sábado, 7 de janeiro de 2017

“Sniper Americano”: sobre lobos, ovelhas e cães pastores


Existem cineastas cuja personalidade privada e posições políticas contaminam de antemão qualquer julgamento, normalmente precipitado, de sua obra. Clint Eastwood é um deles. Um exemplo oposto é Woody Allen, cuja vida privada está totalmente preservada e descolada na avaliação de seus filmes. Portanto, é com este peso extra, que não existe de fato na tela, pois é um aspecto extra-fílmico, que Sniper Americano se apresenta. No entanto, este é um peso extra que todos os filmes mais recentes de Clint Eastwood carregam injustamente. Conservador e direitista são rótulos facilmente identificáveis em críticas menos criteriosas da obra do realizador. Um caso clássico de fusão entre criador e criatura.

Sniper Americano, 34º longa-metragem dirigido por Clint Eastwood, é um drama biográfico que retrata a vida de Chris Kyle, soldado SEAL das forças especiais da marinha norte-americana, celebrado como o maior atirador sniper dos EUA com a marca de mais de 160 tiros fatais no currículo. No período entre 2003 e 2009 o atirador participou de várias missões na Guerra do Iraque, ficou conhecido como o “Mito” e inspirou o temor nos inimigos pela precisão e eficiência de seus disparos.


Alternando sequências no campo de batalha com passagens da vida privada de Chris Kyle, a história contada em Sniper Americano se diferencia na essência de outros dois filmes de ambientação e temática semelhantes: Guerra ao Terror (de Kathryn Bigelow) e Falcão Negro em Perigo (de Ridley Scott). Ao particularizar a narrativa num personagem central, em constante conflito com seus dramas pessoais, sem particularizar o confronto bélico em si, o filme de Clint Eastwood é mais do que um drama de guerra. O enfoque está mais na guerra interna do personagem, que assume e se consome no papel de “cão pastor” em sua missão de defender as “ovelhas” dos “lobos”.

Ao mostrar o personagem central em constante dúvida sobre o seu verdadeiro papel na sociedade, o filme faz uma revisão do mito e rediscute a figura do herói nos dias atuais. Ainda há lugar para eles? Eles são assim tão infalíveis, inspiradores e edificantes? A fronteira entre heróis e vilões é bem mais cinza e nebulosa do que parece.


Mais uma vez a eficiência da narrativa de Clint Eastwood se evidencia em Sniper Americano. Com seu estilo seco, preciso, sereno, sem excessos ou qualquer grande efeito cênico, o realizador de 84 anos é um dos últimos diretores da Hollywood clássica ainda em ação. Seu estilo de filmar é fruto de aprendizado com grandes mestres da narrativa, entre os quais o antigo parceiro Don Siegel (Perseguidor Implacável (Dirty Harry) e Alcatraz: Fuga Impossível, entre outros), de quem é legítimo herdeiro.

(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em fevereiro de 2015)


Jorge Ghiorzi

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

"Cleópatra": o filme que mudou Hollywood


O cinema norte-americano, particularmente aquele produzido em Hollywood, passou por um abalo sísmico no início dos anos 60, cujas consequências são percebidas até hoje. Naquele tempo ainda vigorava o Star System, o formato de produção que jogava todas as fichas no poder sedutor das grandes estrelas do cinema, que arrastavam multidões aos cinemas. Os filmes eram produzidos em função de um determinado ator ou atriz. As histórias e roteiros eram meros pretextos para reafirmar o brilho dos grandes mitos do cinema, que então reinavam absolutos.

Foi dentro deste conceito que a 20th Century Fox concebeu uma das maiores produções de Hollywood, até então: Cleópatra (lançado em 1963). A grande estrela do projeto era Elizabeth Taylor. Em valores corrigidos o filme teria custado mais de 400 milhões de dólares (alguns pesquisadores afirmam que poderia ter chegado próximo aos 600 milhões). Enfim, o fato é que a produção do filme (iniciada em 1961) foi uma sucessão de desastres, provocados por um gerenciamento descontrolado, decisões equivocadas e egos inflados.


O primeiro erro estratégico da produção foi filmar na Inglaterra. Gigantescos e faraônicos (!) cenários foram construídos, mas, não contavam com os maus humores da natureza. Chuvas constantes e vendavais teimavam em destruir os sets de filmagens, que eram constantemente reconstruídos. Atrasos no cronograma de filmagens eram frequentes, e a folha de pagamentos só aumentava, pois o elenco e extras, contratados para trabalharem poucos dias, ou semanas, eram remunerados indefinidamente, por semanas e semanas, até que as condições de filmagem se restabelecessem.

Foi em Cleópatra que o recorde de cachê de 1 milhão de dólares por filme foi batido. Esse foi o valor do contrato de Elizabeth Taylor, que ainda ganhava mais 10 mil dólares por semana de filmagem. Então, como desgraça pouca é bobagem, em sua temporada na fria e úmida Inglaterra, Miss Taylor contraiu uma pneumonia e ficou várias semanas internada: Resultado? O estúdio desembolsava rios de dinheiro para manter a atriz sob contrato. Afinal, ela valia seu peso em ouro, e seria o grande apelo comercial na promoção do filme. Não seria, portanto, uma despesa, mas sim um investimento.


Bem, com quase tudo dando errado durante as filmagens, incluindo a troca do diretor Rouben Mamoulian por Joseph L. Mankiewicz, a produção se tornou um tormento para a Fox, que temia a falência da companhia por não conseguir conter a sangria das despesas. Para completar o pesadelo, nos sets de filmagem outra bomba estava prestes a estourar: o caso de Elizabeth Taylor e Richard Burton (que interpretava Marco Antônio). Ambos casados, eles engataram um romance secreto nos bastidores das filmagens, fato este que fazia a delícias da imprensa que cobria a produção. Ficou clássico o episódio que “revelou” de uma vez por todas que algo mais sério havia entre os dois. Durante a filmagem de uma sequência que reunia Taylor e Burton e acabava com um beijo, após o término da tomada o diretor Mankiewicz gritou: “Corta”. Mas o casal apaixonado seguiu se beijando como se não houvesse amanhã, alheios ao mundo espantado ao redor. Atracados num beijo, que nada tinha de técnico, o casal selou o romance.

Um mito equivocado com o filme Cleópatra persiste. A produção historicamente foi taxada como um fracasso absoluto de bilheteria. Mas isto não é correto. Mesmo não sendo um sucesso estrondoso, a produção da Fox não foi tão mal em faturamento. Ao longo do tempo, após as reprises, a exibição na TV e os lançamentos em home vídeo, o filme acabou por recuperar a quase totalidade do investimento do estúdio.


Hoje, olhando com a perspectiva do tempo, Cleópatra representou o fim de um ciclo, de uma forma de encarar o cinema. O filme foi o paradigma de uma velha forma de produção que logo ali adiante, mais para o final dos anos 60, seria sepultada de vez quando chegou a nova geração de cineastas norte-americanos (a primeira geração que estudou cinema). Filmes inovadores como Uma Rajada de Balas (Bonnie & Clyde, 1967), dirigido por Arthur Penn, e A Primeira Noite de um Homem (1967), de Mike Nichols, mostravam um novo caminho, daí surgindo um dos períodos mais vigorosos, criativos e promissores do cinema dos EUA, o New American Cinema dos anos 70.

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em janeiro de 2015)


Jorge Ghiorzi

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

"Cinema em Close-Up": tesouros da Boca do Lixo


Localizado num tempo e espaço bem definidos, houve um período muito peculiar do cinema brasileiro. Um período onde nosso cinema foi autossuficiente, pois produzia, filmava e exibia suas produções praticamente à margem do chamado "cinema oficial", então patrocinado pela hoje extinta estatal do audiovisual, Embrafilme. Estamos falando da época da Boca do Lixo, que se constituiu quase num mundo à parte naquele momento tão prolífico da nossa cinematografia.

O tempo está localizado no período entre o final dos anos 60 e o final dos anos 80. O espaço era a Rua Triunfo (e suas imediações), localizada na região central da cidade de São Paulo. Lá floresceu uma indústria audiovisual fortemente calcada pelo cinema de gênero, extremamente popular, que transitava das comédias ao terror, do suspense aos dramas, mas, todos eles, fortemente marcados pelo apelo erótico. Eram tempos de ditadura e AI-5, onde as salas de cinemas de bairro constituíam o espaço possível para um pouco de liberdade criativa e expressão de individualidade.

Foi neste ambiente de intensa produção cinematográfica que surgiu uma revista de cinema que viria a ser um dos principais marcos históricos daquele período de efervescência. A publicação se chamava Cinema em Close-Up, que foi editada de 1975 a 1977. Com entrevistas, artigos e críticas, a revista registrou o surgimento, o apogeu e a glória da Boca do Lixo. Inserida no próprio núcleo da produção da Rua Triunfo, pois sua redação ficava literalmente no olho do furacão, a revista foi em seu tempo o porta voz "extra-oficial" daquela geração de cineastas, técnicos, atores e atrizes. Editar uma revista de cinema, especialmente naquele tempo, não era tarefa das mais fáceis. Mas a "Cinema em Close-Up", fundada e editada por Minami Keize, foi responsável por estabelecer um nível de respeitabilidade à Boca do Lixo, na medida em que levou aquela indústria de cinema popular para a mídia impressa.

Hoje os raros exemplares da publicação são disputados por colecionadores de todo o país. Mas essa história tem um final feliz. Todo o acervo das revistas publicadas foi digitalizado e está disponível para ser redescoberto, num louvável projeto de resgate conduzido pela Heco Produções.


(Texto orifinalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)

Jorge Ghiorzi

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

"Boa Sorte": as vantagens de ser invisível


É com algum alívio que nos deparamos com um drama sensível como Boa Sorte, em meio à quase hegemonia das comédias nacionais que proliferam em escala industrial. No mínimo evidencia uma saudável diversidade de temática, ainda que eventual. Baseado no conto "Frontal com Fanta" do gaúcho Jorge Furtado, o filme na verdade possui ainda outra razão por se destacar no panorama atual do cinema brasileiro. A produção é um autêntico tour de force de uma atriz em franca evolução em seu ofício de representar: Deborah Secco.

Ao contrário das comédias, que não exigem nada mais da plateia do que relaxamento e disposição para o riso, a adequada apreciação de Boa Sorte deverá contar com uma boa dose de comprometimento do espectador com uma narrativa que se equilibra entre a depressão e a melancolia, com ligeiros toques de humor.

Depressão e melancolia. Aí estão dois traços definidores da personalidade dos protagonistas da história que cruzam seus destinos numa clínica psiquiátrica. Judite (Deborah Secco) é paciente soropositiva, portadora de HIV, dependente química em fase terminal, pois seu organismo já não tolera mais o coquetel de medicamentos. João (João Pedro Zappa) é um adolescente com problemas de comportamento, que, após ser diagnosticado com depressão, é internado para tratamento.


Os problemas de ambos, aparentemente, têm um fundo de mesma origem: a família. Os pais de João são frios, distantes e omissos. Já a família de Judite tem todos os traços clássicos de uma relação desagregadora. De sua mãe, pouco se sabe, a não ser que aparentemente teve o mesmo fim que se prenuncia na filha. E sua avó (Fernanda Montenegro), adepta de cigarrinhos sem marca e pesada medicação tarja preta, tenta uma reaproximação com a neta para sossegar sua consciência pesada.

No improvável ambiente de uma clínica psiquiátrica floresce uma relação de parceria, cumplicidade e compreensão mútua, que acaba na urgência de um caso amoroso. Uma relação que luta contra o tempo e a tragédia anunciada. Dois perdidos num mundo do qual não fazem parte, que não os representa, Judite e João só ganham traços de vida e lucidez ao fazerem uso de comprimidos de Frontal ingeridos com Fanta. Então, segundo a “viagem” deles, se tornam invisíveis. Nessa condição, e apenas nessa condição, se sentem livres de seus fantasmas internos.

O roteiro foi escrito por Jorge Furtado e seu filho, Pedro Furtado. A exemplo de trabalhos anteriores do cineasta / roteirista, o filme apresenta diálogos ágeis, de corte rápido, que exibem o já conhecido conhecimento de curiosidades de almanaque, tão presente nas obras de Jorge Furtado. Boa Sorte foi dirigido por Carolina Jabor. Este é o segundo longa-metragem dirigido pela filha de Arnaldo Jabor (o anterior foi o documentário O Mistério do Samba, em 2008). 

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)

Jorge Ghiorzi

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

"Interestelar": para o infinito e além


O recente filme de Christopher Nolan é fruto de uma paixão e uma obsessão. Não é segredo para ninguém, pois o próprio realizador já declarou várias vezes, 2001 – Uma Odisseia no Espaço é o filme mais significativo e poderoso que o cineasta já assistiu. Pois Interestelar existe como forma de Nolan contrapor e, sob certo aspecto, “responder”, em seus próprios termos, a mística transcendental que acompanha o filme de Stanley Kubrick, que, lançado em 1968, finalmente acabou com a ingenuidade da ficção científica no cinema.

Desde então, qualquer filme de ficção científica que se preze e pretenda ser algo mais do que uma simples aventura espacial ou tecnológica, precisa necessariamente avançar seus limites e abordar questões filosófico-científicas fundamentais que acompanham a Humanidade: a origem do homem; a (in)finitude do Universo; vida; morte; dimensões paralelas e a relatividade do Espaço-Tempo.


Vamos aos fatos de Interestelar. O planeta está em risco. Os meios de subsistência estão se extinguindo e a catástrofe se aproxima. Uma das saídas para a sobrevivência da Humanidade está na colonização em outros planetas. Em busca do local ideal para a nova “Terra”, uma missão espacial exploratória é lançada ao hiperespaço com o auxílio dos “buracos negros” que acessam outras dimensões da física espacial.

No anterior Origem, Christopher Nolan foi acusado de ser excessivo nas intermináveis explicações dos personagens, tentando trazer algum sentido às teorias que embasavam a lógica da narrativa. O diretor contava com a suspensão de descrença da plateia. Já o mesmo não necessariamente ocorre em Interestelar. O nível das explicações é bem comedido (talvez até um pouco demais), por outro lado, as teorias expostas são reais e cientificamente aceitas no terreno das hipóteses.


Já citamos a relação com 2001, mas Interestelar ainda possui alguns pontos de contato com ... Contato, dirigido por Robert Zemeckis e estrelado por Jodie Foster, lançado em 1997. O filme também narra uma viagem dimensional para outras realidades. E, curiosamente, também conta com Matthew McConaughey no elenco, como um religioso dividido entre a fé e a ciência. Mas aqui não é o caso. Ele interpreta um ex-astronauta que acredita firmemente no poder da ciência e na força do amor e da família.

Interestelar é uma produção imperfeita, ainda que extraordinária em suas pretensões. Desnecessariamente longo e, por vezes, dispersivo, o filme de Christopher Nolan não consegue, em suas quase três horas de duração, dar conta do excesso de possibilidades que a história insinua. Mas isto não tira o brilho de sua ousadia. E que uma coisa fique certa: poucas vezes o cinema tratou com tanta criatividade os efeitos da Teoria da Relatividade que altera Tempo e Espaço. Contar mais que isto é spoiler!

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)

Jorge Ghiorzi

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"Relatos Selvagens": pequenos contos morais de ódio e fúria


A força e a qualidade do novo cinema argentino é uma realidade consistente. Não parece ser apenas um modismo de ocasião, nem resultado de um movimento passageiro, pois a boa fase já dura pelo menos uma década e meia (portanto, desde o início dos anos 2000). Com regularidade somos brindados com filmes criativos, instigantes, engraçados, dramáticos, artísticos e, ao mesmo tempo, populares.

O cinema argentino atual se caracteriza exatamente por sua diversidade de propostas. Não há opção por um caminho único, nem o direcionamento de investimentos maciços num gênero cinematográfico hegemônico, como ocorre no Brasil. Aqui, a produção avassaladora de comédias abafa o restante da produção, sem falar na dominância que exerce sobre os interesses das grandes plateias.


Pois, vem justamente desta Argentina a produção Relatos Selvagens, uma das melhores de 2014. O filme apresenta uma estrutura episódica, pois se trata de uma sucessão de cinco pequenas histórias, além de um explosivo prólogo que já nos dá uma amostra do que virá adiante. No entanto, apesar se serem narrativas independentes, todas estão unidas por um mesmo sentimento: são relatos de pessoas à beira de um ataque de nervos.

A citação, que lembra o título de um filme de Pedro Almodóvar, não é totalmente gratuita. Relatos Selvagens tem entre seus produtores o próprio cineasta espanhol. Certamente houve uma identificação de Almodóvar com o clima de exagerado nonsense que permeia todas as histórias. Não soubéssemos que se trata de um filme argentino, poderíamos imaginar, sem esforço, que Relatos Selvagens poderia ser um filme dirigido por Pedro Almodóvar.


Dirigido por Damián Szifrón, Relatos Selvagens trata essencialmente dos males da vida contemporânea, onde estamos constantemente sobre pressão, seja pela opressão do Sistema, seja pelas circunstâncias de confronto que a vida em sociedade nos impõe. Em cada uma das pequenas histórias os personagens vivem situações-limite que culminam numa explosão de sentimentos reprimidos, onde o instinto fala mais alto do que a razão. Com um misto de incredulidade e espanto acompanhamos pequenos dramas individuais. Ora com um sorriso amarelo nos rosto, ora com angústia pela tragédia que se anuncia.

Ao assistirmos os pequenos contos de ódio e fúria de Relatos Selvagens, é inevitável a reflexão e nos perguntamos: como reagiríamos em situações como aquelas? Sem assumir posição de crítica ou de incentivo às ações de seus personagens, o realizador Damián Szifrón assume um olhar distante, como um cientista observando a reação de seus ratinhos de laboratório, movidos por impulsos ancestrais. Desta experiência, diríamos, sociológica, resultou um filme eventualmente perturbador, profundamente crítico e quase sempre engraçado.

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)


Jorge Ghiorzi

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Hello Mr. Corman



O mestre dos filmes B, Roger Corman, marcou presença no Brasil semana passada (nota: outubro de 2014). Ele foi o convidado especial do evento "Madrugada Sangrenta" que aconteceu em Curitiba, um misto de happening de fãs de filmes de terror / horror, mostra de filmes, palestras, oficina e concurso de roteiros. O fato de ter acontecido no final do mês de outubro, em pleno Halloween, não foi uma mera coincidência.

A principal participação de Corman no evento foi sua Master Class, onde passou a limpo sua prodigiosa e bem sucedida carreira, comentando aspectos curiosos, por vezes bizarros, da produção de alguns de seus mais de 400 filmes produzidos e/ou dirigidos por ele. Engenheiro de formação, Roger Corman começou no cinema como roteirista. Após algumas poucas experiências na área concluiu que ele próprio poderia dirigir suas histórias. Curiosamente a estreia como diretor foi com um western, chamado Cinco Revólveres Mercenários (1955 - Five Guns West).


Na condição de diretor ou produtor, Roger Corman construiu sua reputação na indústria pela eficiência em produzir com rapidez e poucos recursos. Sempre foi, e continua sendo, um genuíno cineasta independente, de verdade. Sua fórmula é imbatível: Orçamento apertado + Cronograma apertado = Filmes criativos. Uma prova de seu prodigioso formato de produção? Somente no ano de 1957 Roger Corman dirigiu 10 filmes (!).

O uso das ferramentas intuitivas de marketing sempre balizaram suas produções. O filme é produto comercial, pelo qual o público paga ingressos para consumir. Por esta ótica, era bastante comum nos anos 50 (quando Corman começou) que os títulos dos filmes fossem os mais apelativos possíveis, justamente para despertar antecipadamente a atenção do público. Inclusive, quando os títulos destas produções B eram criados, na maioria das vezes não havia sequer uma linha do roteiro escrito. Apenas o título e o cartaz. Assim, surgiram naquela época títulos como A Besta de Um Milhão de Olhos; O Ataque das Sanguessugas Gigantes; A Mulher Vespa; O Ataque dos Caranguejos Gigantes e A Besta da Caverna Assombrada, entre outras tantas pérolas.


Esperto e antenado nas reações do público, Roger Corman revelou um pequeno segredo que descobriu logo em suas primeiras produções: o "monstro" sempre deve ser mais alto do que a mocinha do filme. Por que? Simples: no momento de pavor a mocinha tem que olhar para cima para potencializar o medo.

Fato incontestável da obra de Roger Corman foi sua intuição para descobrir novos talentos, muitos dos quais viriam a ser futuros atores e diretores de prestígio premiados com o Oscar. Entre eles estão atores como Robert de Niro e Jack Nicholson, e diretores como Martin Scorsese, Francis Coppola, James Cameron, Jonathan Demme e Tim Burton. Contou que para descobrir os novos talentos sempre deu oportunidades aos jovens que fossem inteligentes, trabalhassem duro e fossem criativos.

Hoje, aos 90 anos, Roger Corman segue na ativa, cheio de projetos e entusiasmo. Atento ao mercado como sempre, está de olho nas novas mídias e formatos de distribuição de conteúdo, na internet, nas exibições on demand e redes sociais. Por fim, deixou uma lição: ser independente é ser livre. Hello, Mr. Corman. Vida longa.

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)


Jorge Ghiorzi