,
transitando por todos os estilos com a habilidade reconhecida do realizador
Parker Finn. Ainda assim, o filme por vezes comete o pecado da utilização pouco
inspirada da técnica do jump scare (o famoso susto repentino), um truque
um tanto clichê que costuma ser uma cilada quando utilizado em demasia ou de
forma gratuita. Aqui ficamos no limite do tolerável para uma produção que
demonstra uma clara intenção de buscar renovação do gênero com a inserção de
elementos psicológicos.
O filme apresenta
situações e momentos realmente perturbadores na espiral de loucura, que
transforma a vida de Skye em uma jornada rumo à insanidade suicida. Os
conflitos interiores manifestados pela protagonista conduzem a narrativa para
uma abordagem de temas complexos como traumas, culpas e vivência do luto, por
um passado que ainda assombra seu presente.
Contribui
decisivamente para a verossimilhança deste sombrio mergulho vertiginoso rumo à
mais completa alucinação o desempenho realmente diferenciado da atriz
protagonista, Naomi Scott. Sua entrega ao papel é intensa, transmitindo com
vigor toda a angústia da cantora pop assombrada por delírios persecutórios. De
origem britânica, Naomi é conhecida pelo papel da princesa Jasmine em Aladdin,
a versão live-action dirigida por Guy Ritchie em 2019, protagonizada por Will
Smith no papel-título. Além de mostrar sua capacidade de atuação, em Sorria
2 a atriz também teve oportunidade de exibir seu talento no canto e na
dança em alguns números musicais ao longo da trama (não, o filme não é musical!),
cujo estilo das canções e interpretação lembram a performance teatral de Lady Gaga.
Frequentemente
nos deparamos nas redes sociais com memes e listagens que apontam sequências de
filmes que superam o original. O Exterminador do Futuro 2 e Star Wars
– O Império Contra-Ataca são dois exemplos sempre lembrados. Pois então, no
gênero horror surgiu um novo postulante a este título. Sorria 2 supera o
Sorria original, que, a propósito, é um bom filme. Nesta continuação foi
expandido o conceito original introduzindo novas camadas, sem a necessidade de
dar explicações sobre a origem do fenômeno. A experiência aterradora da vítima
é a grande matéria prima trabalhada por Parker Finn com apuro técnico e visual
caprichado. Sorria 2 é um horror que dialoga com a inteligência e a
sensibilidade do público, que sai da sala de exibição com um sorriso no rosto.
Não por estarem “contaminados”, mas pelo prazer de assistir um filme de horror
que não deixa ninguém indiferente.
Assista ao trailer: Sorria 2
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela