
Autor
de um cinema geométrico, matemático e sensorial, Wes Anderson consolida-se como
um devoto da simetria — mais rigoroso que Stanley Kubrick, outro cineasta
obcecado pelo tema. Seus filmes funcionam como livros para colorir vistos por
um olhar obsessivo, nos quais a forma sempre suplanta o discurso. Em O
Esquema Fenício (The Phoenician Scheme, 2025) essa assinatura atinge
seu ápice onde cada plano é uma equação resolvida com a precisão de um ourives,
mas também com a frieza de um teorema matemático.
Ambientado
nos anos 1950, o filme acompanha o magnata europeu Zsa-Zsa Korda (Benício Del
Toro), que, após sobreviver a múltiplos atentados, nomeia sua filha — uma
freira — como herdeira de seu império. Juntos, embarcam numa jornada repleta de
espionagem internacional, traições e dilemas morais entre família e poder. O
enredo, no entanto, é mero pretexto para Anderson explorar seu verdadeiro
interesse: a arquitetura da narrativa.
O
roteiro trata o inesperado como um jogo de RPG de derivações infinitas e
Anderson deleita-se em explorar cada possibilidade narrativa. A construção
labiríntica exige atenção redobrada, mesclando complexidade estrutural e uma
estética deliberadamente delicada — um equilíbrio que revela seu fascínio pela
fragmentação e pelo controle minucioso. É o caos traduzido em precisão visual
com cenários exuberantes, ação desenfreada e situações absurdas que coexistem
sob uma mesma lente simétrica.
Comparado
a Asteroid City, seu filme anterior, aqui Anderson introduz o humor de
maneira orgânica (ainda que contida), sem recorrer a grandes efeitos cômicos.
Essa leveza descontraída, marca de seus melhores trabalhos — como O Grande
Hotel Budapeste, outro filme de espionagem e aventura com humor ácido —, serve
de contraponto ao formalismo estético, quase como uma homenagem ao tom das
aventuras de Tintim, de Hergé. Referências temáticas e visuais à obra do
quadrinista ecoam nos planos meticulosamente diagramados e na aura de 'missão
impossível' europeia.

Caro
leitor, até aqui nos detivemos apenas na parte positiva da história, destacando
seus méritos e aspectos criativos, amplamente reconhecidos. O lado menos solar
dessa narrativa, porém, é a recorrente repetição de uma fórmula que, com pouca
margem de erro, parece estar à beira do esgotamento. Wes Anderson vive um
paradoxo em sua obra. O mesmo conjunto de elementos que o consagrou como um
cineasta de estilo inconfundível agora o aproxima perigosamente de se tornar um
pastiche de si mesmo. O diretor, afinal, está enclausurado em sua própria
gaiola de ouro. Seu excesso de simetria e paletas de cores impecáveis, antes
veículos de narrativas melancólicas ou satíricas, agora parecem servir apenas à
autocitação. Em outros tempos sinônimo de inovação, sua assinatura visual corre
o risco de se tornar mera decoração vazia.

Assistir
O Esquema Fenício é realmente uma experiência, ainda que não
inteiramente prazerosa. De início nos deleitamos com o deslumbramento estético
de cores, formas, composições e arte visual. Em determinado momento, na metade
do filme, passamos a ficar incomodados pela falta de rumo e propósito de uma
história que se perde em digressões vazias sem avançar em um arco narrativo
convincente que de fato nos seduza. Por fim, em seu terceiro ato, torcemos para
que os minutos voem e o filme, enfim, chegue a um desfecho. Qualquer desfecho,
desde que ponha fim à experiência.

Cada
novo filme de Wes Anderson parece confirmar uma verdade curiosa: atuar em suas
obras é certamente mais divertido que assisti-las. Essa ironia explica os
elencos estelares que o cineasta consegue reunir. Em O Esquema Fenício a
lista é tão prestigiosa quanto dispersa. Além do já citado protagonista Benicio
Del Toro ainda temos em cena, em participações secundárias, mínimas ou
secretas, nomes como Michael Cera, William Defoe, Tom Hanks, F. Murray Abraham,
Bryan Cranston, Riz Ahmed, Benedict Cumberbatch, Bill Murray, Scarlett
Johansson, Jeffrey Wright, Mathieu Amalric e Charlotte Gainsbourg.

É
um espetáculo de nomes grandiosos a serviço de um filme que, no final, se
revela mais um exercício de estilo do que uma narrativa satisfatória. Diante
disso, talvez o verdadeiro divertimento para o espectador esteja em adotar o
próprio espírito lúdico do realizador: transformar a experiência numa caça ao
tesouro, explorando cada quadro em busca dessas estrelas perdidas no labirinto
visual. Wes Anderson permanece um mestre incontestável no seu ofício, mas seu
universo meticulosamente construído necessita urgentemente de mais alma e menos
esquemas.
Assista ao trailer: O Esquema Fenício
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela